domingo, 31 de maio de 2009

Notes on a meltdown

Infelizmente para vocês, o artigo The Death of Kings, de Nick Paumgarten, não está disponível on-line. Nunca tive tanta pena de vocês como agora: The Death of Kings é a melhor coisa que li sobre A Crise; A Crise já valeu a pena só por ter dado origem a este artigo.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Más companhias

Esta história do escândalo de prostituição na embaixada portuguesa no Senegal é um rude golpe na já frágil reputação da heterossexualidade no meio diplomático.

Causas

O que eu gostava de saber é de que forma é que esta lista de nomes se distingue de qualquer outra lista de nomes. É uma pergunta inocente, acreditem.

Não havia necessidade

Tenho muitas dúvidas sobre esta decisão da direcção da Playboy: depois de Mónica Sofia (um hino à geografia do antigo império) e Cláudia Jacques (um hino à condição pós-balzaquiana), não sei bem onde se quer chegar com Ana Malhoa. E temo que ao terceiro número já se tenha esgotado o leque de escolhas credíveis. Somos assim tão pequenos?

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Pepe

Pepe Guardiola, o segundo melhor médio-defensivo que já vi jogar (o melhor foi o Paulo Sousa), ganhou na sua primeira temporada como treinador principal tudo o que tinha para ganhar, ajudado, claro está, pelos seus competentíssimos adjuntos Iniesta e Xavi. E não há uma única foto decente do cabeceamento do Messi, que é uma coisa que me chateia.

(Entretanto, o Gonçalo acha que arranjou uma foto decente do cabeceamento do Messi, mas não arranjou: uma foto decente do cabeceamento do Messi será uma foto que imortalize o momento imediatamente antes do cabeceamento e não depois. Quanto àquela mítica equipa do Barcelona dos anos 90, eu também me lembro bem dela, sim senhor.)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Agora já só sobram os humanos



Como bem diz o Bruno, estamos a ficar velhos: Maldini é o último dos representantes da minha mitologia futebolística a sair de cena. Agora já só sobram os humanos. 

O cabelo de Matt Berninger

Fazemos aqui uma pausa na pausa por motivos de força maior:




(Vão lá watch in HD, por favor)


ADENDA: Enfim, aquele cabelo não é a mesma coisa, não é, temos de encarar isso com frontalidade, mas:



(Obrigado à soninha)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O homem do violino

Quique

Eu gosto de Quique. Caramba, toda a gente gosta de Quique. É esse o problema: ele é tão educado, tão polido, tão desconcertante na elegância que nos atrapalha a avaliação. Que é simples: o Benfica chegou a Maio a jogar como jogava em Agosto. Não pode ser. Mas aplaudo de pé, porque não sou um grunho. 

sexta-feira, 22 de maio de 2009

2009/2010

O Benfica contratou um brasileiro na véspera da sua primeira convocatória para o escrete. Podemos não gostar de Vieira (não gostamos), mas esta foi brilhante.

Uma sorte para todos nós

Pénis tatuado, pela Ana de Amsterdam.

Dois euros e sessenta

Depois de um dia que não estava a correr da melhor forma, fui abordado ontem na rua por um homem que vinha apoiado numa bengala que dava apoio à sua perna esquerda em dificuldades. Quase não dei por ele até ouvir o tímido «O senhor, peço desculpa», que revelou uma patologia qualquer na fala que lhe atrasava as palavras, embora não fosse gaguez; era mais uma contorção facial no arranque das frases que lançou a dúvida sobre a sua sanidade mental. Não percebi imediatamente que ele me ia pedir dinheiro. O seu aspecto não era, à primeira vista, o do um mendigo, apesar do mau estado geral das suas roupas. A sua mão não estava estendida. Ele continuou: «O senhor vai-me desculpar, mas o senhor importa-se que eu lhe peça uma esmola?» Palavra que esta foi a construção frásica que ele usou. Nesta altura, passados apenas alguns segundos, comecei a reparar nos sinais que o identificavam como sem-abrigo: uma mancha de urina marcava-lhe as calças, os seus olhos revelavam um desconforto violento. Enquanto eu puxava da carteira, ele continuou: «eu tenho 62 anos, isto é uma vergonha». Parecia que falava mais para ele do que para mim e que aquela exteriorização o ajudava a lidar com a sua condição. Perguntei-lhe quanto queria. A resposta costuma ser «o que o senhor puder dispensar», ou «uns trocados para comer qualquer coisa», ou «1 euro para o bilhete» se estivermos numa estação de transportes. A resposta dele desarmou-me por completo: «Dois euros e sessenta». Nunca ninguém me tinha pedido «dois euros e sessenta». O homem terá tido consciência do carácter esdrúxulo do seu pedido e explicou: «olhe para mim, olhe para mim [eu olhei], eu gostava muito de cortar o cabelo.» Esta deve ser a fase mais dura: a fase em que um sem-abrigo ainda não abdicou da sua dignidade; que ainda se lembra o que é ser uma pessoa que não é marginalizada; que ainda gosta de «cortar o cabelo»; que ainda acha que «pedir uma esmola» é «uma vergonha». Nunca ninguém me tinha pedido dinheiro para cortar o cabelo. Abri a carteira e no bolso das moedas estavam exactamente dois euros e sessenta.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A ignorância é meio caminho andado para a felicidade

Estou muito contente. Em A Consciência do Romance David Lodge confessa que inunda os seus romances de referências literárias, referências essas que fazem sempre o favor de me passarem ao lado. Se há coisa que me chateia é ler um livro, gostar dele, e perceber que gostei dele pelas razões erradas; ou, na melhor das hipóteses, pelas razões mais fracas. Ora, quero aproveitar este tempo que me disponibilizaram aqui para informar o senhor Lodge que as coisas começaram a mudar. Isto porque em How Far Can You Go (um livro que retrata a vida sexual de um grupo de católicos entre as décadas de 50 e 70, através de um conjunto de personagens que dificilmente não se confundem todas com alter-egos de David Lodge, incluindo, sim, incluindo a freira e o gay), às tantas uma das personagens lê e espanta-se com Lady Chatterley e, umas páginas mais à frente, a filha de outra das personagens demonstra o seu apreço pelos Beattles, cantarolando no banco de trás do carro. E o que leio eu hoje na New Yorker? Sim, o que leio eu hoje na New Yorker? Só e nada mais do que a citação deste poema de Larkin:

Sexual intercourse began
In nineteen sixty-three
(which was rather late for me) -
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.

Ah!

On Kuta Beach

Uma das consequências da revolução sexual dos anos 60 (que chegou a Portugal nos anos 80) foi o aumento significativo da facturação das agências de viagens. Nos tempos anteriores à libertação o sexo estava reservado para o casamento, o que fazia da noite de núpcias, mas sobretudo das noites imediatamente seguintes, um acontecimento de grande transformação, descoberta e trauma. As «luas-de-mel» (eu não sei quem inventou esta designação, mas Campo Pequeno com eles já) eram assim muito mais sobre o que se passava dentro do quarto do que fora dele. Nesse sentido, era necessário que a lua-de-mel fosse passada fora da cidade natal, preferivelmente num sítio onde ninguém conhecesse os recém-casados, pacato, recatado, agradável, mas nada mais. Não é preciso percorrer muitos quilómetros seja de onde for para encontrar locais com estas características, e era isso que acontecia. Hoje isso mudou. Os noivos chegam ao casamento sem segredos sexuais; chegam já parceiros, como se diz, e nalguns casos quase fartos do corpo que têm ao seu lado. O fim da performance anxiety sobre a noite de núpcias alterou também o comportamento dos noivos durante o «copo-de-água» (Campo Pequeno com estes também) e o primeiro dia de casado costuma ser passado à procura do gurosan. A lua-de-mel, essa, não desapareceu do mapa e toda a gente se esforça para fazer dela uma viagem importante. Como já vimos, aquilo que se irá (ou não) passar no quarto já não reúne as condições para tornar a lua-de-mel em algo memorável e a aventura tem de ser encontrada lá fora. E lá vão eles, para 15 dias de «praia», de «selva», de «aventura», de «mar», de «cidade», de «saltos com rede», de «saltos sem rede», de «safaris», para a América do Sul, para a América do Norte, para o Sudoeste Asiático, para o Nordeste Brasileiro, para a Austrália, para a África Austral, para «experiências» e mais «experiências» e mais «experiências», desesperados para encontrar motivos para falarem daqui a uns anos da sua lua-de-mel com a mesma ternura com que os seus pais falam (o que não vai acontecer). Espero que não se note nenhum tom de condenação moral neste meu coiso aqui (porque não existe), mas confesso que não seria a mesma coisa se Ian McEwan tivesse escrito On Kuta Beach; no fundo, eu só estou preocupado com o futuro da literatura.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Do ponto de vista aqui de casa

O primeiro número do regresso da direcção de Manuel Graça Dias ao Jornal dos Arquitectos tem um artigo de Rui Ramos na secção «Do Ponto de Vista da Direita». Uma secção «Do Ponto de Vista da Direita» no Jornal dos Arquitectos: se fosse só por isto, Graça Dias já estaria de parabéns, mas a verdade é que o JA está outra vez legível e recomendável. Voltarei com o relatório completo.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

«Manel, estou bem?»

Bárbara Guimarães, ontem, nos Globos de Ouro (uma cerimónia que abdicou há muito do conceito de «ensaio»), interpelando directamente o marido, Manuel Maria Carrilho, que estava sentado na plateia a admirar a homenagem pós-moderna que os estilistas que vestiram Bárbara lhe fizeram. O resto da cerimónia não foi tão boa: Eunice Muñoz (ou «Munhoz», como dizia a legenda) não conseguiu ler o nome da vencedora, o Jorge Palma fez uma coisa com o telemóvel que não se perdoa a indivíduos sóbrios, a Soraia Chaves estava vestida, a Catarina Wallenstein não ganhou (eles não te merecem, Catarina), a tipa que fez de Amália ganhou logo no dia em que por acidente tinha despejado uma embalagem de óleo fula na cabeça, e em vez de um actor puseram um modelo da Vidal Sassoon a apresentar o Ivo Canelas, «companheiro». Pelo meio, o Omar começou a sua vingança perante Marlo, McNulty continua a foder tudo o que se mexe (literal e metaforicamente), e foi introduzido em Baltimore o conceito de MMS (mas ainda não o de «MEP»).

Mártires a mais

De Charles Smith, a Lopes da Mota, até ao Panda do Kung-Fu, o modus operandi é o mesmo: eles são os culpados de tudo, da cabeça deles saiu todo o esquema, o Sócrates / Primeiro-Ministro / primo (riscar o que não interessa) não sabia de nada. O caso de Lopes da Mota é o mais interessante, pois não se percebe que gratificação pessoal poderia sair da sua iniciativa de oferecer o peito às balas. Mas está bem; o regime precisava de um mártir, Lopes da Mota entalou-se pelo regime. Só não se percebe a reacção do Governo: então há um patife a usar indevidamente o nome do Primeiro-Ministro e do Ministro da Justiça, arrastando-os para a lama, e o PS, na voz do excelso dr. Vitalino, sai a terreiro para o defender, bloqueando a sua ida ao Parlamento? Por uma questão de, como é, «princípio»? A política, ao contrário do que pensa, por exemplo, o MEP, não é lugar para altruísmos; o pobre está a ficar desconfiado.

domingo, 17 de maio de 2009

Que se lixe a laicidade

E agora o Cristo Rei. Monumento construído na década de 50 para agradecer a «neutralidade» de Portugal na Segunda Grande Guerra - um facto digno de condenação e arrependimento, não de «agradecimento» - saído da cabeça do Cardeal Cerejeira após uma visita à cidade maravilhosa, como que a provar que o clima tropical nunca ajudou ao discernimento de ninguém, é um objecto que dada a sua dimensão espanta pela sua, direi, neutralidade. Há tudo para não gostar no Cristo Rei: é o símbolo mais perfeito da triste história de cooperação entre a Igreja e o Estado Novo, um «monumento» desinspirado de uma época pouco monumental e desinspirada. Mas tirando dois ou três professores jacobinos que estremeciam nas aulas de arquitectura ao falar da coisa, não é costume ouvirem-se impropérios ao Cristo Rei. A estátua, para o bem e para o mal, já faz parte da mobília, e nós temos a capacidade de nos afeiçoarmos a uma cadeira velha mesmo se sempre deu dores nas costas. Para quem acredita na laicidade do Estado, mais por interesse da religião do que do Estado, o Cristo Rei estaria melhor na gaveta dos projectos não realizados. Mas eis que ontem o meu bairro foi fechado ao trânsito; puseram grades nos passeios e polícias nas esquinas; penduraram altifalantes nos prédios para transmitir música sacra, o coro da igreja, um fado a despropósito; e as pessoas vieram. Vieram de todo o lado e encheram as ruas da Baixa de um modo que eu nunca tinha visto, nem mesmo naquelas manifestações que batem recordes e recordes de gente. Fez-me sentir um anfitrião orgulhoso. Eles vinham em paz e isso notava-se; vinham alegres e isso notava-se. O Cristo Rei fazia 50 anos e, para meu espanto, ao lado do Bispo e do Patriarca estavam os presidentes de câmara e os governadores civis, como há 50 anos. O povo aplaudiu. O povo está a marimbar-se para a «laicidade». E o povo, meus amigos, em democracia é soberano.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

grip pauzinhos chineses

«Só há moda do que se vê: não está na moda, ao fazer xixi, segurar a pilinha com o indicador das duas mãos (grip pauzinhos chineses) ou fazer uma tatuagem nas amígdalas.»

O insuperável Lourenço Viegas

Papa

Entretanto, vão comendo a papa que só vos faz é bem.

Tudo isto é muito efémero

O café ao lado de casa onde, quando calha não estarem reunidas as condições para que o «pequeno-almoço» aconteça - o que acontece quando falta o leite, o pão ou a manteiga, ingredientes sem os quais um «pequeno-almoço» não pode ser um «pequeno-almoço» sob pena de ser um «pequeno-almoço» fantoche, um faz-de-conta, um embuste (embora isso, o facto de faltarem as condições, não aconteça assim tantas vezes, mãe, é só mesmo muito de vez em quando) - tomo o pequeno-almoço, tem uma empregada nova. Nada de novo: os cafés têm uma taxa de rotação de pessoal muito alta, isso é um dado estatístico que até o CDS-PP estará disposto a aceitar. O que é digno de nota - ei-la - é a sua cara: aquela cabo-verdiana (arrisco) teve a sorte de ver a sua cara desenhada pelo Clube dos Pintores Renascentistas Aposentados no Firmamento, o que é raríssimo, como sabemos: dêem liberdade de tema a um pintor renascentista e a «mulher» não aparece muitas vezes. Portanto, olheiros, esta é para vocês: em troca de uma pequena fee (negociável) estou disposto a indicar a morada e o horário de trabalho. Mas despachem-se, tudo isto é muito efémero.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Tudo o que sempre quis saber sobre o efeito da cocaína nas abelhas mas teve medo de perguntar

Buzzed, por Noah Baumbach.

O maior



O André Carrilho é o maior.

Bloco A

«(...) a Vera Roquete (por quem nunca tive qualquer tipo de fetiche, e bem sabemos como os infantes daquele tempo estavam dispostos a forçar a nota nos parcos estímulos fornecidos pela TV, desconfio, por isso, que a Vera Roquete nunca conseguiu cumprir cabalmente o seu papel na memória afectiva da minha geração: a ausência de uma posteridade psicanaliticamente verificável faz da Vera Roquete um flop geracional da envergadura de um Jordi Cruyff).»

O Bruno Sena Martins escreveu isto a meu pedido; não precisam de agradecer.

A minha carreira televisiva também passou invevitavelmente pelo Agora Escolha, o programa de Vera Roquete - mas já lá vamos à Vera Roquete - que durante algum tempo tinha como série pivot - aquela que passava durante as votações - Os Soldados da Fortuna, uma série com a menor taxa de morte / explosão violenta da história da televisão: tudo explodia, ninguém morria. Vamos então à Vera Roquete: até hoje eu pensava que tinha tido um fetiche pela Vera Roquete, embora sem nunca conseguir parametrizar e catalogar devidamente os dados da equação; a Vera Roquete ressoava nas paredes do meu hipocampo como um bazófias no recreio do liceu, gozando de uma popularidade afinal construída sobre falsas premissas: o Bruno, com esta ágil comparação a Jordi Cruyff, desmascarou esta situação e permitiu que a Vera Roquete finalmente sedimentasse como deve ser e saísse de uma vez por todas do caminho dos meus verdadeiros fetiches de infância, que são:

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Antigo Testamento

Estou oficialmente no Antigo Testamento: à espera de Jesus.

domingo, 10 de maio de 2009

A suspensão

Mas afinal, nesta era do cinismo e do divórcio, o que é que o casamento tem que ainda nos emociona? Nunca vimos um casamento cor-de-rosa, nunca veremos um casamento cor-de-rosa, nunca acontecerá um casamento ser decalcado de um daqueles filmes com a Renée Zellweger. Mas, ainda assim, as tias choram e as madrinhas choram e toda a gente admite que «foi tudo muito bonito.» Porquê? Arrisco uma explicação: socorrendo-me da teoria literária, direi que estamos na presença de uma suspensão da descrença (suspension of disbelief), da suspensão voluntária da descrença, um mecanismo que nos permite acreditar que uma história de ficção é uma história real, contribuindo assim para o sucesso dessa história de ficção. E naquele momento em que ela está de branco e ele está de costas direitas e de cabeça levantada, o casamento é ainda uma história de ficção em que queremos acreditar; todos nós suspendemos - voluntariamente - a descrença para assim podermos ver ali um épico romântico único e irrepetível. E isso, como não poderia deixar de ser, emociona-nos e por isso vamos todos comer à fartazana e celebrar à fartazana e beber à fartazana. Uma coisa assim tão improvável merece festa. No dia seguinte a descrença já não estará suspensa, e a vida volta, como sempre, como tem de ser, para nos aliviar o peso dos ombros e permitir que sigamos em frente com confiança. Mas lá que «foi tudo muito bonito» lá isso foi.

Sei que sou

Nos antípodas emocionais de Summer of '69 está outra das presenças assíduas nas bodas, Serafim Saudade, uma epopeia pimba que versa sobre uma vida dura que deu em final feliz e que arranca, logo a abrir, um verso impossível: «Aqui estou e na verdade sei que sou o que sonhei». É um verso impossível porque só aos simples admitimos a sinceridade de serem aquilo que sonharam; nós nunca seremos aquilo que sonhámos, nunca admitiremos que os nossos sonhos sempre foram assim tão modestos. Exige-se, ao menos, ambição nas ambições. Faltará sempre qualquer coisa, qualquer conquista, qualquer triunfo que nos impedirá de vestir a peruca e sair cantando aqui estou e na verdade sei que sou o que sonhei. Mas gostávamos, ó se gostávamos.

O Verão do

E depois há aquelas canções que ouvimos muito há muito tempo e que só voltamos a ouvir nas festas de casamento (faz muita falta uma distinção portuguesa entre «marriage» e «wedding»). Summer of '69, do simpático mas desinspirado Bryan Adams, é uma delas e vai assim:

I got my first real six-string
Bought it at the five-and-dime
Played it till my fingers bled
It was the summer of '69

Me and some guys from school
Had a band and we tried real hard
Jimmy quit and Jody got married
I shoulda known we'd never get far

Oh when I look back now
That summer seemed to last forever
And if I had the choice
Ya - I'd always wanna be there
Those were the best days of my life

Ain't no use in complainin'
When you got a job to do
Spent my evenin's down at the drive-in
And that's when I met you

Standin' on your mama's porch
You told me that you'd wait forever
Oh and when you held my hand
I knew that it was now or never
Those were the best days of my life

Back in the summer of '69

Man we were killin' time
We were young and restless
We needed to unwind
I guess nothin' can last forever - forever, no

And now the times are changin'
Look at everything that's come and gone
Sometimes when I play that old six-string
I think about ya wonder what went wrong

Standin' on your mama's porch
You told me it would last forever
Oh the way you held my hand
I knew that it was now or never
Those were the best days of my life

Os sucessos comerciais nunca são misteriosos. Summer of '69 é um dos temas mais lucrativos da história da música pop porque todos nós passámos por um Verão de 69 e sabemos que fomos felizes no Verão de 69 e que é triste revisitar o Verão de 69. A chave da canção está nos versos tristes que olham com alguma condescendência para o compromisso emocional que foi feito naquela adolescência tardia cuja ingenuidade permitia sonhar com o prolongamento eterno daquela irresponsabilidade inocente. Inevitavelmente, Adams interroga-se sobre o que correu mal:

Sometimes when I play that old six-string
I think about ya wonder what went wrong

Nada correu mal, Bryan, foi só a idade adulta. Tu cresceste, nós crescemos, e se tudo correu bem durante o processo olharemos sempre para trás pensando no que correu mal, porque aqueles terão que ter sido os melhores dias da nossa vida. Bryan Adams escreveu uma carta de amor à sua adolescência e nós gostámos e levámo-lo em ombros. Mas depois veio o insucesso e a amargura. Bryan Adams passou da idade adulta à meia-idade e começou a dar coices ao mundo. Em 2008, ele interpretou assim o seu hit de 1984:

«I think 'Summer of '69' - i think it's timeless because it's about making love in the summertime. There is a slight misconception it's about a year, but it's not. '69' has nothing to do about a year, it has to do with a sexual position.

Out of all the people who hear that song, how many do you think realize that as they listen to it?

I don't know. At the end of the song the lyric says that it's me and my baby in a 69. You'd have to be pretty thick in the ears if you couldn't get that lyric.»

Yeah, right, ninguém cai nessa, ó trapaceiro. Mas há que admirar essa fabulosa metamorfose que é transformar o Verão de 69 no Verão do 69.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O crime perfeito

Qualquer que seja a verdadeira origem do «mal entendido» entre José Saramago e o DN, não vejo outra consequência deste episódio que não seja a legitimação do plágio: basta que, a posteriori, se venha alegar uma «falha técnica» que omitiu «as aspas», fazer a devida referência (curiosamente também omissa na versão original) e endereçar um «pedido de desculpas» ao autor plagiado. Parece-me o crime perfeito.

Dar uma mãozinha

«Bolton e Man. City correm por Veloso»

Bem, alguém tem de correr por Veloso.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Manuela

Lembram-se? Há uns meses, curtos, já em pleno freeportgate, Sócrates iria cavalgar suavemente para a maioria absoluta. Manuela era um desastre, um flop, um erro de casting de quem todas as redacções se riam. Era mulher, velha, e dizia «piquenas». Hoje já só se fala na «ingovernabilidade» do país, na divisão do poder, no «bloco central». E ainda faltam seis meses de sonsagens.

O nosso Mainardi

Aproveito o embalo do tema dos media e aproveito para dizer que o A Torto e a Direito (TVI24), que agora está online, é muito melhor do que aquilo que por aí li e ouvi, pelo menos nesta versão Francisco Teixeira da Mota (não vi nenhuma das edições Fernanda Câncio). E João Pereira Coutinho conseguiu transpor a sua persona escrita para a televisão com um sucesso assinalável, conquistando de vez o lugar de «nosso Mainardi».

U ee

Na minha curta vida vi nascer dois jornais sérios: o Sol e o i. O Sol nunca foi outra coisa que não uma cópia do chinês do Expresso, um exercício de ressentimento e vingança que não trouxe nada de novo a um modelo que já apresenta sinais de cansaço. O i é um jornal que aparece no meio de uma crise que ameaça extinguir boa parte da imprensa e que se anuncia como «inovador» em quase tudo: no grafismo, nos conteúdos, na relação com a internet, no nome absolutamente suicida («o i» soa a «uuií», «oui», «uweeee», «danone de morango»). A boa notícia é que parece ter pernas para andar: o primeiro número anuncia um produto híbrido entre jornal e revista, um «magazine» diário que pode muito bem ser a solução. Particularmente bem sucedida é a secção «Zoom» (não perguntem) que apresenta uma selecção de notícias onde se nota que há investigação e cuidado na escrita. As principais notas negativas são a ausência da «cultura» (duas páginas sobre o StarTrek e mais duas sobre tatuagens não cumprem os mínimos) e as traduções do New York Times. Vamos a ver.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Filha-da-putices





O jogo da década (Manchester United vs. Barcelona) merecia um prelúdio assim, uma tragédia grega, uma ópera bufa, uma sacanagem norueguesa de todo o tamanho (segundo os relatos in loco, estou à espera que comece o resumo na RTP.) Para bem de Tom Henning Øvrebø é bom que Tom Henning Øvrebø já tenha visto o Big Ben e a Torre de Londres e o British Museum e a Tate Modern e Westminster e tudo porque, no que toca à sua biografia, o capítulo «Londres» fechou-se hoje. E o que dizer do pé esquerdo do Essien? Meu Deus, o pé esquerdo do Essien, que fez aquilo aos 9 minutos e não conseguiu mandar a bola para longe aos 93: definitivamente, o pé esquerdo do Essien não vai dormir hoje.

O «património»

Quando é que decidimos que todas as tias velhas são simpáticas e bonitas e bem-cheirosas e charmosas só porque são tias velhas?

A um passo da anarquia

O Fim do Estado? Ou, na versão de Paulo Rangel, um «Estado a caminho do declínio»? Infelizmente, não me parece.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Riscar o que não interessa

«Eu sentir-me-ia confortável com qualquer solução em que eu acredite (...)»

A subtileza do domínio da língua portuguesa por parte de Manuela Ferreira Leite passa ao lado dos brutos que são contratados para interpretar as suas palavras. E o mais simples é isto: não é preciso «interpretar» nada, está lá tudo. Se prestarmos atenção aos tempos verbais, veremos nesta frase a desacreditação da ideia do «bloco central»: basta conjugarmos o condicional do primeiro verbo com o presente do segundo. Quem viu nestas palavras uma porta aberta a uma coligação pós-eleitoral com o PS deu uma prova acabada da sua incompetência linguística; ou da sua má-fé. É riscar o que não interessa.

A TV da nossa vida

O Pedro Adão e Silva (provavelmente o melhor surfista-comentador-político português) passou-me aquela corrente das séries «da nossa vida» (que deveriam ser 15, mas estas coisas do coração não se medem aos palmos). Seguindo uma cronologia biográfica, é mais ou menos isto:

- Dartacão, que me fez querer ser um cão com uma espada e um chapéu e uma capa;
- Os Três Duques, que me fez querer ter um carro cor-de-laranja sem portas;
- Bonanza, que me fez querer ter pistolas, embora na idade em que vi Bonanza toda a minha vida se centrasse na vontade de ter pistolas;
- Duarte & C.a, que me fez querer ser gordo;
- Tom Sawyer, que me fez querer ser um maltrapilho do Mississippi;
- O Poirot do David Suchet, que me fez querer ser belga e germofóbico;
- MacGyver, que quase me fez querer ser escuteiro (MacGyver não bebe, não fuma, não fode, e, last but not the least, o canivete);
- O «Kitt» (naquela altura era impossível pronunciar «The Knight Rider», e «O Justiceiro» nunca foi uma hipótese), que me fez querer ser o David Hasselhoff e desenvolveu em mim uma atracção pela antropomorfização de objectos inanimados;
- Baywatch, que me fez querer ser o David Hasselhoff e desenvolveu em mim uma atracção pela antropomorfização de «objectos» inanimados;
- The West Wing, que me fez querer ser qualquer coisa na Casa Branca, incluindo ser pai do Charlie Sheen;
- The Wire, que me faz querer ser, todos os dias, o David Simon.

Passo esta corrente ao Tiago, ao Rogério, ao Bruno, ao João, e ao David.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O bloco central

Não é possível governar-se sem maioria absoluta, dizem os arautos da besta que é o «bloco central». Não é possível? Claro que é; eles é que não gostam. Como se nunca tivessem feito parte de um condomínio; como se nunca tivessem sido casados. Sem maioria absoluta é preciso ceder-se de vez em quando, é só isso. Quem não está disposto a isto não merece ser eleito para nada.

sábado, 2 de maio de 2009

Fuck the Falklands



This is England é também um testemunho geracional que faz o melhor possível por escrever uma carta de amor aos anos 80, que não foram meigos com ninguém, sobretudo para quem teve de crescer e fazer-se homem durante aquela década que foi uma espécie de limbo desnorteado, desmotivado e desesperado (e por isso bem mais interessante, por exemplo, do que a molengona década de 90), e sobre a tragédia que é a inevitabilidade de vermos a memória da nossa juventude ficar refém do mundo que nos rodeou e que sugámos como uma esponja sem critério. O movimento skinhead foi o que calhou estar no caminho da puberdade de Shane Meadows e ele mostra-nos isso com uma ternura imensa.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Livin' on the edge

Ontem à noite numa Bica relativamente vazia mas surpreendentemente cheia de figuras públicas (um comentador político da televisão, um arquitecto famoso, um actor do The Wire), a conversa foi parar a um tema que não tem sido objecto da merecida atenção por parte da sociedade em geral e dos media em particular: o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Talvez mais por respeito à discussão e menos por uma filiação ideológica objectiva, dei por mim a defender a posição que sustenta a diferença de natureza entre uma união de pessoas de sexos diferentes e uma união de pessoas do mesmo sexo, utilizando para isso um tom de voz mais alto do que aquele estritamente necessário. Gosto de viver perigosamente.