quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Redacted



Redacted, de Brian de Palma, é um exercício formal interessantíssimo. Tem como ponto de partida a construção de uma narrativa com recurso a uma espécie de manta de retalhos em forma de vídeo, uma aglutinação coerente de vários suportes, quase todos mimetizando o vídeo amador. Os eventos que se passaram antes, durante e depois de um incidente que ficou famoso são contados através do vídeo amador de um soldado, de um pseudo-documentário francês, notícias de telejornal, vídeos no YouTube das mulheres dos soldados, etc. A agarrar todo o filme está a ideia fortíssima de que a câmara nunca é anónima. Ou seja, sabemos sempre quem está a filmar e em que condições o está a fazer. Mesmo quando De Palma precisa de recorrer a uma câmara anónima - ou seja, nas cenas em que foi preciso mostrar eventos cujos protagonistas não poderiam estar conscientes do observador - sabemos sempre de onde nos vêm as imagens: ora de uma câmara de segurança ou de uma câmara dissimulada num capacete. Formalmente irrepreensível, tudo o resto é propagandístico e até certo ponto sem muito sentido. De Palma, como todo o profissional de Hollywood, vê na guerra do Iraque uma espécie de Vietname II, uma mania pela sequela muito típica daquela classe profissional, e não quis perder a oportunidade de nos deixar o seu grito de alerta. O problema é que escolheu um motivo errado: não faz sentido por em causa uma guerra recorrendo aos seus crimes. A existência de crimes de guerra não compromete a validade ou necessidade da mesma, e o que De Palma faz neste Redacted é a denúncia de um determinado crime - hediondo - da guerra do Iraque, omitindo, como sempre o faz Hollywood, o facto de os seus suspeitos - enfim - terem sido formalmente acusados e esperarem o desfecho do processo que os pode levar à pena de morte. Pelo que nos é contado no filme, ficamos com a sensação de que a culpa morre solteira, o que é desonesto e compromete a seriedade da obra.

Uma última nota: o filme é produzido por Joana Vicente, filha do «nosso» Manuel Vicente, que é já um dos principais nomes do cinema digital americano.