quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Opus #3

Estado Civil [2006 - 2008]

Depois de ter inventado o blogue político (A Coluna Infame [2002-2003]), de ter inventado o blogue pessoal (Dicionário do Diabo [2003-2004]), e após um período de reflexão (Fora do Mundo [2004-2005]), o Pedro Mexia fecha o ciclo do Estado Civil, o mais profissional de todos os seus blogues. A lápide indica que na sua origem esteve um incidente biográfico, mas que isso não nos deixe enganar: o Estado Civil foi o blogue que mais fez por desmentir quem insiste em reduzir «os blogues» a um fenómeno descartável. E se é verdade que os tais 99% da blogosfera podem representar mal a família, o ponto percentual que sobra atribui-lhe todo o sentido. Grande parte disso deve-se ao Pedro Mexia e ao Estado Civil, um blogue evidentemente escrito por alguém que - aprendemos isso com Chesterton mesmo agora - ama o género. Ao fazê-lo transformou uma «derrota» numa inconstestada «vitória». Nós, os outros, devemos estar-lhe grato. Eu estou.

Ortodoxia

This, as a fact, is how cities did grow great. Go back to the darkest roots of civilization, and you will find them knotted round some sacred stone or encircling some sacred well. People first pade honor to a spot and afterwards gained glory for it. Men did not love Rome because she was great. She was great because they had loved her.

Orthodoxy, G. K. Chesterton

Antroponímia

Lourença, avó de Agustina.

Como eu te percebo

(...) One report suggested Gerrard and a group of his friends were involved in an altercation after the man refused to allow them to choose the songs played on the venue's sound system. Gerrard is a big fan of Phil Collins and counts the singer's greatest hits as his favourite album. He is also partial to Coldplay. (...)

Moral da história: antes levar uma carga de porrada do que ouvir Phil Collins e Coldplay. O Pedro Sales chama a isto coragem; eu chamo-lhe apenas bom senso.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Antes morrer numa debandada de cangurus

A culpa pode ser minha que não gosto de épicos, não gostei de Gladiador, de Braveheart, de Tróia, mas por outro lado sei que não sou parvo: Tróia é infinitamente pior do que Gladiador, eu sei ver isso com clareza, não precisam insultar. Entrei por isso para Australia com todas as reservas activas e armas de destruição prontas a detonar mas o que encontrei foi apenas o tédio e o único perigo que corri foi o de largar as granadas no chão depois de adormecer. Só hoje percebi que Baz Luhrmann é o tipo que fez Moulin Rouge, um dos últimos filmes que arrancaram 5 estrelas a pessoas de bem e que me ia arrancando a sanidade, o que explica muita coisa mas não tudo. Australia é um exercício kitsch de tanto pastiche de géneros reduzidos a duas ou três caricaturas mais ou menos infantilódes. Aliás, a infantilização da audiência parece ter sido o caminho escolhido deliberadamente, e sobre isso caberá dizer que um mamilo naquela insípida cena de amor (ia escrever «sexo», mas enfim) teria ajudado a salvar a honra do convento, mas não, lençóis a cobrir tudinho, toma lá uma omoplata e um tornozelo para te divertires e usa a imaginação, porque aviões a fazer explodir meio mundo e tipos a sangrar dos olhos e senhoras a rebentarem pelos ares pode-se ver, mas o mamilo da Nicole Kidman é que não, nem uma nádega, nem o umbigo, senhores, nós que os conhecemos bem de, por exemplo, Eyes Wide Shut, um filme esse sim porreiro apesar do Tom Cruise, paz à sua alma. O Jorge Mourinha chama-lhe «uma viagem iniciática, um western, um filme de guerra, um romance exótico, uma lição de história, um dramalhão romântico, à vez, ao mesmo tempo, alternadamente» como se fosse uma coisa boa mas não é, é péssima. Nicole Kidman é uma reprodução em plástico daquilo que uma vez foi e de Hugh Jackman apenas fica na memória o torso (e gostava que a minha heterossexualidade não fosse posta em causa). Os aborígenes safam-se razoavelmente: há uma criança, um septuagenário nu, e uma mão que morre afogada à meia-hora. O argumento está tão obcecado com os acontecimentos que se esqueceu de dar espessura às personagens. O ritmo é enfadonho de tão previsível e recorre ao truque de - atenção, spoiler - matar uma personagem de 20 em 20 minutos para ver se não é dessa que saímos da sala. E não é. Vamos ficando agozinando pelo final que só chegará ao fim de 8 horas de iterações sobre o tema do feiticeiro de Oz (somewheeeeere oooooover the raaaaaaaaaaaainbooooooow, aaarrghhhh) cantado por uma criança, assobiado por um bêbado, poluindo a atmosfera geral. Não sei qual foi a intenção, mas sei que só não dou bola preta porque ninguém me pediu nada e porque temo estar a ser politicamente incorrecto. Que saco.

Exit strategy

O meu bairro sofre duas grandes enchentes por ano (em anos isentos de manifestações). Dessas, o arraial do orgulho gay está longe de ser a mais deprimente. Preciso de uma estratégia de saída (convites para revelhões para o email acima.)

Temos de ser uns para os outros

A Sara - que escreveu um texto sobre Australia que acabei de descobrir ser todo ele um eufemismo - soube através do Gustavo Nagel - que descobriu através de mim aquele texto do Matthew Parris ali em baixo - que o Tiago de Oliveira Cavaco tem um novo blogue. Deus vai encontrando caminhos para chegar até nós.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Descomplicar o mundo

«Nazis alemães e sionistas são irmãos no crime.»

Comentário das 15h19 a esta notícia.

Drago e Palin

Entretanto no Arrastão 8% das pessoas consideraram Ana Drago o «Melhor Nacional 2008» e na também emocionante corrida para «Pior Internacional 2008» Sarah Palin ficou a apenas 2% dos votos de roubar o 2º lugar a Robert Mugabe. O mundo só é complicado para quem gosta de complicar.

Africa needs God

«(...) But travelling in Malawi refreshed another belief, too: one I've been trying to banish all my life, but an observation I've been unable to avoid since my African childhood. It confounds my ideological beliefs, stubbornly refuses to fit my world view, and has embarrassed my growing belief that there is no God.

Now a confirmed atheist, I've become convinced of the enormous contribution that Christian evangelism makes in Africa: sharply distinct from the work of secular NGOs, government projects and international aid efforts. These alone will not do. Education and training alone will not do. In Africa Christianity changes people's hearts. It brings a spiritual transformation. The rebirth is real. The change is good. (...)»

domingo, 28 de dezembro de 2008

Ética bloguística (2)

Gostava muito que reparassem que eram 4:03 da manhã quando publiquei o último post, que são neste momento 4:06, e que tudo isto foi conseguido sem recurso a nenhum atropelo ortográfico.

Ética bloguística

Nunca publiques no estado ébrio.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Chiuauas e pedigrees

A Sic-Notícias acabou de transmitir um documentário sobre o perverso mundo da criação e apuramento de cães de raça. Não é preciso ter as cotas em dia da ANIMAL para que uma pessoa se emocione com isto. A história conta-se em poucas linhas. Em meados do século XIX a classe média vitoriana desenvolveu um gosto estético sobre os cães e descobriu que era divertido organizar competições com os melhores exemplares de cada raça. Os cães, que essencialmente existiam para desempenhar determinadas funções (caçar, guardar, acompanhar), passaram a existir para agradar aos olhos (o que, enfim, também parece ser verdade com alguns exemplares da espécie humana). Nos cães o drama foi inevitável e a procura da perfeição estética (leia-se a aproximação aos padrões estabelecidos por uma entidade estranha - o homem) não reconheceu obstáculos: se se quer o cão com o nariz empinado, então cruzem-se cães de nariz empinado, independentemente das suas relações de consanguinidade. Era como se as Nações Unidas (uma entidade estranha) decretasse a Angelina Jolie, o Brad Pitt e a respectiva rescendência como reprodutores oficiais da espécie, à luz de um conjunto de parâmetros estéticos considerados «ideais» (uma ideia sem contestação em Brangelina). A nós restar-nos-ia apaudir e pontuar. O resultado no mundo canino foi o esperado: doenças genéticas, anormalidades anatómicas, deformações físicas absurdas (particularmente eficaz a comparação entre dois exemplares da mesma raça separados por apenas cem anos.) Não se pense que eu estou a equiparar o cão ao homem; longe disso. Aos meus olhos a aberração maior não está no focinho inexistente do buldog, está na massa encefálica inexistente dos criadores. É-me particularmente indiferente que um cão nasça sem uma perna, mas não posso ficar insensível ao facto de se gastar no Reino Unido 10 milhões de libras semanais a tratar animais domésticos doentes devido a insuficiências genéticas provocadas pela pontuação dos certames de fim-de-semana. Há qualquer coisa na maneira como tratamos os animais que reflecte a maneira como nos tratamos a nós próprios - a relação que os donos de animais domésticos mantêm com os mesmos é evidente nesse aspecto. O que devemos aprender com o exemplo dos cães de raça não é a condenação da ideia de apuramento da espécie (Darwin já nos resolveu essa questão há muito tempo); é o perigo que resulta de retirarmos aos indivíduos a capacidade de fazer as necessárias escolhas através de imposições exteriores. A ideia de haver uma entidade, digamos, a título de exemplo, sediada em Bruxelas, que estabeleça padrões estéticos sobre a natureza, digamos, a título de etc etc, a «dimensão média do pénis» ou o «aspecto padrão de um pimento», já pareceu mais do domínio da ficção científica do que parece hoje. A ideia que podemos predeterminar os aspectos estéticos da nossa existência é tentadora e tem merecido teses relativamente convincentes no domínio da ficção científica. Mas não só, e poderíamos recorrer à biografia de Josef Mengele como bibliografia. O perigo, evidentemente, não parece estar na hipótese de alastramento de uma ideia de apuramento estético da espécie, mas mais num cenário onde o apuramento estético surge como consequência de outro tipo de manipulação mais benigno, por exemplo o combate à doença. Seja como for, a beleza parece ser um fruto proibído e a sua procura activa terá sempre um preço a pagar. Esta não é apenas uma ideia religiosa.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Bosingwa



O Rogério Casanova foi ao Reino Unido celebrar o dia mágico do calendário litúrgico, o boxing day, e pelo caminho foi lá ao blogue dar uma perninha para nos realçar um artigo da Economist sobre um farol (não há explicação para o jogo que o Bosingwa está a fazer). O que o Rogério Casanova não disse é (o Chelsea acabou de fazer o 2-0 através do perfume de Lampard) que esse artigo está na Special Christmas Double Issue, um número que separa automaticamente a humanidade em dois: aqueles que têm a oportunidade de ler a Special Christmas Double Issue - versão impressa -, e aqueles que não têm a oportunidade de ler a Special Christmas Double Issue - versão impressa. Como ontem foi natal e hoje eu faço anos - a caixa de comentários está aberta para as felicitações que se impõem - aqui vos deixo uma lista de artigos (parece não haver dúvidas sobre o facto de Paul Scholes ser o melhor jogador asmático da história do futebol) que não ficam nada a dever ao Light on a lonely rock (e atenção que eu ainda não os li todos):

- Chillies, Global warming (com um portentoso primeiro parágrafo);
(escandaloso anular de golo ao Man Utd, escandaloso)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Bom Natal




Praça da Figueira, 24 de Dezembro de 2008 (juro)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Being João Miranda

Bento XVI falou e, surpresa, as consciências indignaram-se. Desta vez foi a defesa da «heterossexualidade» e a comparação com «as florestas tropicais». A opinião urbana já preparou os cocktail molotov e está preparada para os lançar. Mas, desta vez, estão errados. A comparação é acertada. As «florestas tropicais» são um bem natural cuja extinção causará um desiquilíbrio no ecossistema difícil de superar. A «heterossexualidade» é um bem natural cuja extinção causará um desiquilíbrio no ecossistema difícil de superar. No primeiro caso, faltará oxigénio e chuvas e assim, obrigando a ciência e a tecnologia a encontrar soluções alternativas. No segundo, faltarão bebés, obrigando a ciência e a tecnologia a encontrar soluções alternativas. Num caso como no outro não será o fim do mundo, mas também não morremos se nos esforçarmos a preservá-las.

domingo, 21 de dezembro de 2008

2008 - uma lista anárquica

Frank Lloyd Wright, Prairie Houses, fotografias de Alan Weintraub, para nos reconciliar com a aquitectura;

João Pereira Coutinho na Folha de S. Paulo;

Charlie Wilson's War (hossanas a Seymour Hoffman);

Boston Legal, Weeds, Californication;

A gravidez da Rititi (e o nascimento do Rititi boy);

A minha guitarra que tocou na Radar;

Vampire Weekend e a vitória das camisas por dentro das calças;

A candidatura de Manuel Vicente à Ordem dos Arquitectos;

11 de Maio: The National na Aula Magna, feriado emocional;

11 de Junho: Feist na Aula Magna;

Os textos de Lourenço Viegas para a Time Out;

Rui Costa director desportivo;

Juno, de Jason Reitman e argumento de Diablo Cody;

Arthur & George, Julian Barnes;

Ian McEwan (obrigado por tudo) e Saul Bellow;

Ricky Gervais, sempre;

Death at a Funeral, de Frank Oz;

We Own the Night, de James Gray;

Boris Johnson em Londres;


A inauguração do edifício do New York Times, de Renzo Piano;

Zidane, un portrait du 21e siècle;

Catpower;

Contemplação Carinhosa da Angústia, Agustina Bessa-Luís;

Como fazer coisas com palavras, do Pedro Mexia e do Ricardo Araújo Pereira;

Pablo Aimar;

A Flor Caveira, o Tiago Guillul, o Samuel Úria, os Pontos Negros, Os Golpes e a Amor Fúria: 2008 é todo deles;

A morte d'«O Triunfo dos Porcos» como um triunfo dos porcos;

Usain Bolt e Michael Phelps;

The Savages (hossanas a Seymour Hoffman);

Ping-pong is coming home, por - evidentemente - Boris Johnson;

Rogério Casanova (Pastoral Portuguesa), Rogério Casanova (Expresso), e Rogério Casanova (LER);

Fleet Foxes;

Noah and the Whale;

David Foster Wallace, uma voz voraz desaparecida que conheci através de Consider the Lobster;

A revista LER;

O Obrigado Sá Pinto;

O regresso do MEC;

Os blogues do costume (vocês sabem quem são);

O programa do Aleixo, de Bruno Aleixo, génio;

Before the Devil Knows You're Dead (hossanas a Seymour Hoffman e Marisa Tomei);

Changeling e Gran Torino, de Clint Eastwood, que ainda não vi mas que são obviamente os melhores filmes do ano;

Orthodoxy, G. K. Chesterton;

Nada de Melancolia, segundo volume de crónicas do Pedro Mexia;

Caramel, de Nadine Labaki;

O Segredo de um Cuscuz, de Abdel Kechiche;

O Governo Sombra da TSF, a primeira tentativa de comentário político humorístico a dar certo em Portugal desde A Noite da Má Língua;

Amor e Ódio, Filipe Nunes Vicente;

A Dieta Rochemback, uma espécie de Gattopardo que se esforçou;

John McCain, apesar de tudo;

Barack Obama, apesar de tudo;

(Batman) The Dark Knight, que aluguei ontem no DVD e que não é só Heath Ledger (no entanto o tipo merece o Óscar póstumo, apesar da ideia ser um pouco sombria);

(em actualização)

sábado, 20 de dezembro de 2008

A minha vida

É mais Pollux do que para o Lux.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

TVI SIC

No episódio de ontem da novela da noite da TVI SIC (não sei o nome), Diana Chaves, que faz de lésbica, apresentava-se com a namorada em casa da tia, Ana Padrão, e discutia o «conservadorismo» da sociedade portuguesa que «infelizmente» ainda não reconhece «o casamento» de lésbicas. Percebo a caça às audiências, mas o argumento não pega: se «as lésbicas» tivessem o aspecto da Diana Chaves e se as tias das lésbicas tivessem o aspecto da Ana Padrão, há muito que o casamento entre elas não só estaria legislado como seria inclusivamente incentivado.

2008 em filmes

Qual é o truque? Vai-se anotando tudo num bloco, é?, numa agenda moleskine, micro-notas de visionamentos e leituras, com estrelinhas de lado? Não faço ideia, só sei que não consigo elaborar aquelas listas do ano pelo simples facto de que não me lembro que livros li, que filmes vi, que álbuns ouvi, que concertos assisti. Lembro-me de um ou dois, no máximo (até começar a ver as listas dos outros meninos). E, por isso, cá vai o meu filme de 2008, um filme que deve estar obrigatoriamente na lista de qualquer homem heterossexual que se preze, um filme que interpreta o cruzamento religioso no médio oriente à luz da luz que entra filtrada num cabeleireiro feminino de Beirute (olha, anotar «Beirut» para a secção da «música») pejado de mulheres bonitas e tensão sexual à flor da pele:

Mourinho está a fazer escola

Segui o excruciante jogo de ontem contra os Megadeath (tm) on-line, via um canal esquisito transmitido por um site esquisito (gosto de criar os ambientes próprios para cada ocasião). O comentador de serviço era um britânico daqueles com uma pronúncia muito pouco bbc oxford (diria que escocês, talvez) que passou o jogo inteiro a elogiar o bom futebol do Benfica, deliciando-se com Binya («the most impressive man in the match»), Fellipe Bastos («one of the best tonight») e companhia, tendo um orgasmo cada vez que se mostrava o banco de Quique («can you believe the power sitting in that bench?»), criticando a falta de atitude dos Metallica (tm) que pareciam só querer defender. Ora, por volta dos 75 minutos, o tipo viu a luz e começou a berrar que estava a ver tudo na cabeça dele, que os Iron Maiden (tm) iam marcar em cima do fim do jogo e que ia acabar tudo 0-1. «Can you believe [o tipo já estava incrédulo mesmo antes do golo] this, that Metalist are going to nail their third one nill victory in the UEFA cup?» E assim foi: contra o Galatasary marcaram aos 81; contra o Olimpiacos (que ontem despachou o Hertha por 4-0) aos 88; contra o Benfica aos 84. Mourinho está a fazer escola.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

I just wanted the wind to blow once more



Brigitte Bardot por Terry O'Neill

Por um Natal melhor

Por um Natal melhor, cheio de harmonia, paz e amor, gostava - Pai Natal se me estás a ouvir esta é para ti - de apanhar três ou quatro daqueles cabrões que largam os velhos nos hospitais durante o período das férias, disponibilizando moradas falsas e não atendo os telemóveis quando toca de Santa Maria (como nos mostrou uma reportagem da SIC de há dois dias), para poderem disfrutar o perú e o bacalhau e o vinho e o chocolate ou para aproveitar o subsídio e dar aquele saltinho ao Brasil sem o avô que precisa que alguém lhe mude as fraldas a atrapalhar, apanhá-los bem e espancá-los fisicamente com recurso a objectos metálicos pontiagudos. A tortura física não é a minha primeira opção: a primeira opção seria fazê-los sofrer uma humilhação e privação semelhantes à que sofrem aqueles velhos abandonados pela família, tratados como um animal de estimação mal cheiroso, não esquecidos mas simplesmente ignorados, mas suspeito que isto é gente que só vá lá mesmo à bastonada.

Scatman (Ski Ba Bop Ba Dop Bop)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Que nunca deixemos morrer este Portugal

Ao balcão, uma epifania patriótica a 1,10€: «sopa do cozido».

E o burro sou eu?

Luís Filipe Scolari, treinador do Chelsea, equipa de Deco, Lampard, Ballack e Joe Cole, veio a público dizer que lhe falta um «organizador» (antes que comecem a crucificar as capacidades de tradução da redacção d'A BOLA, vão ver à fonte: «organizer», que a redacção do Daily Mail prontamente interpretou como «playmaker»). Na sequência destas declarações, Quique Flores aproveitou para dizer que lhe faz falta «um guarda-redes», Paulo Bento «um avançado preto», José Sócrates «um computador pequenino e azul bebé», Obama «uma imprensa receptiva», Chesterton «uma visão sobre o cristianismo», Carrilho da Graça «o Prémio Pessoa», a Floribela «umas mamas novas» e eu próprio «capacidade de acabar este post».

Ortodoxia

The ordinary man has always been sane because the ordinary man has always been a mystic. He has permitted the twilight. He has always had one foot in earth and the other in fairyland. He has always left himself free to doubt his gods; but (unlike the agnostic of today) free also to believe in them. He has always cared more for truth than for consistency. If he saw two truths that seemed to contradict each other, he would take the two truths and the contradiction along with them.

Orthodoxy, G. K. Chesterton

(Não estava à espera de encontrar uma dimensão teológica no nome deste blogue, mas agora que Chesterton mo revelou faz todo o sentido. Aliás, há muita coisa revelada por Orthodoxy que faz todo o sentido, gostava muito que toda a gente estivesse a perceber isso.)

Nem sempre

A política nem sempre é uma coisa bonita. Com Helena Roseta a ganhar credibilidade, o «Zé» como canditato independente, e a fraca prestação de Costa, o PSD pode muito bem ganhar a CML. Com quem? Não se riam: Santana Lopes pode estar «morto», mas os fantasmas assustam muita gente. Ganhando a CML, Ferreira Leite faz metade do caminho que precisa fazer (lembram-se de Guterres se demitir depois de perder Lisboa e Porto?) Agora só falta a Cavaco devolver o mimo ao PS do solvente Sampaio e marcar as legislativas lá bem para o fim do prazo. A política nem sempre é uma coisa bonita.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

(Nem só) de mupis vive o homem

Triumph e Intimissimi, mas também Tezenis e Calzedonia.

A Saddam nunca ninguém atirou um sapato

Surpreende-me que as pessoas não estejam a ver o essencial no episódio shoegate: o Iraque já é um país onde jornalistas chanfrados têm a oportunidade de assistir a importantes conferências de imprensa (tempo de antena de jornalistas chanfrados sempre foi um ponto de honra das sociedades livres). O resto são - como diria o outro - fight divers.

Ortodoxia

Poets do not go mad; but chess-players do. Mathematicians go mad, and cashiers; but creative artists very seldom. I am not, as will be seen, in any sense attacking logic: I only say that this danger does lie in logic, not in imagination. (...) The general fact is simple. Poetry is sane because it floats easily in an infinite sea; reason seeks to cross the infinite sea, and so make it finite. The result is mental exhaustion (...). To accept everything is an exercise, to understand everything a strain. The poet only desires exaltation and expansion, a world to stretch himself in. The poet only asks to get his head into the heavens. It is the logician who seeks to get the heavens into his head. And it is his head that splits.

Orthodoxy, G. K. Chesterton

Ortodoxia

The fairy tale discusses what a sane man will do in a mad world. The sobre realistic novel of today discusses what an essential lunatic will do in a dull world.

Orthodoxy, G. K. Chesterton

01-01-2009

Carrilho da Graça e o Prémio Pessoa (2)

A conversa sobre a atribuição do Prémio Pessoa a Carrilho da Graça continua, com mais elevação, ali no Khiasma, pela mão do João Amaro Correia.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O novo partido

Manuel Alegre deve pôr os olhos em Chinese Democracy e aprender com os erros do senhor Rose: há ideias meritórias que só se mantêm meritórias na gaveta.

Por outro lado

domingo, 14 de dezembro de 2008

Um sinal de Deus?

Um sinal de Deus para todos nós? Frances Blogg, mulher de Chesterton.

Carrilho da Graça e o Prémio Pessoa

O Prémio Pessoa é o reflexo de uma certa atitude apaziguadora da sociedade portuguesa, sempre disponível para acarinhar os grandes consensos nacionais (como foi o caso de Manoel de Oliveira, por exemplo.) Como não poderia deixar de ser, o ecletismo é nota dominante nesta espécie de redução ao mínimo denominador comum do mérito. No caso do Prémio Pessoa, o mérito cultural. Uma rápida constulta à lista de laureados (uma péssima palavra) prova essa dispersão de resultados inócuos. Afinal, o que se está a premiar? Sem a definição clara de objectivos, sem a concentração numa determinada área, o que se premeia - julgo - é um suposto reconhecimento da «sociedade» em relação a uma figura cuja obra todos mais ou menos desconhecem mas cujo nome já aprenderam a reconhecer. Há, a acrescentar a isto, uma vontade de premiar pessoas ainda no activo, como estímulo ao restante do seu percurso profissional. 2008 voltou a escolher a arquitectura na pessoa de João Luís Carrilho da Graça [1952], e este texto tenta explicar a justeza dessa escolha.

Desde os anos 80 que o panorama cultural português tem vindo a incorporar a hermética disciplina da arquitectura na lista de actividades a acompanhar, e nem sempre os resultados têm sido os melhores. A principal vítima foi a própria arquitectura: os holofotes do mediatismo tornaram-na vaidosa e descuidada. Podemos até traçar a linha geracional - nos anos 80 - que separa claramente a obra dos arquitectos formados antes e depois da idade da consciência mediática. Para todos os efeitos, João Luís Carrilho da Graça representa um dos últimos casos pré-corrupção, ainda que tenha sabido gerir e tirar proveito, com alguma mestria, desta nova condição da arquitectura. É, acima de tudo, um puro, ou alguém que ambiciona a pureza. Não uma pureza formal que contaminou a geração posterior (liderada com pompa e circunstância por Manuel Aires Mateus [n. 1963], 11 anos mais novo) mas uma pureza de intenções radicalmente alicerçada na cartilha do movimento moderno. Se Eduardo Souto de Moura [n. 1952] - o único arquitecto premiado com o Pessoa até aqui (em 1998), curiosamente nascido no mesmo ano que Carrilho da Graça - representou a entrada de rompante da tradição de Mies van der Rohe («menos é mais») em Portugal, fazendo a correcta adaptação ao contexto do norte do país sobretudo através do muro de pedra, Carrilho da Graça é o mais competente herdeiro da tradição de Corbusier e da linguagem do «Estilo Internacional». 

O incontornável Álvaro Siza [n. 1933] desde cedo se deixou seduzir mais pela obra de Alvar Aalto - por esse modernismo já revisto e corrigido - e até pela segunda idade de Corbusier (depois da descoberta do tropicalismo) do que pelo cânone de aspiração internacionalista do movimento moderno, e com isso condicionou a história da arquitectura da chamada «escola do porto». Em Lisboa as coisas evoluiram mais livremente; a geração de Carrilho da Graça passou pelas mãos de Manuel Vicente (há que mencioná-lo) no último ano da faculdade, e, talvez motivados pela anarquia emocional de Vicente, foi cada um para seu lado. Graça Dias, amigo e contemporâneo de Carrilho da Graça (há quem esteja permanentemente a confundir os dois «Graças») não podia representar um universo formal mais distinto, por exemplo, mais herdeiro de Manuel Vicente, não recusando nem Taveira nem Távora (uma espécie de António Varioções da arquitectura portuguesa: enquanto que o músico trouxe Nova Iorque para Braga, Graça Dias quis trazer Macau para Chaves). Carrilho da Graça decidiu-se pelo caminho mais «modernista» que levou, inevitavelmente, a uma obra bem menos influencidade por «Portugal» do que os seus contemporâneos do norte do país. Talvez a obra a quem Carrilho da Graça mais deva seja a de Gonçalo Byrne [n. 1941], mas rapidamente a superou fazendo contrastar a sua ambição mais lírica à erosão do estilo de Byrne, que tem vindo a perder coerência formal em prol de uma ambição de «fazer cidade». Este prémio dado a Carrilho da Graça veio reforçar a ideia de que a expressão cultural da arquitectura ainda se faz sobretudo à custa do desenho que ambiciona à arte; quer Carrilho da Graça quer Souto de Moura são exímios criadores de objectos arquitectónicos, menos interessados no fenómeno urbano. É uma opção altamente discutível (a do júri do Pessoa) mas que se entende: à arte é exigido que emocione, e é esse que tem de ser o caminho da arquitectura se quer ser arte. A obra de Carrilho da Graça emociona pela sua procura da leveza, da imaterialidade, da pureza do «espaço» (uma ideia hiper-modernista), do acerto pela simplicidade do gesto, por uma dimensão quase musical e por isso bastante abstracta. O que é a sua força também é a sua fraqueza: esta abstração representa uma certa fobia - quase higiénica - em relação ao contexto português. 

Talvez falte à obra de Carrilho da Graça uma inscrição colectiva; dois ou três aprendizes dispostos a fazer escola que legitimem os seus gestos, que façam do seu percurso um percurso geracional e não só individual. O mediatismo da arquitectura que explodiu nos anos 80 formou uma geração de arquitectos mais interessados em ser publicados numa revista coreana do que em aprender com os mais próximos. Por isso, a obra de Carrilho da Graça ficará talvez para a história tão solta do chão como alguns dos seus edifícios, e isso é pena.

Saldanha 25

a era do vazio, onde o João explica porque é que mais valia que aquela coisa ali no Saldanha fosse às cores.

Eu devo ser

Quando cheguei à adolescência, os tios mais velhos diziam «aproveita rapaz, é a melhor altura da tua vida, que saudades de ter 16 anos.» Quando entrei na universidade, os tios mais velhos diziam «aproveita rapaz, é a melhor altura da tua vida, que saudades de ter 21 anos.» Quando me casei, os tios mais velhos disseram «aproveita rapaz, ainda vais a tempo de fugir.»

Ou eles eram loucos, ou eu devo ser uma pessoa muito estranha.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Nada de Melancolia

O carácter traumático da adolescência é um dado mais ou menos consensual para as pessoas normais, que crescem e arranjam empregos e têm de continuar a viver sem poder apagar tudo aquilo que se passou entre a puberdade e uma data que varia conforme cada um. À excepção dos consultores empresariais (nunca conheci nenhum que acusasse o toque), a adolescência é aquela fase da vida onde demasiadas coisas se definem sem rede, a maioria delas fugindo à nossa vontade, à boleia da «experiência», essa maldita, que vai gravando sem a nossa permissão dados novos na nossa tábua rasa, deixando-a irremediavelmente tatuada para a eternidade. E de onde vem o peso da adolescência? Simples: ela nasce da dificuldade que os homens (por oposição às mulheres) têm de decretar o fim da dita, que, como sabemos, só morre com o casamento (até prova em contrário, o melhor antídoto). Contra o domínio anunciado desse fantasma sobre a nossa vida, o remédio passa por um processo quase bélico de afronta a esse exército de assombrações. Esse processo é dificílimo e é necessário assumi-lo com frontalidade, entrar no carrinho do comboio fantasma de olhos abertos, e não recear a chicotada. O livro de crónicas do Pedro Mexia Nada de Melancolia (apresentado ontem numa bonita festa no Incógnito) representa, em parte, essa catarse emocional obrigatória. O Pedro Mexia volta ao local do crime, munido de armas poderosas - idade adulta, clareza argumentativa, prosa elegante, hormonas ligeiramente mais pacificadas -, e enfrenta o baú com coragem e dedicação. Apesar do título, há ali melancolia, evidente, mas que surge apenas como a namorada do amigo: só lá está porque convidámos o amigo. No fundo, estas crónicas representam uma espécie de arrumar de casa: a adolescência estava ali desarrumada pelas gavetas da sala e foi preciso pegar nela, empacotá-la, e arrumá-la num caixote na cave, catalogada e arejada para futuras consultas. Pelo caminho, o Pedro Mexia levou toda uma geração atrás de si, emocionada e entusiasmada com esta carta de amor a uma geração ainda relutante em deixar morrer a adolescência mas um pouco assutada em deixá-la andar pelos corredores sozinha. O processo foi uma espécie de bomba de fragmentação emocional, pacifista, sem vítimas. O que não mata engorda, e a verdade é que estamos todos um pouco mais gordos.

Enfim, começou a chover em Matosinhos, o terreno vai alagar, e tenho medo que isso prejudique o futebol do Aimar.

P.S: Acabo de perceber que o Miguel Esteves Cardoso diz no prefácio: «Mas o Pedro Mexia jamais poderia ter armas. Toda a terminologia bélica do costume (...) é grosseira de mais para descrever o que a escrita dele faz.» Mas isto é só a opinião do Miguel Esteves Cardoso.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

C.E.

Vieira

Não me sobressalta que Eduardo Cintra Torres tenha escrito um panegírico a Cláudia Vieira; é o facto de o ter feito no «Jornal de Negócios» que me desconcerta.

Ele era

Literato e hipocondríaco: o seu fetiche era a posologia existencial.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Manoel

Tenho com Manoel de Oliveira uma relação semelhante à que tenho com Lobo Antunes (o médico, quer dizer, o escritor, quer dizer, o romancista): alimento uma desassombrada ignorância em relação à «obra» ao mesmo tempo que me submeto a uma devoção quase incondicional em relação às coisas que eles dizem nas entrevistas. Por razões diametralmente (interessante esta relação entre a geometria e a linguagem; a que se deve, por exemplo, esta coincidência entre os nomes de figuras geométricas e de figuras de estilo?) opostas, claro. As entrevistas de Manoel de Oliveira são sempre um festival de politicamente incorrectos que sobrevivem graças ao estatuto de ancião que Oliveira conquistou. O mais interessante é que, ao contrário de Lobo Antunes (o médico, quer dizer, o escritor, quer dizer, o romancista), não parece haver em Manoel de Oliveira um esforço de patrulhamento sobre o que diz: podemos até arriscar a palavra sinceridade. É isso, e a inveja. Não acarinho a ideia de sobreviver até ao século, mas se lá chegar gostava de lá chegar assim.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sore throat



Ípsilon

Não me venham é com merdas.

Sex, Lies, and Videotape*

Não estava à espera de uma conclusão tão moralista.

* Um título com uma Oxford comma.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Agenda



(O livro está belíssimo e tem a Gina na capa: não há como não gostar.)

Faixa de Gaza

A Baixa tem poucos habitantes, mas não se percebe porquê. Hoje, feriado, comprei pão fresco, sonhos de abóbora, fui à farmácia, à FNAC, a duas lojas de sabonetes distintas e comprei o jornal. Isto tudo num raio de três quarteirões. Mas há quem nos queira tirar daqui, quem espalhe boatos e maus olhados e vereadores que dizem «a Baixa nunca foi residencial». A resposta parece ser a que encontraram uns amigos que vivem aqui ao lado: vão ser pais. O exemplo, confesso, comove. Cresçamos, portanto, e multipliquemo-nos. A vitória será nossa.

Tudo por uma boa causa

Aqui ao lado de casa há uma loja de «comércio justo» que se dedica a vender artigos feitos no terceiro mundo a preços de primeiro, e com isso combater a exploração da mão-de-obra quase escrava. Hoje, ao chegar a casa, não pude passar em frente à montra: um carro que abastecia a loja estava estacionado em cima do passeio junto à porta (e quando digo «em cima do passeio» digo as quatro rodas em cima do passeio), obrigando os transeuntes a circularem na faixa de rodagem, arriscando perigosamente a vida. Os tipos do comércio justo não se sensibilizaram com isso. Tudo por uma boa causa.

Dia da Imaculada Conceição de Maria Santíssima (4)

Uma das últimas crónicas do Pedro Mexia no Público era sobre o episódio preservativo: na década de sessenta, Paulo VI, sobressaltado com a (nova) questão da contracepção artificial, cria um grupo de estudo para decidir sobre a questão. O grupo era grande e variado, mas o resultado da votação foi mais ou menos homogéneo: em setenta e tal votos, apenas 6 votaram contra o disposto no relatório, que era permitir e aconselhar o uso dos novos métodos contraceptivos. Paulo VI considerou o resultado «pouco conclusivo» e foi o que se viu. Desde então, isto tem sido um regabofe e ninguém se entende (uma vez excumungaram-me por isto). O exercício de história alternativa impõe-se: e se Paulo VI tivesse seguido a recomendação do relatório? Uma coisa é certa: os católicos adoptariam essa como a sua inquestionada posição.

Dia da Imaculada Conceição de Maria Santíssima (3)

A mãe, que é a figura central no catolicismo português, e uma das fontes dos meus atritos (Fátima, não obrigado.) Durante a adolescência fiz parte de uma organização católica juvenil de inspiração mariana que, como todas as organizações juvenis (para jovens) em Portugal, confundia a «juventude» com a «infância» e reduzia o cristianismo a um conjunto de imperativos morais mais ou menos ingénuos. Tive sorte com o grupo que me calhou, e fui ficando. Um dia quis falar ao país. Havia um jornal, impresso e tudo - agora deve ser um blogue ou assim - que nos chegava a casa pelo correio e que nos solicitava permanentemente artigos, pois aquilo era um órgão que servia para «dar voz» a todos nós. Escolhi o tema, esmerei-me na retórica, e fiz o send, não sei antes consultar um amigo que fazia parte da equipa editorial sobre a viabilidade da publicação (era um tema inocente mas fora do abc do missal). Ele hesitou - verdade - mas anuiu. Chegado o dia, nada do artigo do Lourenço, mas lá vinha outra vez o pedido de ajuda para mais artigos. Estranhei, e voltei à carga, com outro tema, com uma gramática ainda mais impecável. O resultado foi o mesmo. Passados uns dias alguém me disse que tinham «mandado dizer» que os meus artigos não podiam ser publicados porque «iam contra a opinião da Igreja» (sic), e que a serem publicados teriam de ser acompanhados por um artigo gémeo assinado por um «padre» (sic) a «defender» (sic) a «opinião da Igreja» (sic sic). Porquê? Porque havia muita gente influenciável a ler aquilo (a organização era para pessoas com mais de 16 anos, espante-se). Lá disse que o meu objectivo era mesmo «influenciar», mas eles não se influenciaram. Mais tarde vim a saber que eu era considerado um «herege» e tudo. Um tipo sensibiliza-se. Agora, olhando para trás, imagino que esses textos fossem algo de que eu me envergonharia e agradeço ao lápis azul a protecção que fez da minha biografia.

Dia da Imaculada Conceição de Maria Santíssima (2)

Somos desesperados: queremos, a todo o custo, falar com Ele. Por isso, inventámos uma série de figuras para nos conseguirem uma cunha: os santos, os beatos, a mãe.

Dia da Imaculada Conceição de Maria Santíssima (1)

O Tiago Cavaco fez recentemente dois ou três apontamentos sobre um aspecto que divide católicos e protestantes: a apetência que os primeiros parecem ter para o acatamento de ordens superiores, um gosto pela hierarquia, por oposição a uma espécie de rebeldia do-it-yourself dos protestantes. Os cânticos dominicais católicos parecem confirmar isso: nós, homens, estamos indefesos e infelizes sem a Tua atenção. Dá-me atenção, Senhor, obrigado pela Tua atenção, Senhor. Somos (os católicos) uma espécie eternamente órfã. Somos pessoas que não dão a devida atenção a S. Mateus: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (18,20). Esta insegurança gera insegurança; e o conceito de «rebanho» torna-se tristemente acertado. Mesmo quando tentamos fazer alguma coisa por nós próprios, lá vamos a correr buscar um padre que nos guie, que nos reconforte, que nos embale o berço. Invejo a capacidade dos protestantes de serem mais adultos e de acreditarem mais na força da comunidade - e de, consequentemente, a acarinharem mais. Nós, católicos, partilhamos a mesma fé e rezamos de mão dada durante a eucaristia. Mas à saída separamo-nos logo entre os que dão um e os que dão dois beijinhos.

Virus

(Um virus atacou-me a caixa postal e parece que ando a enviar para a lista de contactos um email de conteúdo natalício. Aos visados, as minhas desculpas pelo facto de o conteúdo do mesmo não ser o já tradicional soft porn.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

«abusando de maiúsculas, exclamações e todos os sinónimos do verbo amar, não vá a gente ter dúvidas»

Estive a analisar o meu comportamento bolsista e cheguei à conclusão de que não linkava a Rititi há demasiado tempo.

18 anos

No Metro, um grupo de adolescentes conversa mais alto do que os outros viajantes. Percebo que falam sobre «fazer 18 anos na sexta-feira». Fico, por uns momentos, intrigado: aqueles miúdos e miúdas não me parecem ter 18 anos. Será que já não consigo distinguir um pré-adulto (18 anos) de uma criança (14)? Por este motivo fico de olho neles, à caça da gralha interpretativa. Pesco uma referência ao hi5, duas ou três outras coisas sem importântica, até que surge a chave do enigma: eles falam sobre que dia da semana acolherá os respectivos décimos oitavos aniversários. Eu faço 18 anos numa sexta, dizia um deles, isso dá imenso jeito, dizia outro, falando ambos de um futuro mais ou menos longínquo ao abrigo da ideia de imortalidade tão própria da idade pré-consciente. Fazer 18 anos exige festa grossa e, apesar de continuar a surpreender-me com a inutilidade da adolescência, percebo a angústia deles: fazer 18 anos à sexta-feira é certamente um plus. Uma espécie de sinal de uma predestinação da malta cool, inevitável que parece sempre ser aquela separação das águas que se dá no liceu (agora são ébês dois mais três, ou lá o que é). De um lado, os tipos que fazem 18 anos à sexta-feira (ou, se não fazem, que merecem fazer); do outro, os tipos que atingem a maioridade (puramente estatística, apesar de tudo) ao, digamos, domingo, por entre matinés e ressacas e lojas fechadas. 
Fui confirmar e não me espantei: fiz 18 anos num domingo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Google translation

«Uma vénia geral a Cristiano Ronaldo e Manchester rendida a uma nova legenda

Bold meu.

Forrest Gump

Há pelo menos uma pessoa que partilha comigo a área territorial de Lisboa compreendida entre a Baixa e o Campo Pequeno. Quem anda a pé na cidade (nós conhecemo-nos todos, costumamos ir ao cinema à terça-feira e partilhamos o táxi) também o conhecerá certamente: trata-se de um sem-abrigo de aparência rasta-albino, uma espécie de Bob Marley que caiu no caldeirão da lixívia em pequeno mas com ligeiramente melhor aspecto. Outra característica distingue-o dos demais: está sempre a correr. Ele é ágil e está em óptima forma (não vai para novo) e sempre que o vejo - sempre - está a executar um slalom entre transeuntes a uma velocidade que eu já não atinjo desde 1999. Não se pense que é só doideira - apesar de ser inegável que há ali matéria para diagnóstico de internamento -, o homem tem uma missão. No outro dia vi-o gesticular uma reprovação a um gordo que por ele passava. Juro. Aquele homem não corre apenas porque não tem mais nada que fazer; aquele homem corre porque isso parece emprestar sentido à vida dele. Não deixa de ser triste e cómico ao mesmo tempo. E profético, talvez: um desempregado que faz do jogging religião? Bem-vindos a Portugal, v.José Sócrates.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Índia

Entretanto, desconfiem de qualquer coisa que oiçam ou leiam sobre a Índia que não seja corroborada pelo Constantino Xavier, que ainda está em fase de re-adaptação a Portugal mas que já nos começou a explicar o que se anda a passar lá naquela parte do mundo.

E agora um post que não cita Rogério Casanova (ora foda-se, já está)

Nem o Benfica - Setúbal.

Estas merdas irritam-me

«Rogério Casanova escreve sobre esta antologia na edição de Janeiro da LER.»

Da LER (2)

Aquelas pessoas que têm a infelicidade de não dispor dos 5€ mensais para a LER talvez não saibam que estão a perder - entre outras coisas, e cito outra vez uma pessoa - a melhor coluna do Pedro Mexia, intitulada Biblioteca Fútil, que versa sobre a literatura que, eufemizemos, cai fora do cânone. Que me lembre, já fomos agraciados com apreciações à colectânea de poemas de Billy Corgan, ao romance «não-autobiográfico apesar de ser sobre uma jovem estrela de hollywood que conhece a fama em criança e cuja adolescência vem estragar tudo» de Macaulay Culkin, a outro romance «não autobiográfico apesar de bla bla» de Pamela Anderson, ao livro com que Octávio Machado pretendeu demolir o edifício do futebol mas que surpreendentemente o deixou intacto ou, o mais recente, a autobiografia - esta sim!, finalmente - de David Hasselhoff. Os textos têm um objectivo claro: dar ao Pedro Mexia o pretexto de os ler (quem não gostaria de ler a autobiografia de Hasselhoff, quem gostaria de ser apanhado a ler a autobiografia de Hasselhoff?). A ralé agradece e vai acompanhando. Mas se escrevo hoje sobre esta coluna é porque lhe senti uma especificidade: enquanto que a regra geral tem vindo a ser o - incontornável - sarcasmo lúdico, David Hasselhoff arranca de Mexia uma - incontornável - homenagem, e isto não deixa de ser comovente. «Portanto estejam caladinhos», diz Mexia a propósito dos milhões de espectadores que Hasselhoff coleccionou ao longo dos anos. Portanto estejam caladinhos, Baywatch, fim de conversa. Portanto estejam caladinhos, porque sem David Hasselhoff eu teria sido obliterado de boa parte da adolescência e de toda - toda - a minha infância:

Da LER (1)

Rogério Casanova escreve sobre os blogues:

«As preferências literárias, quando publicitadas, raramente são aleatórias: cumprem uma função identitária. (...) Qualquer lista do género é uma complexa proeza de construção, executada por comité, sempre com os «arqueólogos» em mente. Os livros mencionados [ilegível] devem forjar uma autenticidade inatacável e não podem ofender ninguém.»

A República das Letras, in LER Dezembro de 2008

Ok, ok: Rogério Casanova não se debruça sobre os blogues, estragaram-me a piada toda, mas sim sobre Obama e os livros, fazendo a ponte para o tema mais abrangente de Os Presidentes e os Livros, arrancando, apenas a título de exemplo, coisas como esta: «Até o discreto e historicamente insípido Calvin Coolidge conseguiu traduzir o Inferno de Dante para uma edição americana barata. Já a opinião mais ou menos consensual sobre os méritos culturais de George W. Bush é a de que terá ajudado a traduzir a América para uma versão barata do Inferno de Dante.» Já ouvi pessoas de bem dizerem que não estão a acompanhar a carreira de RC na LER porque, e cito, «estou à espera que saia em livro», o que se percebe ser um silencioso protesto contra os 5€ da revista. Percebo o ponto de vista, mas não acompanho, até porque, ou isto sou só eu com muita falta de jeito para gastar dinheiro, os 5€ da LER costumam ser os 5€ mais bem gastos do mês, como também ilustra o post seguinte.

domingo, 30 de novembro de 2008

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Forehead



As teorias sobre a correlação entre a dimensão da testa de uma pessoa e o respectivo QI carecem de suporte científico mas encontram regaço num surpreendentemente assinalável conjunto de provas materiais.

(Na imagem, Martin Amis)

Para uma futura autobiografia

Ainda é cedo para nos precipitarmos em considerações conclusivas, mas gostava de anotar aqui que comecei a gostar de Herzog à página 99 (tenho aquela edição na Penguin Modern Classics).

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Reptilia

Acabo de chegar de um local munido do «canal 29» da Zon Tv Cabo que acabou de transmitir aquele evento em Atenas e, meus amigos, as coincidências são para os tansos. Abram os olhos e os espíritos para os illuminnati, os reptilians, o planeta niribu, a brotherhood, a new world order, o speech that killed JFK e percebam o que realmente se passou no Georgios Karaiskakis. Cortesia de nosso senhor Jesus Cristo David Icke, ex-guarda-redes do Coventry.

Gato

A soleira da porta do prédio onde trabalho adoptou um gato (dois, até). Ele vive ali, exposto a sul. Agora que o sol está alto (tanto quanto este outono tardio o permite) lá está ele: perna aberta a coçá-los. Presumo que esse será o seu plano para o resto da tarde. Há que invejá-lo.

Sai toda a gente a ganhar

O vagabundo (outro preconceito) que me partiu o vidro do carro na madrugada de segunda-feira terá ficado desiludido com o facto de só lá ter encontrado embalagens de iogurte vazias e talões de portagens. A minha companhia de seguros terá ficado desiludida com o facto de o vagabundo ter partido o meu vidro. A empresa que substitui vidros nos carros é que não ficou nada desiludida. O que seria o suficiente para lançar já aqui uma teoria da conspiração. Eu só fiquei desiludido pelo facto de este vagabundo não ser tão arrumadinho como o outro vagabundo que me entrou no carro a meio da noite: esse, ao menos, limpou-me (no melhor dos sentidos) a viatura todinha.

Preconceitos

Os preconceitos são úteis porque dispensam a estatística. Não tinha os dados, nem os tenho agora. Há uns tempos escrevi sobre a violência entre namorados adolescentes motivado pelo meu preconceitozinho em relação a essa coisa que é a «juventude». Agora, reparo que anda para aí uma campanha contra «a violência no namoro». Apesar da palavra um bocado século XX («namoro»), acho muitíssimo bem que as autoridades prestem atenção aos meus preconceitos. 

Striptease (2)

É uma das expressões com mais graça da língua portuguesa: «despir-se de preconceitos». «Ele despiu-se de preconceitos e (...)». Há quem promova muito este tipo de atitude. Eu assumo a posição contrária: acho que devemos despirmo-nos de preconceitos na exacta medida em que nos despimos da roupa, escolhendo muito bem as ocasiões e as companhias. A roupa é necessária, como sabemos, essencialmente por motivos higienico-estéticos, e tem side-effects muito úteis (aquela coisa do clima). Os preconceitos, por sua vez, são necessários para não sermos obrigados a um reset cognitivo cada vez que somos interpelados por alguma coisa. Um conjunto equilibrado de preconceitos é uma ferramenta muito útil. Sem preconceitos, ficamos mais ou menos selvagens. Despirmo-nos de preconceitos é uma coisa ainda mais rousseauiana do que despirmo-nos das roupas.

Striptease (1)

A blogosfera para mim também foi isto: o striptease conotativo da palavra «suburbano».

Os bons costumes

Uma avaria técnica que não é da responsabilidade do Metropolitano de Lisboa - de quem será?, de quem será? - está a impedir a circulação na linha amarela, e como eu não confio nada naquele «retomaremos assim que possível» decidi subir a pé do Marquês ao Campo Pequeno (um trajecto todo branco de inclinações até 5%). Resultado: duas distensões musculares, uma rotura dos ligamentos no tornozelo direito, desidratação, cãibras várias, e, graças ao clima ameno de Lisboa, princípios de hipotermia. Isto tudo até ao Saldanha (para quem estiver interessado, disponibilizarei através do email a lista completa, formato .pdf). O que me leva directamente ao segundo assunto do presente post: a proposta de regulamento do meu condomínio. Eu sou a favor de regulamentos e mais regulamentos, acho importante sermos regulados, mas há coisas que alto lá e pára o baile: não é que um dos artigos estipula a proibição dos condóminos de «destinar à fracção quaisquer usos ofensivos dos bons costumes», e outro diz que somos obrigados a «manter a respectiva fracção e seu equipamento em bom estado de conservação, arranjo e asseio»? Que esperem que eu limpe o pó às pratas duas vezes ao mês, tudo bem, mas que me queiram impedir de violar «os bons costumes» já me parece demasiado atentatório a uma data de direitos que me devem assistir com certeza. Por falar em violação dos bons costumes, não vi o jogo do Sporting de ontem, mas já consultei online os videos dos golos e quero dizer que estou extremamente perturbado: estou extremamente perturbado que (1) o Messi não ganhe o título de melhor jogador do planeta para aquela coisa - toda ela violadora dos bons costumes - que é o Cristiano Ronaldo; estou extremamente perturbado (2) que tenha sido o Miguel Veloso a marcar aquele golo e o Caneira a marcar aqueloutro - o Miguel Veloso é todo ele também um tratado à violação dos bons costumes, enquanto que o Caneira me parece um homem honrado e digno e sério; e estou extremamente  perturbado (3) com o Polga em geral. Dito isto, que não é pouco, partilho com a assistência o encanto que subiu por mim acima ontem ao ouvir uma vizinha espanhola, já uma cidadã sénior e residente nas Canárias, confessar que há muitos anos prometera a ela mesma comprar uma casa em Lisboa - uma epifania que parece ter-lhe acontecido sentada no Rossio - e que «agora já está!», com exclamação e tudo. É tudo, até a uma próxima oportunidade, com amizade.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Maridos, amai as vossas mulheres

Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para a santificar, purificando-a, no banho da água, pela palavra. Ele quis apresentá-la esplêndida, como Igreja sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante, mas santa e imaculada. Assim devem também os maridos amar as suas mulheres, como o seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. De facto, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo; pelo contrário, alimenta-o e cuida dele, como Cristo faz à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo.

Da Carta aos Efésios

Lisboa em mapas

O tal mapa dos declives de Lisboa faz parte de uma colecção que pode ser consultada aqui. Como pode ser facilmente observado, ele não foi elaborado para suportar ou desmentir qualquer hipótese de elaboração de um plano cicloviário de Lisboa, como tão bem tem vindo a demonstrar o maradona. Porque se isso fosse verdade, e mesmo tendo em consideração os impulsos escandinavos de parte das pessoas que nos planeiam, nunca, mas é que nunca, se teria decidido englobar na mesma categoria de resultados as inclinações compreendidas entre 0% e 5%. Porque entre os 0% e os 5% estão, por exemplo, os 1%, os 2%, os 3% ou os 4% de inclinação. Como bem sabe qualquer pessoa que se desloque com recurso à sua própria força motriz, isto faz diferença. A Avenida da Liberdade, por exemplo, está toda branquinha, branquinha que nem as contas do BPN, o que parece indicar que é indiferente subir ou descer a avenida, o que é manifestamente inverdade, como bem sabe toda a gente que vive na Baixa e trabalha no Campo Pequeno e que devido ao respectivo IMC - apesar de tudo inferior a 27 - se atreve a ocasionalmente executar esse percurso a pé. Tomei a liberdade de incluir outro mapa da respectiva colecção:

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Wood

«(...) It has been decided of late that the face of literary criticism shall belong to James Wood. A writer first at the Guardian (from 1992 to 1996), then at The New Republic and now, since last year, at The New Yorker, Wood has long been considered, in a formulation that soon assumed a ritual cast, "the best critic of his generation." Coming from elders like Sontag, Bloom and Saul Bellow, and nearly always incorporating that meaningless word "generation," these consecrations have bespoken a kind of Oedipal conflict, betraying the double urge first to possess one's offspring by defining them, then to destroy them altogether. For Wood has come to be seen as something more than the best of his generation: not just the best, full stop, regardless of generation, but the one, the only, even the last. Beside him, none; after him, none other. The line ends here. (...)»

Isto promete (apesar do título, «How Wood Works», que julgo já ter sido utilizado por aí.)

Alinhar os planetas

No Natal, para simplificar, ofereço sempre livros. Sei que às vezes não é o que as pessoas preferem, mas é o único campo - e a música - onde me sinto confiante a escolher. Tento sempre atingir um equilíbrio entre dois campos de força distintos: livros que já li ou que gostaria de ler versus livros que possam interessar ao destinatário da oferta. Nem sempre é fácil, mas este ano adicionei um novo critério: só vou oferecer livros que tenham sido alvo de recensão por parte de Rogério Casanova, e anexarei uma fotocópia da dita.

É este tipo de exigência que se procura

- Mas tu estás casado há pouco tempo, não é?
- Dois anos.
- Exacto, dois anos.

Nota

Jacinto Lucas Pires.

(Os Quais são a ponte que faltava fazer entre o underground - not so underground - português e o Brasil. Estamos fartos do Brasil americano, queremos de volta o Brasil português.)

Desde quando?

Hoje, o 60 minutos - a excelência de conteúdos que é a Sic-Notícias - passou uma entrevista conjunta de Barack e Michelle Obama, filmada já depois das eleições. O tema era a vida deles, se já tinha sofrido alterações, e que alterações se poderiam prever. Barack avançou com o facto de estar a dormir na cama dele, Michelle salientou a vergonha que as filhas sentiram na escola ao serem aplaudidas. No meio desta small talk toda - que também é importante - um momento emergiu como revelador. Às tantas, o jornalista lembra a Barack que da última vez que tinham falado, há uns anos, o senador lhe confessara que quando regressava a Chicago vindo de Washington a mulher o obrigava a desempenhar um conjunto de tarefas domésticas, como fazer a cama e lavar a loiça. A pergunta impôs-se: fará o presidente Obama alguma destas coisas na Casa Branca? O plano estava abrangente e incluía o casal. Barack hesitou, sorriu, e preparava-se para dizer que sim, que lavaria alguns pratos, quando Michelle soltou um «no way». Barack, genuinamente surpreendido, olhou para a mulher e disse que às vezes lavar pratos o acalmava, já sugerindo o sorriso que desmascarava um homem ainda demasiado habituado à campanha. Michelle olhou para ele com um ar sarcasticamente surpreendida e disse: «desde quando é que lavar pratos te acalma?» Barack suspirou assumindo a derrota e a entrevista continuou. Para quem esteve mais atento, não sobraram dúvidas sobre «quem manda lá em casa». Barack não pareceu embaraçado com isso. Foi bonito, foi muito bonito.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Byblos

Os textos de raiva costumam ser subvalorizados. Mas este do Pedro Vieira é obrigatório para se perceber o que se andou a passar na «Bymblos».

Onde se faz a pré-encomenda?

Eu gostava de partilhar com o mundo o estado de puro extâse em que a minha vida se colocou hoje. O suplemento cultural do melhor semanário português (o Público de sexta-feira, não me cansarei de pregar esta coisa) informou-me que vão ser publicados os diários de Susan Sontag. E porque é que isto me deixou em estado de desfribilhação anunciada? Porque, segundo o The Independent (e cito o Ípsilon), «Susan Sontag fala das suas "tendências lésbicas" quando tinha 15 anos e descreve o primeiro encontro sexual que teve com uma mulher aos 16», entre outras coisas, certamente, certamente. Imagem só o que é isto narrado na primeira pessoa por alguém como Sontag, que tem o condão de trazer luz sobre a escuridão em qualquer tema, que nos convence constantemente de que estamos errados ao pensar de maneira diferente dela, que nos faz votar no PS (ainda não sei como isto foi acontecer, mas tenho a certeza que foi culpa dela, duas ou três sessões num psicanalista e chegamos lá). Se eu não estivesse tão seguro da minha heterossexualidade, juro que, só de pensar, já estava com medo de me tornar numa lésbica.

Bicicletas

Lua, por um indivíduo com umas pernas espectaculares.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Não espanta

mas descobri que o Nick Hornby tem alma de blogger.

A acompanhar

Os senhores da má língua.

Uma no cravo, outra na ferradura

Duas notas. A primeira para me deixar um pouco mais pacificado com o mundo: parece que a Byblos vai fechar. Acima de tudo, é o triunfo do bom gosto e é bonito de se ver. A segunda para me lixar a vida toda: parece que o Clint Eastwood é vegan. Isto pede um ano sabático.

Olá, eu sou o Tiago, vou jogar a médio-centro, olá Tiago, tudo bem, sou o Maniche, irmão do Jorge Ribeiro, já tinha ouvido falar de ti

Eu ainda vi a primeira parte, e o desastre que logo aí se anunciou sugeriu-me que fosse para a cama. Fui. 6-2, tudo bem, tudo certo. Mas não batam tanto no Carlos: a defesa portuguesa meteu dó, dó mesmo, e o ataque do Brasil também. Já vi este golo 24 vezes e não consigo ver aqui culpa do Quim, apesar do bom senso obrigar a existência da dita:



P.S.: Só para lembrar que o ordenado do Paulo Ferreira é 2,5 vezes superior ao do Lucho, por exemplo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Dores no peito, taquicardia, dificuldade de respiração

Carta aberta aos administradores da Triumph Portugal, por Pedro Mexia.

Sousa

O começo de uma grande carreira.

Agorafobia (o Paul Auster é cocó)

Tudo terá começado com Jorge Máximo - o Benfica tem dois sócios populares muito conhecidos, um tem barbas e um restaurante, o «Barbas» e «O Barbas», respectivamente, o outro tem bigode, o Jorge Máximo, que é muito parecido com o Paulo Branco, o que é muito estranho pois já que estávamos num festival de cinema faria mais sentido ter sido o Paulo Branco a fazer a apresentação - que, ao fazer a introdução ao autor, disse que Paul Auster iria ler passagens do seu «last book». Auster aproveitou e gritou - enfim - que o livro saía em Portugal esta semana. Mas recuemos um pouco. Estávamos lá porque o cartaz (Estoril Film Festival) anunciava uma sessão de leitura «seguida de uma conversa com o público», e se há uma coisa que já aprendemos (agora é plural majestático) é que as conversas com «o público» costumam ser divertidas. Recuperemos a narrativa. Auster sentou-se, good night, thank you for coming, it's late (e aqui deveríamos ter percebido), abriu o livro e começou. Quem já ouviu a voz de Auster conhece-lhe o poder encantatório (tirando aquela pequeníssima falha na dicção) e a sessão tinha tudo para correr bem. Luz baixa, Paul Auster a ler Paul Auster, aquela linguagem simples e cristalina. Aliás, demasiado simples? Eu não sou bilingue - longe disso - mas já reparei que nos livros de Auster o vocabulário é reduzido, tão reduzido que julgo que é raro o vocábulo que foge ao meu entendimento, e eu sou pessoa para descobrir palavras novas em qualquer parágrafo da Agustina que, apesar tudo, escreve na minha língua materna. Adiante. Paul Auster a ler Paul Auster, impecável, numa interpretação sem mácula. Auster lia Man in the Dark, mas poderia estar a ler qualquer outro dos seus romances. O ambiente sossegou e aquele conto de fadas foi-se instalando. Sim, os livros de Auster são uma espécie de contos de fadas sem fadas para adultos mas com cães mais ou menos existencialistas (Timbuktu) ou putos que voam (Mr Vertigo), numa cruzada «contra o cinismo», nas palavras do próprio autor. É fácil gostar-se, é fácil não se gostar, e a importância do nosso estado de espírito momentâneo para essa avaliação não é de menosprezar. Tocou um telemóvel e Auster levantou os olhos sem parar de ler. O primeiro aviso. Dez minutos depois, tocou o segundo, este já mais imperdoável, e os olhos do leitor voltaram a falar connosco. Jorge Máximo já deveria estar por esta altura de sobreaviso. A verdade é que os incidentes pararam por aqui, se exceptuarmos o indivíduo da primeira fila que se sentava com os pés estendidos em cima do palanque, junto à mesa onde se sentava o americano. Eu compreendo Auster: se fosse comigo, não gostava. Mas a tranquilidade nunca pareceu ser posta em causa, e quando Auster acabou com um thank you e um aceno de até à proxima e se levantou e saiu, nós (agora já não é plural majestático) ficámos naquela. Quem não ficou naquela foi Jorge Máximo, que desceu a escadaria a correr, aflito, direito a Auster, que por esta altura já estava junto à porta de saída, ajeitando a mochila (a mochila?). Da troca de palavras que permaneceu privada resultou outro aceno de Auster igual àquele que tínhamos visto: eram dez e meia da noite e ele ficaria mesmo por ali. O cartaz da «conversa com o público» que se lixasse, o próprio público que se lixasse, o Jorge Máximo que se lixasse. Mas ainda ali ficou mais uns momentos autografando exemplares, o que me desconcertou. Afinal, foi birra ou não foi birra?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Um edifício genérico

Entretanto, o Eduardo Pitta passou pela Biblioteca de Viana do Castelo, edifício desenhado por Siza Vieira, e não gostou do que viu. Às tantas, diz Pitta:

«(...) Em nome da pureza das paredes cegas — parece que é assim que se diz —, nenhum dístico identifica a biblioteca. Siza Vieira também desenha mesas, candeeiros, papeleiras, etc., mas, neste caso, não achou curial identificar o edifício. Era assim em Setembro, quando a biblioteca levava nove meses de uso. E como é que o meteco sabe que aquilo é uma biblioteca? Ou, mais prosaicamente, como encontra a entrada principal? (...)»

Alian de Botton fala disto no seu The Architecture of Happiness, e eu acho que muito bem: um dos estigmas que a arquitectura moderna inflingiu sobre os edifícios foi o facto de tudo se parecer com tudo e consequentemente com nada. Mais uma vez, e é sempre bom citá-lo ocasionalmente, quem resolveu este problema foi Manuel Vicente, postulando que um edifício que queira servir para uma coisa servirá para muitas outras - antigos mosteiros transformados em hotéis, antigos conventos transformados em museus, antigas igrejas transformadas em bibliotecas - e um edifício que queira servir para muitas coisas não servirá para nada. Também é por essas e por outras que os edifícios modernos costumam ver a dinamite mais rapidamente que os outros. Em Viana do Castelo, Siza falhou redondamente traindo tudo aquilo a que sempre se propôs ao desenhar um edifício genérico, que não inspira nem diz nada. Houve uma ideia e parou aí. Tragam a dinamite.

O Natal 2

É claro que isto também acontece porque as pessoas que não se lembravam que gostavam tanto do Natal são forçadas a lembrar-se disso por pessoas que fazem depender a sua facturação anual do facto das outras pessoas gostarem tanto do Natal.

O Natal

Está quase a chegar aquela altura do ano em que as pessoas que não gostam do Natal fazem questão em lembrar-nos de que não gostam do Natal.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Vão lá ver

O novo site do Charlie Rose está uma lindeza.

sábado, 15 de novembro de 2008

Tó Madeira



Fui à FNAC à procura da tradução portuguesa de On Chesil Beach, para oferecer. Descobri que não há nenhuma estante dedicada à literatura traduzida, organizada alfabeticamente, o que me levou quase à loucura. Fartei-me e subi à Bertrand. Não demorei nem trinta segundos a encontrar o que procurava. Pelo caminho, folheei um volume com várias obras recentes de Souto de Moura - confirmando que o bom Eduardo já perdeu o talento para a pequena escala e que já só consegue ser sublime no tamanho XL - e trouxe para casa em jeito de oferta para mim mesmo Amor e Ódio, do grande Filipe Nunes Vicente, cuja brevíssima apresentação biográfica patente na badana me revelou ser o Filipe um fã do Football Manager. Alguém que decide incluir essa informação numa biografia de quatro frases só pode ser boa pessoa.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Obama's Oval Office




«1. Pull-out Iraq map. 2. Kenyan hardwood abacus to regulate the economy. 3. Carbon-zero stove fed on old Bush climate change policies. 4. Cold war buffet. 5. Bulletproof steel desk. 6. Basketball apparatus. 7. Psychiatrist's couch for healthcare dreams analysis. 8. Car seats donated by greatful automobile industry. 9. CND rug to promote nuclear disarmament. 10. Afghan prayer mat for visiting prime ministers»

How Obama's Oval Office may look

Quantum of Solace

Vi ontem o novo Daniel Craig, que não me sugere grandes comentários para além da nota que se impõe: Olga Kurylenko faz hoje 29 anos.

Meritocracia

Sobre esta história toda da avaliação dos professores será imprudente da minha parte fazer qualquer tipo de juízo dado o meu desconhecimento dos contornos da coisa. Portanto, cá vai. Sou explicitamente a favor da avaliação dos professores. É-me razoavelmente indiferente se este modelo é bom ou não, apesar de estar totalmente de acordo com a dra. Manuela Ferreira Leite, que diz que não é. A questão central é a existência - pura e dura - da avaliação. Os professores, como toda a gente, desde os administradores do BPN até aos almeidas da câmara, têm de ser escrupulosamente avaliados, têm de ser remunerados e promovidos segundo essa avaliação, têm de ser contratados e despedidos segundo essa avaliação, têm de ser vaiados ou aplaudidos segundo essa avaliação. Qualquer avaliação que funcione deixará uma parte dos visados descontente, senão mesmo todos. Estas manifestações todas que têm simpaticamente entupido o meu bairro (embora o senhor vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, o arquitecto Manuel Salgado, tenha dito naquela coisa por Lisboa no S. Luiz que «a Baixa não é um bairro») são a prova de que alguma coisa estará a funcionar. Estas merdas doem. Têm de doer num sistema demasiado encostado ao lirismo de uma certa ideia de liberdades e garantias, ou lá o que é. Há muita coisa que fazia sentido em 1976 e que já não faz nos dias de hoje. Em crianças usamos fraldas, dão jeito, mas a partir de uma certa idade o seu uso começa a ser desaconselhado. Isso deveria ter acontecido aí em 1981, mais coisa menos coisa. Que a situação se tenha arrastado até agora só prova que a nossa democracia se aparenta a um adolescente - bêbado, mal vestido, demasiado convencido das suas certezas - de fraldas. É uma coisa sem pés nem cabeça. Sou a favor da avaliação desta coisa toda, até porque considero que o que esta merda devia ser era uma meritocracia.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O calibre dos tomates

«E os cidadãos festejam por não lhes alterarem o calibre dos tomates.»

Francisco José Viegas, na sua saudável missão de nos tornar cada vez mais eurocépticos

Colored stripes

E é claro que isto, a confirmar-se, como bem diz a Tatiana, será uma das melhores notícias dos últimos tempos.

Life imitates art

Roberto Saviano, em entrevista recente a propósito de Gomorra, revelou que o meio mafioso de Nápoles tem n'O Padrinho uma fonte de inspiração estética incontornável. O que, à primeira vista, é surpreendente. Julgávamos, julgamos sempre, que O Padrinho é um retrato - mais ou menos fiel, não interessa - que interpreta e revela uma realidade que só alguns conhecem. Essa ainda continua a ser, nos dias que correm, uma qualidade que procuramos na nossa ficção: a verosimilhança. Ou, se quisermos, a capacidade de nos fazerem crer que «aquilo é mesmo assim». E assim andamos, de retrato em retrato, ingénuos sobre os efeitos que essa ficção tem na nossa vida e das alterações de comportamento que provocam. O exemplo da máfia napolitana é especialmente curioso e até paradoxal: o facto de os mafiosos serem permeáveis às influências de hollywood prova que devem andar algo distantes da composição das personagens de Puzo e Coppola. Isto não deixa de ser o maior elogio que se pode fazer ao artista, o de criar um imaginário tão forte que altera a ideia que as suas fontes têm delas próprias. É bonito de se ver, mas como todas as medalhas tem o seu reverso: é mais ou menos inegável que estamos a assistir à telenoveladatvização da sociedade portuguesa.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Holy shit

Kobe Bryant Scores 25 In Holy Shit We Elected A Black President, um texto com mais complexidade narrativa do que 95% dos romances portugueses.

Comovido

Estou muito feliz por ter chegado o dia em que finalmente foi solicitada a minha opinião sobre o pochlost actual.

McCain

«A pity: there are few better men in American politics.»

The unhappy warrior, The Economist November 8th-14th 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Por outro lado

Recent reports have surfaced allegedly linking Rushdie to Indian actress Riya Sen though it has not been fully confirmed.

MC



Pedro Santana Lopes, um vasto currículo; Manuel Maria Carrilho, Bárbara Guimarães; António Pinto Ribeiro, Anabela Mota Ribeiro. Quem diria, «Ministro da Cultura».

Pôr a Opus Dei a ler Marx

Das Kapital, de Reinhard Marx.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O Nobel, ai o Nobel

A questão da «maldição do Nobel» é um assunto curioso (que José Mário Silva tratou numa das últimas edições da LER) e são muitos os exemplos dos escritores a quem o Nobel estrangulou a veia criativa. Um caso clássico de performance anxiety: a aclamação pública torna demasiado presentes as expectativas do meio e atropela o artista com um camião de inseguranças e passados que o enclausura indeterminadamente no recobro de onde nunca chega a sair. Deve ser lixado. Ora, na arquitectura, e este é um pensamento que flana pelo meu hipocampo há uns dias, o fenómeno parece ser o inverso, conclusão que posso ilustrar recorrendo ao Saramago da arquitectura portuguesa: o Pritzker em 1992 deu a Siza uma pujança criativa incontestável. A explicação será talvez simples: o arquitecto é um artista que luta contra uma série de obstáculos (orçamentos, engenheiros, a gravidade) que parecem tornar-se mais suaves após a inclusão da palavra Pritzker no currículo. É uma luta, nós contra eles, e quantas mais armas possuirmos melhor. Já no caso dos escritores, a luta é nós contra nós - o anjinho e o diabinho - e parece que o Nobel vai sempre parar às mãos do diabinho. Talvez do que os escritores precisem é de editores mais chatos. Um inimigo exterior.

A Viagem do Elefante

O Pedro Mexia estampa-lhe 4 estrelas (Ípsilon de hoje), e o seu texto parece confirmar a suspeita que se tinha abatido sobre a minha pessoa (com base nesta pré-publicação): depois de umas quantas páginas de O Ano da Morte de Ricardo Reis - abandonado sem explicação convincente - parece que é desta que Saramago me vai seduzir. Este é o seu melhor romance desde o Nobel, dizem, e isso talvez se explique por aquilo que Saramago diz em entrevista a Carlos Vaz Marques: que este não é um romance, é livro, ou um conto, um conto longo, se formos obrigados a dar-lhe uma designação menos vaga. Ao que parece, Saramago ter-se-à desinteressado da alegoria - aquilo que sempre me afastou dele - e parece ser essa sacudidela do capote que permitiu este seu novo - dizem, refrescante - texto que, como diz Mexia, «não se parece com nenhum outro romance de Saramago.» Ainda por cima a capa é bonita.

Ou

Ou tens idade para querer ser estrela rock, ou tens idade para que as dores de costas gritem por cuidados paliativos. Das duas uma.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Para quem estiver na área



pode lá dar um saltinho que é só depois do jogo.

E por falar em John Williams



(Absolutamente, absolutamente extraordinário. E tomem atenção à letra. «Come and help me, Obi-wan.»)

(Adenda: Não gosto de ser enganado nestas merdas, e muito menos enganar terceiros: o tipo só faz a mímica. A cantoria é destes indivíduos.)

D. Bina

«Sartre para misóginos

O inferno são os úteros.»

Muito obrigado ao Melancómico por ter voltado.

Michael Crichton (1942 - 2008)



Michael Crichton, para além de ser um nome que eu não consigo escrever sem o auxílio do Google, ficará para mim como o autor da ideia que gerou um dos filmes da minha vida: Jurassic Park, um daqueles do Spielberg «para atrasados mentais», como diria João Botelho. Tananaaa-tananaaa-tanana nana nanaaaa - na na na naaaa nananaa...*

(* Dentro da minha cabeça confundem-se sempre os temas de Jurassic Park e de Indiana Jones, peço desculpa.)

McCain

O Bruno faz uma boa análise de McCain e os nossos pontos de vista só se descolam no terceiro parágrafo porque eu não consigo chegar àquelas conclusões sem ser atropelado por uma série de dúvidas existenciais: foi mesmo McCain que geriu a campanha? A gritante falta de identificação do candidato com o método levanta essa dúvida, e os mais bem intencionados dirão que «a culpa não foi dele». Não sabemos. No entanto, quer as minhas dúvidas, quer as conclusões do Bruno, mostram a mesma coisa: McCain não soube gerir a campanha e merece ser penalizado por isso. Se as culpas lhe são, de facto, imputáveis, estamos conversados; se, por outro lado, as culpas devem ser dirigidas a outros endereços postais, então McCain é culpado de outro pecado, a falta de espírito de liderança. Essa talvez tenha sido a diferença entre as duas cantidaturas: Obama contagiou o partido democrata com a sua marca de água; McCain deixou-se a afogar no pântano do partido republicano. É certo que os nossos inimigos estão sempre mais perto de nós do que os adversários, mas exigia-se muito mais a McCain, até porque um dos temas mais fortes da sua mensagem era a limpeza de Washington. Ora, se nem o partido republicano McCain conseguiu limpar...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Revisão

Entretanto estive a rever o meu último post e postei lá no Estado Civil uma versão melhorzinha.

Agora que o Jameson já desceu

O Pedro Mexia foi particularmente eficaz ontem no Governo Sombra a colocar alguns pontos de interrogação na euforia do João Miguel Tavares. O argumento era de peso: o século XX ensinou-nos a moderar as reacções emocionais à política (o século XX e toda a carreira política de Santana, acrescento). Não sou imune nem totalmente descrente em relação ao poder do carisma político, mas se fizermos o esforço (porque é preciso algum) de olhar para Obama para além da emoção é evidente que sobram mais dúvidas do que convicções. O Vasco Barreto já tentou resolver a questão dizendo que «precisamos da dúvida para continuar a viver», que é uma frase muito interessante na sua dimensão catequética, mas que pertence mais às estantes que não dizem «Política» no cabeçalho. Nós, os não deslumbrados, servimos para isto: para alertar para o facto de que do outro lado estava uma carreira política sólida e que não traria muitas surpresas (infelizmente atolada no lodo em que se tornou o partido republicano), e que a juventude de Obama - não tanto a sua «inexperiência» - é um factor com o qual ele terá de lidar. Eu estou um bocado como estava o Eduardo Prado Coelho em relação à fé: quero acreditar, mas julgo que não me foi concedida a graça.

Aparte disto tudo, está a celebração - incontestada - da eleição do primeiro afro-americano para a presidência, só por si uma prova de que ainda podemos confiar nos EUA para nos continuar a ensinar esta coisa que é a democracia.

Juro juro

A primeira coisa que ouvi na rádio depois de acordar - e atenção que eu acordei às 8 da manhã - foi, juro, «José Sócrates foi dos primeiros líderes mundiais a congratular Obama.»

Até amanhã

Acabou-se o Jameson. Ainda estou acordado. Vou imediatamente tratar disso.

Ai está, confirma-se

Aí está, confirma-se: Obama nos oitavos de final.

Ralph

Acho muito estranho este entusiasmo de pessoas como Miguel Portas ou Rui Tavares com Obama: então e Ralph Nader?

5%

Oliveira e Costa: «pode-se dizer, com nenhuma dúvida, que Obama é o 44º presidente.» Aqueles 5% fazem toda a diferença.

Oliveira e Costa

Quero daqui deixar a minha nota de desagravo pelo comportamento dos portugueses: tivéssemos nós tido o mesmo empenho com Kerry e teríamos neste momento uma primeira dama portuguesa.

Projecções

Estou bastante desiludido com o facto de Oliveira e Costa não ter falhado nenhuma projecção esta noite.

Oliveira e Costa

O Nuno Rogeiro acabou de empregar a palavra «encrenca»,

Biden

O Nuno Rogeiro acabou de dizer uma grande verdade - isto é matéria para manchete, acreditem - Biden foi o rei da gafe desta campanha (sim, sim, mesmo considerando Palin, acrescento eu.)

Oliveira e Costa

Tenho imensa coisa para postar, acreditem. Imensas opiniões originais sobre isto tudo.

Oliveira e Costa

Vasco Rato na Sic-Notícias: é demasiado evidente que há ali lições de pronúncia e dicção urgentes e que Martim Cabral é o homem certo para a tarefa.

Paulo Bradley Portas

«Se por efeito Bradley se designa a situação em que o resultado efectivo não corresponde às sondagens, o CDS, em Portugal, também tem sido um exemplo deste fenómeno que agora é tão convocado...»

António Lobo Xavier, numa incursão dificilmente tolerada de «humor» lá no Abrupto

Sol(id)ário

A solidariedade de Luís Costa Ribas para como Obama é demasiado evidente no tom da sua tez.

Oliveira e Costa

O Oliveira e Costa deve ter ingerido mais Jameson do que eu: afinal de contas, o Sporting está naquilo dos oitavos de final pela primeira vez.

Oliveira e Costa

A minha mulher deu prioridade ao sono. Estou sozinho com o Jameson. Não liguem às vírgulas.

Oliveira e Costa

Depois de tudo, esta é uma noite relativamente imune a surpresas. A crise económica desequilibrou a balança o suficiente para retirar emoção a este photo-finish. E vai daqui uma previsão (que falhará como todas as que fiz sobre Obama): o discurso da noite será de McCain (vencido).

Crespo

Mário Crespo acabou de declarar que as coisas «triplicaram de preço em cerca de três vezes nos últimos cinco anos». Vicissitudes do directo. Mas que não haja nenhum engano: Crespo é o our guy in Washington. Mesmo ali ao lado, como termo de comparação, temos o inenarrável Costa Ribas.

Claro, se fosse eu a mandar

Então a minha «opinião»

A minha opinião, só para despachar o assunto. Antes da campanha começar, votaria McCain. McCain é das personagens mais interessantes da política americana dos últimos tempos, e um exemplo em tantos sentidos que não vale a pena aqui escalpelizar. Mas não se vota só no homem, vota-se no partido. E o input do GOP nesta campanha (naquilo que não se deveu a McCain) foi lamentável. Portanto, e porque não sou insensível a todo o charme de Obama, e porque acho que um presidente negro é um grande passo para a humanidade, não me importo que Obama ganhe. Estou, não sem vergonha, numa win-win situation. Mas sem esquecer a questão Oliveira e Costa.

95% de certeza

Já cá estou, mundo. E o Rui Oliveira e Costa também, ali na Sic-Notícias. Não escondo: o momento que mais espero hoje é uma reedição daquilo que se passou há 4 anos, quando Oliveira e Costa exclamou, lá para as 3 da manhã, que «com base nos resultados conhecidos, posso afirmar, com 95% de certeza, que John Kerry é o próximo presidente dos EUA.»

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Weiszmania



Roubado ao Alexandre Soares Silva. E já que aqui estamos, Superman, de Gus van Sant

Eu não sou de intrigas

Mas já vi que na capa da LER está Miguel Esteves Cardoso. Estou em pulgas: depois do João Padeiro (Visão) e do Porto de Santa Maria (Sábado), onde foi que levaram MEC a almoçar desta vez?

Obama

Estou cheio de medo que o Obama não ganhe.

domingo, 2 de novembro de 2008

4-4-2

Sem querer dei por mim a pensar nas razões que me levam a manter um blogue há mais de cinco anos. Sem querer, porque não gosto de pensar ao fim-de-semana sobre coisas que não se relacionem directamente com o Benfica (que amanhã joga no sempre difícil D. Afonso Henriques, não olvidar). Essas deambulações levaram-me a muitos sítios, quase todos não recomendáveis, embora entre eles estivesse a pergunta «o que é um blogue?» Ouvi no outro dia uma definição hiper tecnológica de «blogue» que me repugnou, como «plataforma» e não sei o quê, como se um poema se pudesse definir como «um conjunto de frases curtas, ocupando cada uma delas uma linha de texto, que podem rimar ou não, organizadas em sub-conjuntos de cadência mais ou menos regular». Concedo que um «blogue» pode ser «um suporte»; mas só na medida em que reconhecer as especificidades desse suporte se torna essencial para que se perceba o que é realmente um blogue e o que leva tanta gente a blogar.

Não me vou debruçar - até porque não gosto de me debruçar, regra geral - sobre a blogosfera como fenómeno sociológico, e essas merdas. Por isso é provável que muitas das asserções que vou aqui fazer não façam sentido quando testadas contra alguns tipos de blogues, porque os blogues que me interessam são muito limitados em número e género, formando um grupo formalmente mais ou menos homogéneo.

Antes de mais, um blogue é uma voz. E como qualquer voz, para além daquilo que expressa, do seu conteúdo material, tem um tom. Um tom que revela mais sobre o seu autor do que qualquer outra coisa. Esta é a principal diferença entre um blogue e - talvez o seu género mais próximo - a crónica (a opinião, se quisermos). Num blogue não há só opinião: há estados de espírito que não se tentam controlar. Mas que estados de espírito são esses? São reais? Manipulados? Genuínos? Fabricados? O autor de um blogue, quem é? Que distância medeia entre a pessoa e a pessoa que escreve o blogue?

É mais ou menos aceite que um blogue nunca revela a verdadeira pessoa que o escreve, que há um filtro, ou vários filtros (que se alternam), que ajudam à criação de uma personagem autoral. Este argumento parte de um princípio duvidoso: o de que existem pessoas para além das personagens. O de que existe algo em cada um de nós que se pode assumir como o verdadeiro eu, ou uma merda assim. Não sei onde as pessoas vão buscar uma ideia tão radical. Não é preciso ser-se Fernando Pessoa para se saber que nós não existimos como uma identidade indivisível. Os nossos comportamentos mudam conforme os contextos. As nossas opiniões moldam-se ao meio envolvente. A linguagem - e o próprio pensamento - é camaleónica. O mesmo assunto tem tratamentos diversos se estamos a conversar com a nossa sogra ou se estamos na caixa de comentários de um site obscuro. E qual deles é o mais real, o mais verdadeiro? E será que esta mania de acabar os parágrafos com uma pergunta é para manter até ao fim do post?

Não sabemos. O que sabemos - falo por si, leitor - é que as coisas nem sempre correm como esperamos. Quando estamos na presença de outras pessoas o espectáculo costuma ser sem rede, e às vezes tropeçamos e caímos, e não há volta a dar. O arrependimento é uma constante do dia-a-dia. Damos frequentemente de nós próprios uma imagem não editada, indesejada. Porquê? Será esta pergunta o fim do parágrafo? Não é. Damos frequentemente de nós próprios uma imagem indesejada porque estamos constantemente a construir essa imagem. A alterá-la, a ajustá-la, a corrigi-la. E como tudo o que nós fazemos, não é perfeito. É um processo consciente - parte dele - e quem não o faz não costuma ser tolerado socialmente, e nós queremos ser tolerados, se puder ser até amados. O blogue é apenas mais uma dessas imagens.

Apenas mais uma dessas imagens? E queres ver que agora as perguntas passaram para o início dos parágrafos? Não é apenas uma dessas imagens, é provavelmente a melhor, a que corresponde mais àquilo que queremos ser, mesmo se temos testículos e assinamos «Marlene» (ainda que nesse caso uma visita a um terapeuta não seja totalmente descabido). Não só àquilo que queremos ser, mas àquilo que somos de facto, sem a vulnerabilidade que são os outros. Os outros atrapalham-nos na nossa busca de glória pessoal. É um facto. O bullying é constante e omnipresente, o que varia é apenas - como diria Pôncio Monteiro - a intensidade. O que tem graça é que aquilo que queremos ser é indissociável do modo como os outros nos vêem. No fundo, queremos que os outros olhem para nós, mas para uma versão que nós achamos mais condizente connosco próprios. É como o choque que é vermo-nos na televisão ou em fotografias: aquilo que ali está não sou eu. Nunca é, porque é sempre o resultado de uma observação de fora para dentro, e como nós sabemos a beleza está toda em observar de dentro para fora. O blogue é assim a oportunidade de forjarmos quotidianamente a nossa verdadeira projecção identitária, e o aparente paradoxo aqui presente remete-nos para Batman. Batman é Batman ou Bruce Wayne? Bruce Wayne existe para além de Batman? Nós sabemos que não, mas se Bruce Wayne não tivesse inventado Batman, então nunca saberíamos que Bruce Wayne era Batman. Viveríamos na ignorância que seria acharmos que Bruce Wayne era apenas Bruce Wayne. Ainda bem que esta questão ficou clarificada.

Até porque Batman é um anti-herói, e um anti-herói é, segundo a Wikipedia, «alguém que protagoniza atitudes referentes às do herói clássico, mas que não possuem vocação heróica ou que realizam as façanhas por motivos egoístas, de vaidade ou de quaisquer géneros que não sejam altruístas.» A questão do não-altruísmo do anti-herói (que, relembro, somos nós, de onde se conclui que o altruísmo é um conceito inatingível por natureza, uma contradição nos termos, não puxem por este assunto porque isto já me valeu um discussão interminável noite dentro sobre a Madre Teresa de Calcutá, e acreditem que fiquei vacinado) remete-nos para Agustina. Porque no fundo vem tudo na Agustina.

Agustina diz que não escreve para ter amigos, mas para ter leitores, e que o seu objectivo é incomodar o maior número de pessoas. A questão do narcisismo explica-se pela necessidade que quem escreve tem em estar seguro de que isso vale a pena. Esta busca de uma identidade mais focada é arriscada e até um certo ponto indesejada. Quem nos garante que o manto de artimanhas que temos ao nosso dispor para viver uma vida relativamente tranquila e livre de conflitos - a honestidade, por exemplo, é uma qualidade absurdamente sobrevalorizada - pode ser assim dispensada tão facilmente? Escrever - aqui na versão «escrever um blogue» - é ir fazendo uma purga dessas habilidades sociais que fazem a intermediação entre nós o mundo, com o objectivo de fazer colidir sem almofadas essas duas entidades. Para o fazer temos de acreditar que vale a pena, que alguém - para além de nós - está à espera que o façamos. Acreditar nisso é sempre um pouco irreflectido, e revela o tal narcisismo. Que isto tudo se faça às custas da criação de uma personagem só aumenta o seu interesse.

Disse que o objectivo disto é fazer-nos colidir com o mundo. Este é um dos factores mais importantes: um blogue não pode ser umbiguista, ou apenas umbiguista, nem lírico, nem poético, nem obcecado com a nossa vida interior. Um blogue tem de ser sempre sobre a relação entre uma pessoa e a cultura, e o que se espera é que desse confronto, tal como no Acelerador de Partículas, nasça qualquer coisa que ainda não tinha sido observado. Um blogue não pode ser sobre nós, nem sequer sobre os nossos amigos. Tem de ser - sempre - sobre merdas que interessam às outras pessoas - e parte-se do princípio que as outras pessoas também não estão interessadas nelas próprias - para que se reúnam as condições para o diálogo. Porque, narcisismos à parte, estamos aqui para dialogar, para aprender. Se não estivéssemos aqui para dialogar, estaríamos a escrever para a gaveta, ou para o moleskine, ou para páginas e páginas de romances que nunca seriam publicados por manifesta falta de talento. Queremos que os outros reajam, que se manifestem, que nos insultem, que nos adorem. Mas que nos insultem e nos adorem com base nos argumentos que nós fornecemos. Isto faz toda a diferença.

Quem começa a escrever um blogue na ilusão de que tem algo a dizer ao mundo que o mundo não pode deixar de ouvir, começa mal. O mundo, e isto é uma das lições mais importantes a tirar disto tudo, está-se nas tintas para nós. O que reforça a ideia da necessidade de uma certa ficcionalização de nós próprios. Na ficção podemos criar um mundo que não se está nas tintas para nós. Um blogue tem de partir sempre desse princípio: o de que não é apenas o nosso nome que esconde uma caracterização de bastidor. Aquilo que é objecto dos textos de um blogue é também uma certa ficcionalização da realidade, nem que seja por uma questão de escala e de tempo. Os nossos preconceitos são muito úteis nessa redução de tudo o que se mexe a dois ou três aspectos. Porque com dois ou três aspectos ainda conseguimos fazer um malabarismo minimamente interessante para quem lê sem deixar cair as bolas, e o que nós mais desejamos é entreter a audiência. Preferes ser amado ou respeitado? Eu sei que sacrifico de bom grado o respeito.