Sobre a contracepção e a homossexualidade, o que Francisco disse na
entrevista publicada em Portugal pela Brotéria é uma
mudança de tom significativa no discurso da Igreja Católica mas não é uma mudança de
doutrina (até porque, estranhamente, estes temas são mencionados juntamente com o aborto, como se partilhassem a mesma magnitude de relevância). Provavelmente - e desejavelmente - essa mudança de doutrina irá acontecer e podem entender-se as declarações do Papa como o início desse processo. Será, espero, um processo pacífico, porque um dos temas está morto (a contracepção, onde a doutrina é seguida por, como confirmam os últimos dados apurados pelo
Complexidade e Contradição, 1,34% dos católicos) e o outro ameaça morrer em breve (a mudança de postura social sobre o tema nos países europeus e nos EUA tem mudado de uma forma rápida e consistente). Mas, por enquanto, trata-se só de um alerta à navegação.
O Papa produziu nessa entrevista declarações muito mais relevantes para o futuro próximo da Igreja do que essas. Foram estas:
«É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que oiço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá reflectir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O génio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exactamente esse: reflectir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.»
Apesar daquela introdução cautelosa ao tema ("machismo de saias", "a mulher tem uma estrutura diferente do homem", etc.), não há nenhum modo
pacífico de cumprir o desejo que o Papa expressa aqui: "O génio feminino é necessário nos lugares em que se tomam decisões importantes." Das duas uma: ou se acaba o celibato, ou se ordenam mulheres (ou ambas, claro). Não há outra forma de garantir a presença das mulheres nos lugares onde se tomam "decisões importantes", por muita "teologia da mulher" que se tente. Só garantindo o acesso das mulheres aos mesmos corredores dos homens se pode acabar com o machismo de calças que hoje vigora na Igreja. Só com uma postura de igualdade radical de géneros poderá a Igreja Católica manter a sua relevância social e cultural. Se não o fizer cairá no erro da tentação do isolacionismo virtuoso (poucos mas bons) que será trágico para uma instituição que se quer
universal. Esperemos.