domingo, 30 de novembro de 2008

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Forehead



As teorias sobre a correlação entre a dimensão da testa de uma pessoa e o respectivo QI carecem de suporte científico mas encontram regaço num surpreendentemente assinalável conjunto de provas materiais.

(Na imagem, Martin Amis)

Para uma futura autobiografia

Ainda é cedo para nos precipitarmos em considerações conclusivas, mas gostava de anotar aqui que comecei a gostar de Herzog à página 99 (tenho aquela edição na Penguin Modern Classics).

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Reptilia

Acabo de chegar de um local munido do «canal 29» da Zon Tv Cabo que acabou de transmitir aquele evento em Atenas e, meus amigos, as coincidências são para os tansos. Abram os olhos e os espíritos para os illuminnati, os reptilians, o planeta niribu, a brotherhood, a new world order, o speech that killed JFK e percebam o que realmente se passou no Georgios Karaiskakis. Cortesia de nosso senhor Jesus Cristo David Icke, ex-guarda-redes do Coventry.

Gato

A soleira da porta do prédio onde trabalho adoptou um gato (dois, até). Ele vive ali, exposto a sul. Agora que o sol está alto (tanto quanto este outono tardio o permite) lá está ele: perna aberta a coçá-los. Presumo que esse será o seu plano para o resto da tarde. Há que invejá-lo.

Sai toda a gente a ganhar

O vagabundo (outro preconceito) que me partiu o vidro do carro na madrugada de segunda-feira terá ficado desiludido com o facto de só lá ter encontrado embalagens de iogurte vazias e talões de portagens. A minha companhia de seguros terá ficado desiludida com o facto de o vagabundo ter partido o meu vidro. A empresa que substitui vidros nos carros é que não ficou nada desiludida. O que seria o suficiente para lançar já aqui uma teoria da conspiração. Eu só fiquei desiludido pelo facto de este vagabundo não ser tão arrumadinho como o outro vagabundo que me entrou no carro a meio da noite: esse, ao menos, limpou-me (no melhor dos sentidos) a viatura todinha.

Preconceitos

Os preconceitos são úteis porque dispensam a estatística. Não tinha os dados, nem os tenho agora. Há uns tempos escrevi sobre a violência entre namorados adolescentes motivado pelo meu preconceitozinho em relação a essa coisa que é a «juventude». Agora, reparo que anda para aí uma campanha contra «a violência no namoro». Apesar da palavra um bocado século XX («namoro»), acho muitíssimo bem que as autoridades prestem atenção aos meus preconceitos. 

Striptease (2)

É uma das expressões com mais graça da língua portuguesa: «despir-se de preconceitos». «Ele despiu-se de preconceitos e (...)». Há quem promova muito este tipo de atitude. Eu assumo a posição contrária: acho que devemos despirmo-nos de preconceitos na exacta medida em que nos despimos da roupa, escolhendo muito bem as ocasiões e as companhias. A roupa é necessária, como sabemos, essencialmente por motivos higienico-estéticos, e tem side-effects muito úteis (aquela coisa do clima). Os preconceitos, por sua vez, são necessários para não sermos obrigados a um reset cognitivo cada vez que somos interpelados por alguma coisa. Um conjunto equilibrado de preconceitos é uma ferramenta muito útil. Sem preconceitos, ficamos mais ou menos selvagens. Despirmo-nos de preconceitos é uma coisa ainda mais rousseauiana do que despirmo-nos das roupas.

Striptease (1)

A blogosfera para mim também foi isto: o striptease conotativo da palavra «suburbano».

Os bons costumes

Uma avaria técnica que não é da responsabilidade do Metropolitano de Lisboa - de quem será?, de quem será? - está a impedir a circulação na linha amarela, e como eu não confio nada naquele «retomaremos assim que possível» decidi subir a pé do Marquês ao Campo Pequeno (um trajecto todo branco de inclinações até 5%). Resultado: duas distensões musculares, uma rotura dos ligamentos no tornozelo direito, desidratação, cãibras várias, e, graças ao clima ameno de Lisboa, princípios de hipotermia. Isto tudo até ao Saldanha (para quem estiver interessado, disponibilizarei através do email a lista completa, formato .pdf). O que me leva directamente ao segundo assunto do presente post: a proposta de regulamento do meu condomínio. Eu sou a favor de regulamentos e mais regulamentos, acho importante sermos regulados, mas há coisas que alto lá e pára o baile: não é que um dos artigos estipula a proibição dos condóminos de «destinar à fracção quaisquer usos ofensivos dos bons costumes», e outro diz que somos obrigados a «manter a respectiva fracção e seu equipamento em bom estado de conservação, arranjo e asseio»? Que esperem que eu limpe o pó às pratas duas vezes ao mês, tudo bem, mas que me queiram impedir de violar «os bons costumes» já me parece demasiado atentatório a uma data de direitos que me devem assistir com certeza. Por falar em violação dos bons costumes, não vi o jogo do Sporting de ontem, mas já consultei online os videos dos golos e quero dizer que estou extremamente perturbado: estou extremamente perturbado que (1) o Messi não ganhe o título de melhor jogador do planeta para aquela coisa - toda ela violadora dos bons costumes - que é o Cristiano Ronaldo; estou extremamente perturbado (2) que tenha sido o Miguel Veloso a marcar aquele golo e o Caneira a marcar aqueloutro - o Miguel Veloso é todo ele também um tratado à violação dos bons costumes, enquanto que o Caneira me parece um homem honrado e digno e sério; e estou extremamente  perturbado (3) com o Polga em geral. Dito isto, que não é pouco, partilho com a assistência o encanto que subiu por mim acima ontem ao ouvir uma vizinha espanhola, já uma cidadã sénior e residente nas Canárias, confessar que há muitos anos prometera a ela mesma comprar uma casa em Lisboa - uma epifania que parece ter-lhe acontecido sentada no Rossio - e que «agora já está!», com exclamação e tudo. É tudo, até a uma próxima oportunidade, com amizade.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Maridos, amai as vossas mulheres

Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para a santificar, purificando-a, no banho da água, pela palavra. Ele quis apresentá-la esplêndida, como Igreja sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante, mas santa e imaculada. Assim devem também os maridos amar as suas mulheres, como o seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. De facto, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo; pelo contrário, alimenta-o e cuida dele, como Cristo faz à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo.

Da Carta aos Efésios

Lisboa em mapas

O tal mapa dos declives de Lisboa faz parte de uma colecção que pode ser consultada aqui. Como pode ser facilmente observado, ele não foi elaborado para suportar ou desmentir qualquer hipótese de elaboração de um plano cicloviário de Lisboa, como tão bem tem vindo a demonstrar o maradona. Porque se isso fosse verdade, e mesmo tendo em consideração os impulsos escandinavos de parte das pessoas que nos planeiam, nunca, mas é que nunca, se teria decidido englobar na mesma categoria de resultados as inclinações compreendidas entre 0% e 5%. Porque entre os 0% e os 5% estão, por exemplo, os 1%, os 2%, os 3% ou os 4% de inclinação. Como bem sabe qualquer pessoa que se desloque com recurso à sua própria força motriz, isto faz diferença. A Avenida da Liberdade, por exemplo, está toda branquinha, branquinha que nem as contas do BPN, o que parece indicar que é indiferente subir ou descer a avenida, o que é manifestamente inverdade, como bem sabe toda a gente que vive na Baixa e trabalha no Campo Pequeno e que devido ao respectivo IMC - apesar de tudo inferior a 27 - se atreve a ocasionalmente executar esse percurso a pé. Tomei a liberdade de incluir outro mapa da respectiva colecção:

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Wood

«(...) It has been decided of late that the face of literary criticism shall belong to James Wood. A writer first at the Guardian (from 1992 to 1996), then at The New Republic and now, since last year, at The New Yorker, Wood has long been considered, in a formulation that soon assumed a ritual cast, "the best critic of his generation." Coming from elders like Sontag, Bloom and Saul Bellow, and nearly always incorporating that meaningless word "generation," these consecrations have bespoken a kind of Oedipal conflict, betraying the double urge first to possess one's offspring by defining them, then to destroy them altogether. For Wood has come to be seen as something more than the best of his generation: not just the best, full stop, regardless of generation, but the one, the only, even the last. Beside him, none; after him, none other. The line ends here. (...)»

Isto promete (apesar do título, «How Wood Works», que julgo já ter sido utilizado por aí.)

Alinhar os planetas

No Natal, para simplificar, ofereço sempre livros. Sei que às vezes não é o que as pessoas preferem, mas é o único campo - e a música - onde me sinto confiante a escolher. Tento sempre atingir um equilíbrio entre dois campos de força distintos: livros que já li ou que gostaria de ler versus livros que possam interessar ao destinatário da oferta. Nem sempre é fácil, mas este ano adicionei um novo critério: só vou oferecer livros que tenham sido alvo de recensão por parte de Rogério Casanova, e anexarei uma fotocópia da dita.

É este tipo de exigência que se procura

- Mas tu estás casado há pouco tempo, não é?
- Dois anos.
- Exacto, dois anos.

Nota

Jacinto Lucas Pires.

(Os Quais são a ponte que faltava fazer entre o underground - not so underground - português e o Brasil. Estamos fartos do Brasil americano, queremos de volta o Brasil português.)

Desde quando?

Hoje, o 60 minutos - a excelência de conteúdos que é a Sic-Notícias - passou uma entrevista conjunta de Barack e Michelle Obama, filmada já depois das eleições. O tema era a vida deles, se já tinha sofrido alterações, e que alterações se poderiam prever. Barack avançou com o facto de estar a dormir na cama dele, Michelle salientou a vergonha que as filhas sentiram na escola ao serem aplaudidas. No meio desta small talk toda - que também é importante - um momento emergiu como revelador. Às tantas, o jornalista lembra a Barack que da última vez que tinham falado, há uns anos, o senador lhe confessara que quando regressava a Chicago vindo de Washington a mulher o obrigava a desempenhar um conjunto de tarefas domésticas, como fazer a cama e lavar a loiça. A pergunta impôs-se: fará o presidente Obama alguma destas coisas na Casa Branca? O plano estava abrangente e incluía o casal. Barack hesitou, sorriu, e preparava-se para dizer que sim, que lavaria alguns pratos, quando Michelle soltou um «no way». Barack, genuinamente surpreendido, olhou para a mulher e disse que às vezes lavar pratos o acalmava, já sugerindo o sorriso que desmascarava um homem ainda demasiado habituado à campanha. Michelle olhou para ele com um ar sarcasticamente surpreendida e disse: «desde quando é que lavar pratos te acalma?» Barack suspirou assumindo a derrota e a entrevista continuou. Para quem esteve mais atento, não sobraram dúvidas sobre «quem manda lá em casa». Barack não pareceu embaraçado com isso. Foi bonito, foi muito bonito.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Byblos

Os textos de raiva costumam ser subvalorizados. Mas este do Pedro Vieira é obrigatório para se perceber o que se andou a passar na «Bymblos».

Onde se faz a pré-encomenda?

Eu gostava de partilhar com o mundo o estado de puro extâse em que a minha vida se colocou hoje. O suplemento cultural do melhor semanário português (o Público de sexta-feira, não me cansarei de pregar esta coisa) informou-me que vão ser publicados os diários de Susan Sontag. E porque é que isto me deixou em estado de desfribilhação anunciada? Porque, segundo o The Independent (e cito o Ípsilon), «Susan Sontag fala das suas "tendências lésbicas" quando tinha 15 anos e descreve o primeiro encontro sexual que teve com uma mulher aos 16», entre outras coisas, certamente, certamente. Imagem só o que é isto narrado na primeira pessoa por alguém como Sontag, que tem o condão de trazer luz sobre a escuridão em qualquer tema, que nos convence constantemente de que estamos errados ao pensar de maneira diferente dela, que nos faz votar no PS (ainda não sei como isto foi acontecer, mas tenho a certeza que foi culpa dela, duas ou três sessões num psicanalista e chegamos lá). Se eu não estivesse tão seguro da minha heterossexualidade, juro que, só de pensar, já estava com medo de me tornar numa lésbica.

Bicicletas

Lua, por um indivíduo com umas pernas espectaculares.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Não espanta

mas descobri que o Nick Hornby tem alma de blogger.

A acompanhar

Os senhores da má língua.

Uma no cravo, outra na ferradura

Duas notas. A primeira para me deixar um pouco mais pacificado com o mundo: parece que a Byblos vai fechar. Acima de tudo, é o triunfo do bom gosto e é bonito de se ver. A segunda para me lixar a vida toda: parece que o Clint Eastwood é vegan. Isto pede um ano sabático.

Olá, eu sou o Tiago, vou jogar a médio-centro, olá Tiago, tudo bem, sou o Maniche, irmão do Jorge Ribeiro, já tinha ouvido falar de ti

Eu ainda vi a primeira parte, e o desastre que logo aí se anunciou sugeriu-me que fosse para a cama. Fui. 6-2, tudo bem, tudo certo. Mas não batam tanto no Carlos: a defesa portuguesa meteu dó, dó mesmo, e o ataque do Brasil também. Já vi este golo 24 vezes e não consigo ver aqui culpa do Quim, apesar do bom senso obrigar a existência da dita:



P.S.: Só para lembrar que o ordenado do Paulo Ferreira é 2,5 vezes superior ao do Lucho, por exemplo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Dores no peito, taquicardia, dificuldade de respiração

Carta aberta aos administradores da Triumph Portugal, por Pedro Mexia.

Sousa

O começo de uma grande carreira.

Agorafobia (o Paul Auster é cocó)

Tudo terá começado com Jorge Máximo - o Benfica tem dois sócios populares muito conhecidos, um tem barbas e um restaurante, o «Barbas» e «O Barbas», respectivamente, o outro tem bigode, o Jorge Máximo, que é muito parecido com o Paulo Branco, o que é muito estranho pois já que estávamos num festival de cinema faria mais sentido ter sido o Paulo Branco a fazer a apresentação - que, ao fazer a introdução ao autor, disse que Paul Auster iria ler passagens do seu «last book». Auster aproveitou e gritou - enfim - que o livro saía em Portugal esta semana. Mas recuemos um pouco. Estávamos lá porque o cartaz (Estoril Film Festival) anunciava uma sessão de leitura «seguida de uma conversa com o público», e se há uma coisa que já aprendemos (agora é plural majestático) é que as conversas com «o público» costumam ser divertidas. Recuperemos a narrativa. Auster sentou-se, good night, thank you for coming, it's late (e aqui deveríamos ter percebido), abriu o livro e começou. Quem já ouviu a voz de Auster conhece-lhe o poder encantatório (tirando aquela pequeníssima falha na dicção) e a sessão tinha tudo para correr bem. Luz baixa, Paul Auster a ler Paul Auster, aquela linguagem simples e cristalina. Aliás, demasiado simples? Eu não sou bilingue - longe disso - mas já reparei que nos livros de Auster o vocabulário é reduzido, tão reduzido que julgo que é raro o vocábulo que foge ao meu entendimento, e eu sou pessoa para descobrir palavras novas em qualquer parágrafo da Agustina que, apesar tudo, escreve na minha língua materna. Adiante. Paul Auster a ler Paul Auster, impecável, numa interpretação sem mácula. Auster lia Man in the Dark, mas poderia estar a ler qualquer outro dos seus romances. O ambiente sossegou e aquele conto de fadas foi-se instalando. Sim, os livros de Auster são uma espécie de contos de fadas sem fadas para adultos mas com cães mais ou menos existencialistas (Timbuktu) ou putos que voam (Mr Vertigo), numa cruzada «contra o cinismo», nas palavras do próprio autor. É fácil gostar-se, é fácil não se gostar, e a importância do nosso estado de espírito momentâneo para essa avaliação não é de menosprezar. Tocou um telemóvel e Auster levantou os olhos sem parar de ler. O primeiro aviso. Dez minutos depois, tocou o segundo, este já mais imperdoável, e os olhos do leitor voltaram a falar connosco. Jorge Máximo já deveria estar por esta altura de sobreaviso. A verdade é que os incidentes pararam por aqui, se exceptuarmos o indivíduo da primeira fila que se sentava com os pés estendidos em cima do palanque, junto à mesa onde se sentava o americano. Eu compreendo Auster: se fosse comigo, não gostava. Mas a tranquilidade nunca pareceu ser posta em causa, e quando Auster acabou com um thank you e um aceno de até à proxima e se levantou e saiu, nós (agora já não é plural majestático) ficámos naquela. Quem não ficou naquela foi Jorge Máximo, que desceu a escadaria a correr, aflito, direito a Auster, que por esta altura já estava junto à porta de saída, ajeitando a mochila (a mochila?). Da troca de palavras que permaneceu privada resultou outro aceno de Auster igual àquele que tínhamos visto: eram dez e meia da noite e ele ficaria mesmo por ali. O cartaz da «conversa com o público» que se lixasse, o próprio público que se lixasse, o Jorge Máximo que se lixasse. Mas ainda ali ficou mais uns momentos autografando exemplares, o que me desconcertou. Afinal, foi birra ou não foi birra?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Um edifício genérico

Entretanto, o Eduardo Pitta passou pela Biblioteca de Viana do Castelo, edifício desenhado por Siza Vieira, e não gostou do que viu. Às tantas, diz Pitta:

«(...) Em nome da pureza das paredes cegas — parece que é assim que se diz —, nenhum dístico identifica a biblioteca. Siza Vieira também desenha mesas, candeeiros, papeleiras, etc., mas, neste caso, não achou curial identificar o edifício. Era assim em Setembro, quando a biblioteca levava nove meses de uso. E como é que o meteco sabe que aquilo é uma biblioteca? Ou, mais prosaicamente, como encontra a entrada principal? (...)»

Alian de Botton fala disto no seu The Architecture of Happiness, e eu acho que muito bem: um dos estigmas que a arquitectura moderna inflingiu sobre os edifícios foi o facto de tudo se parecer com tudo e consequentemente com nada. Mais uma vez, e é sempre bom citá-lo ocasionalmente, quem resolveu este problema foi Manuel Vicente, postulando que um edifício que queira servir para uma coisa servirá para muitas outras - antigos mosteiros transformados em hotéis, antigos conventos transformados em museus, antigas igrejas transformadas em bibliotecas - e um edifício que queira servir para muitas coisas não servirá para nada. Também é por essas e por outras que os edifícios modernos costumam ver a dinamite mais rapidamente que os outros. Em Viana do Castelo, Siza falhou redondamente traindo tudo aquilo a que sempre se propôs ao desenhar um edifício genérico, que não inspira nem diz nada. Houve uma ideia e parou aí. Tragam a dinamite.

O Natal 2

É claro que isto também acontece porque as pessoas que não se lembravam que gostavam tanto do Natal são forçadas a lembrar-se disso por pessoas que fazem depender a sua facturação anual do facto das outras pessoas gostarem tanto do Natal.

O Natal

Está quase a chegar aquela altura do ano em que as pessoas que não gostam do Natal fazem questão em lembrar-nos de que não gostam do Natal.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Vão lá ver

O novo site do Charlie Rose está uma lindeza.

sábado, 15 de novembro de 2008

Tó Madeira



Fui à FNAC à procura da tradução portuguesa de On Chesil Beach, para oferecer. Descobri que não há nenhuma estante dedicada à literatura traduzida, organizada alfabeticamente, o que me levou quase à loucura. Fartei-me e subi à Bertrand. Não demorei nem trinta segundos a encontrar o que procurava. Pelo caminho, folheei um volume com várias obras recentes de Souto de Moura - confirmando que o bom Eduardo já perdeu o talento para a pequena escala e que já só consegue ser sublime no tamanho XL - e trouxe para casa em jeito de oferta para mim mesmo Amor e Ódio, do grande Filipe Nunes Vicente, cuja brevíssima apresentação biográfica patente na badana me revelou ser o Filipe um fã do Football Manager. Alguém que decide incluir essa informação numa biografia de quatro frases só pode ser boa pessoa.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Obama's Oval Office




«1. Pull-out Iraq map. 2. Kenyan hardwood abacus to regulate the economy. 3. Carbon-zero stove fed on old Bush climate change policies. 4. Cold war buffet. 5. Bulletproof steel desk. 6. Basketball apparatus. 7. Psychiatrist's couch for healthcare dreams analysis. 8. Car seats donated by greatful automobile industry. 9. CND rug to promote nuclear disarmament. 10. Afghan prayer mat for visiting prime ministers»

How Obama's Oval Office may look

Quantum of Solace

Vi ontem o novo Daniel Craig, que não me sugere grandes comentários para além da nota que se impõe: Olga Kurylenko faz hoje 29 anos.

Meritocracia

Sobre esta história toda da avaliação dos professores será imprudente da minha parte fazer qualquer tipo de juízo dado o meu desconhecimento dos contornos da coisa. Portanto, cá vai. Sou explicitamente a favor da avaliação dos professores. É-me razoavelmente indiferente se este modelo é bom ou não, apesar de estar totalmente de acordo com a dra. Manuela Ferreira Leite, que diz que não é. A questão central é a existência - pura e dura - da avaliação. Os professores, como toda a gente, desde os administradores do BPN até aos almeidas da câmara, têm de ser escrupulosamente avaliados, têm de ser remunerados e promovidos segundo essa avaliação, têm de ser contratados e despedidos segundo essa avaliação, têm de ser vaiados ou aplaudidos segundo essa avaliação. Qualquer avaliação que funcione deixará uma parte dos visados descontente, senão mesmo todos. Estas manifestações todas que têm simpaticamente entupido o meu bairro (embora o senhor vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, o arquitecto Manuel Salgado, tenha dito naquela coisa por Lisboa no S. Luiz que «a Baixa não é um bairro») são a prova de que alguma coisa estará a funcionar. Estas merdas doem. Têm de doer num sistema demasiado encostado ao lirismo de uma certa ideia de liberdades e garantias, ou lá o que é. Há muita coisa que fazia sentido em 1976 e que já não faz nos dias de hoje. Em crianças usamos fraldas, dão jeito, mas a partir de uma certa idade o seu uso começa a ser desaconselhado. Isso deveria ter acontecido aí em 1981, mais coisa menos coisa. Que a situação se tenha arrastado até agora só prova que a nossa democracia se aparenta a um adolescente - bêbado, mal vestido, demasiado convencido das suas certezas - de fraldas. É uma coisa sem pés nem cabeça. Sou a favor da avaliação desta coisa toda, até porque considero que o que esta merda devia ser era uma meritocracia.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O calibre dos tomates

«E os cidadãos festejam por não lhes alterarem o calibre dos tomates.»

Francisco José Viegas, na sua saudável missão de nos tornar cada vez mais eurocépticos

Colored stripes

E é claro que isto, a confirmar-se, como bem diz a Tatiana, será uma das melhores notícias dos últimos tempos.

Life imitates art

Roberto Saviano, em entrevista recente a propósito de Gomorra, revelou que o meio mafioso de Nápoles tem n'O Padrinho uma fonte de inspiração estética incontornável. O que, à primeira vista, é surpreendente. Julgávamos, julgamos sempre, que O Padrinho é um retrato - mais ou menos fiel, não interessa - que interpreta e revela uma realidade que só alguns conhecem. Essa ainda continua a ser, nos dias que correm, uma qualidade que procuramos na nossa ficção: a verosimilhança. Ou, se quisermos, a capacidade de nos fazerem crer que «aquilo é mesmo assim». E assim andamos, de retrato em retrato, ingénuos sobre os efeitos que essa ficção tem na nossa vida e das alterações de comportamento que provocam. O exemplo da máfia napolitana é especialmente curioso e até paradoxal: o facto de os mafiosos serem permeáveis às influências de hollywood prova que devem andar algo distantes da composição das personagens de Puzo e Coppola. Isto não deixa de ser o maior elogio que se pode fazer ao artista, o de criar um imaginário tão forte que altera a ideia que as suas fontes têm delas próprias. É bonito de se ver, mas como todas as medalhas tem o seu reverso: é mais ou menos inegável que estamos a assistir à telenoveladatvização da sociedade portuguesa.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Holy shit

Kobe Bryant Scores 25 In Holy Shit We Elected A Black President, um texto com mais complexidade narrativa do que 95% dos romances portugueses.

Comovido

Estou muito feliz por ter chegado o dia em que finalmente foi solicitada a minha opinião sobre o pochlost actual.

McCain

«A pity: there are few better men in American politics.»

The unhappy warrior, The Economist November 8th-14th 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Por outro lado

Recent reports have surfaced allegedly linking Rushdie to Indian actress Riya Sen though it has not been fully confirmed.

MC



Pedro Santana Lopes, um vasto currículo; Manuel Maria Carrilho, Bárbara Guimarães; António Pinto Ribeiro, Anabela Mota Ribeiro. Quem diria, «Ministro da Cultura».

Pôr a Opus Dei a ler Marx

Das Kapital, de Reinhard Marx.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O Nobel, ai o Nobel

A questão da «maldição do Nobel» é um assunto curioso (que José Mário Silva tratou numa das últimas edições da LER) e são muitos os exemplos dos escritores a quem o Nobel estrangulou a veia criativa. Um caso clássico de performance anxiety: a aclamação pública torna demasiado presentes as expectativas do meio e atropela o artista com um camião de inseguranças e passados que o enclausura indeterminadamente no recobro de onde nunca chega a sair. Deve ser lixado. Ora, na arquitectura, e este é um pensamento que flana pelo meu hipocampo há uns dias, o fenómeno parece ser o inverso, conclusão que posso ilustrar recorrendo ao Saramago da arquitectura portuguesa: o Pritzker em 1992 deu a Siza uma pujança criativa incontestável. A explicação será talvez simples: o arquitecto é um artista que luta contra uma série de obstáculos (orçamentos, engenheiros, a gravidade) que parecem tornar-se mais suaves após a inclusão da palavra Pritzker no currículo. É uma luta, nós contra eles, e quantas mais armas possuirmos melhor. Já no caso dos escritores, a luta é nós contra nós - o anjinho e o diabinho - e parece que o Nobel vai sempre parar às mãos do diabinho. Talvez do que os escritores precisem é de editores mais chatos. Um inimigo exterior.

A Viagem do Elefante

O Pedro Mexia estampa-lhe 4 estrelas (Ípsilon de hoje), e o seu texto parece confirmar a suspeita que se tinha abatido sobre a minha pessoa (com base nesta pré-publicação): depois de umas quantas páginas de O Ano da Morte de Ricardo Reis - abandonado sem explicação convincente - parece que é desta que Saramago me vai seduzir. Este é o seu melhor romance desde o Nobel, dizem, e isso talvez se explique por aquilo que Saramago diz em entrevista a Carlos Vaz Marques: que este não é um romance, é livro, ou um conto, um conto longo, se formos obrigados a dar-lhe uma designação menos vaga. Ao que parece, Saramago ter-se-à desinteressado da alegoria - aquilo que sempre me afastou dele - e parece ser essa sacudidela do capote que permitiu este seu novo - dizem, refrescante - texto que, como diz Mexia, «não se parece com nenhum outro romance de Saramago.» Ainda por cima a capa é bonita.

Ou

Ou tens idade para querer ser estrela rock, ou tens idade para que as dores de costas gritem por cuidados paliativos. Das duas uma.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Para quem estiver na área



pode lá dar um saltinho que é só depois do jogo.

E por falar em John Williams



(Absolutamente, absolutamente extraordinário. E tomem atenção à letra. «Come and help me, Obi-wan.»)

(Adenda: Não gosto de ser enganado nestas merdas, e muito menos enganar terceiros: o tipo só faz a mímica. A cantoria é destes indivíduos.)

D. Bina

«Sartre para misóginos

O inferno são os úteros.»

Muito obrigado ao Melancómico por ter voltado.

Michael Crichton (1942 - 2008)



Michael Crichton, para além de ser um nome que eu não consigo escrever sem o auxílio do Google, ficará para mim como o autor da ideia que gerou um dos filmes da minha vida: Jurassic Park, um daqueles do Spielberg «para atrasados mentais», como diria João Botelho. Tananaaa-tananaaa-tanana nana nanaaaa - na na na naaaa nananaa...*

(* Dentro da minha cabeça confundem-se sempre os temas de Jurassic Park e de Indiana Jones, peço desculpa.)

McCain

O Bruno faz uma boa análise de McCain e os nossos pontos de vista só se descolam no terceiro parágrafo porque eu não consigo chegar àquelas conclusões sem ser atropelado por uma série de dúvidas existenciais: foi mesmo McCain que geriu a campanha? A gritante falta de identificação do candidato com o método levanta essa dúvida, e os mais bem intencionados dirão que «a culpa não foi dele». Não sabemos. No entanto, quer as minhas dúvidas, quer as conclusões do Bruno, mostram a mesma coisa: McCain não soube gerir a campanha e merece ser penalizado por isso. Se as culpas lhe são, de facto, imputáveis, estamos conversados; se, por outro lado, as culpas devem ser dirigidas a outros endereços postais, então McCain é culpado de outro pecado, a falta de espírito de liderança. Essa talvez tenha sido a diferença entre as duas cantidaturas: Obama contagiou o partido democrata com a sua marca de água; McCain deixou-se a afogar no pântano do partido republicano. É certo que os nossos inimigos estão sempre mais perto de nós do que os adversários, mas exigia-se muito mais a McCain, até porque um dos temas mais fortes da sua mensagem era a limpeza de Washington. Ora, se nem o partido republicano McCain conseguiu limpar...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Revisão

Entretanto estive a rever o meu último post e postei lá no Estado Civil uma versão melhorzinha.

Agora que o Jameson já desceu

O Pedro Mexia foi particularmente eficaz ontem no Governo Sombra a colocar alguns pontos de interrogação na euforia do João Miguel Tavares. O argumento era de peso: o século XX ensinou-nos a moderar as reacções emocionais à política (o século XX e toda a carreira política de Santana, acrescento). Não sou imune nem totalmente descrente em relação ao poder do carisma político, mas se fizermos o esforço (porque é preciso algum) de olhar para Obama para além da emoção é evidente que sobram mais dúvidas do que convicções. O Vasco Barreto já tentou resolver a questão dizendo que «precisamos da dúvida para continuar a viver», que é uma frase muito interessante na sua dimensão catequética, mas que pertence mais às estantes que não dizem «Política» no cabeçalho. Nós, os não deslumbrados, servimos para isto: para alertar para o facto de que do outro lado estava uma carreira política sólida e que não traria muitas surpresas (infelizmente atolada no lodo em que se tornou o partido republicano), e que a juventude de Obama - não tanto a sua «inexperiência» - é um factor com o qual ele terá de lidar. Eu estou um bocado como estava o Eduardo Prado Coelho em relação à fé: quero acreditar, mas julgo que não me foi concedida a graça.

Aparte disto tudo, está a celebração - incontestada - da eleição do primeiro afro-americano para a presidência, só por si uma prova de que ainda podemos confiar nos EUA para nos continuar a ensinar esta coisa que é a democracia.

Juro juro

A primeira coisa que ouvi na rádio depois de acordar - e atenção que eu acordei às 8 da manhã - foi, juro, «José Sócrates foi dos primeiros líderes mundiais a congratular Obama.»

Até amanhã

Acabou-se o Jameson. Ainda estou acordado. Vou imediatamente tratar disso.

Ai está, confirma-se

Aí está, confirma-se: Obama nos oitavos de final.

Ralph

Acho muito estranho este entusiasmo de pessoas como Miguel Portas ou Rui Tavares com Obama: então e Ralph Nader?

5%

Oliveira e Costa: «pode-se dizer, com nenhuma dúvida, que Obama é o 44º presidente.» Aqueles 5% fazem toda a diferença.

Oliveira e Costa

Quero daqui deixar a minha nota de desagravo pelo comportamento dos portugueses: tivéssemos nós tido o mesmo empenho com Kerry e teríamos neste momento uma primeira dama portuguesa.

Projecções

Estou bastante desiludido com o facto de Oliveira e Costa não ter falhado nenhuma projecção esta noite.

Oliveira e Costa

O Nuno Rogeiro acabou de empregar a palavra «encrenca»,

Biden

O Nuno Rogeiro acabou de dizer uma grande verdade - isto é matéria para manchete, acreditem - Biden foi o rei da gafe desta campanha (sim, sim, mesmo considerando Palin, acrescento eu.)

Oliveira e Costa

Tenho imensa coisa para postar, acreditem. Imensas opiniões originais sobre isto tudo.

Oliveira e Costa

Vasco Rato na Sic-Notícias: é demasiado evidente que há ali lições de pronúncia e dicção urgentes e que Martim Cabral é o homem certo para a tarefa.

Paulo Bradley Portas

«Se por efeito Bradley se designa a situação em que o resultado efectivo não corresponde às sondagens, o CDS, em Portugal, também tem sido um exemplo deste fenómeno que agora é tão convocado...»

António Lobo Xavier, numa incursão dificilmente tolerada de «humor» lá no Abrupto

Sol(id)ário

A solidariedade de Luís Costa Ribas para como Obama é demasiado evidente no tom da sua tez.

Oliveira e Costa

O Oliveira e Costa deve ter ingerido mais Jameson do que eu: afinal de contas, o Sporting está naquilo dos oitavos de final pela primeira vez.

Oliveira e Costa

A minha mulher deu prioridade ao sono. Estou sozinho com o Jameson. Não liguem às vírgulas.

Oliveira e Costa

Depois de tudo, esta é uma noite relativamente imune a surpresas. A crise económica desequilibrou a balança o suficiente para retirar emoção a este photo-finish. E vai daqui uma previsão (que falhará como todas as que fiz sobre Obama): o discurso da noite será de McCain (vencido).

Crespo

Mário Crespo acabou de declarar que as coisas «triplicaram de preço em cerca de três vezes nos últimos cinco anos». Vicissitudes do directo. Mas que não haja nenhum engano: Crespo é o our guy in Washington. Mesmo ali ao lado, como termo de comparação, temos o inenarrável Costa Ribas.

Claro, se fosse eu a mandar

Então a minha «opinião»

A minha opinião, só para despachar o assunto. Antes da campanha começar, votaria McCain. McCain é das personagens mais interessantes da política americana dos últimos tempos, e um exemplo em tantos sentidos que não vale a pena aqui escalpelizar. Mas não se vota só no homem, vota-se no partido. E o input do GOP nesta campanha (naquilo que não se deveu a McCain) foi lamentável. Portanto, e porque não sou insensível a todo o charme de Obama, e porque acho que um presidente negro é um grande passo para a humanidade, não me importo que Obama ganhe. Estou, não sem vergonha, numa win-win situation. Mas sem esquecer a questão Oliveira e Costa.

95% de certeza

Já cá estou, mundo. E o Rui Oliveira e Costa também, ali na Sic-Notícias. Não escondo: o momento que mais espero hoje é uma reedição daquilo que se passou há 4 anos, quando Oliveira e Costa exclamou, lá para as 3 da manhã, que «com base nos resultados conhecidos, posso afirmar, com 95% de certeza, que John Kerry é o próximo presidente dos EUA.»

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Weiszmania



Roubado ao Alexandre Soares Silva. E já que aqui estamos, Superman, de Gus van Sant

Eu não sou de intrigas

Mas já vi que na capa da LER está Miguel Esteves Cardoso. Estou em pulgas: depois do João Padeiro (Visão) e do Porto de Santa Maria (Sábado), onde foi que levaram MEC a almoçar desta vez?

Obama

Estou cheio de medo que o Obama não ganhe.

domingo, 2 de novembro de 2008

4-4-2

Sem querer dei por mim a pensar nas razões que me levam a manter um blogue há mais de cinco anos. Sem querer, porque não gosto de pensar ao fim-de-semana sobre coisas que não se relacionem directamente com o Benfica (que amanhã joga no sempre difícil D. Afonso Henriques, não olvidar). Essas deambulações levaram-me a muitos sítios, quase todos não recomendáveis, embora entre eles estivesse a pergunta «o que é um blogue?» Ouvi no outro dia uma definição hiper tecnológica de «blogue» que me repugnou, como «plataforma» e não sei o quê, como se um poema se pudesse definir como «um conjunto de frases curtas, ocupando cada uma delas uma linha de texto, que podem rimar ou não, organizadas em sub-conjuntos de cadência mais ou menos regular». Concedo que um «blogue» pode ser «um suporte»; mas só na medida em que reconhecer as especificidades desse suporte se torna essencial para que se perceba o que é realmente um blogue e o que leva tanta gente a blogar.

Não me vou debruçar - até porque não gosto de me debruçar, regra geral - sobre a blogosfera como fenómeno sociológico, e essas merdas. Por isso é provável que muitas das asserções que vou aqui fazer não façam sentido quando testadas contra alguns tipos de blogues, porque os blogues que me interessam são muito limitados em número e género, formando um grupo formalmente mais ou menos homogéneo.

Antes de mais, um blogue é uma voz. E como qualquer voz, para além daquilo que expressa, do seu conteúdo material, tem um tom. Um tom que revela mais sobre o seu autor do que qualquer outra coisa. Esta é a principal diferença entre um blogue e - talvez o seu género mais próximo - a crónica (a opinião, se quisermos). Num blogue não há só opinião: há estados de espírito que não se tentam controlar. Mas que estados de espírito são esses? São reais? Manipulados? Genuínos? Fabricados? O autor de um blogue, quem é? Que distância medeia entre a pessoa e a pessoa que escreve o blogue?

É mais ou menos aceite que um blogue nunca revela a verdadeira pessoa que o escreve, que há um filtro, ou vários filtros (que se alternam), que ajudam à criação de uma personagem autoral. Este argumento parte de um princípio duvidoso: o de que existem pessoas para além das personagens. O de que existe algo em cada um de nós que se pode assumir como o verdadeiro eu, ou uma merda assim. Não sei onde as pessoas vão buscar uma ideia tão radical. Não é preciso ser-se Fernando Pessoa para se saber que nós não existimos como uma identidade indivisível. Os nossos comportamentos mudam conforme os contextos. As nossas opiniões moldam-se ao meio envolvente. A linguagem - e o próprio pensamento - é camaleónica. O mesmo assunto tem tratamentos diversos se estamos a conversar com a nossa sogra ou se estamos na caixa de comentários de um site obscuro. E qual deles é o mais real, o mais verdadeiro? E será que esta mania de acabar os parágrafos com uma pergunta é para manter até ao fim do post?

Não sabemos. O que sabemos - falo por si, leitor - é que as coisas nem sempre correm como esperamos. Quando estamos na presença de outras pessoas o espectáculo costuma ser sem rede, e às vezes tropeçamos e caímos, e não há volta a dar. O arrependimento é uma constante do dia-a-dia. Damos frequentemente de nós próprios uma imagem não editada, indesejada. Porquê? Será esta pergunta o fim do parágrafo? Não é. Damos frequentemente de nós próprios uma imagem indesejada porque estamos constantemente a construir essa imagem. A alterá-la, a ajustá-la, a corrigi-la. E como tudo o que nós fazemos, não é perfeito. É um processo consciente - parte dele - e quem não o faz não costuma ser tolerado socialmente, e nós queremos ser tolerados, se puder ser até amados. O blogue é apenas mais uma dessas imagens.

Apenas mais uma dessas imagens? E queres ver que agora as perguntas passaram para o início dos parágrafos? Não é apenas uma dessas imagens, é provavelmente a melhor, a que corresponde mais àquilo que queremos ser, mesmo se temos testículos e assinamos «Marlene» (ainda que nesse caso uma visita a um terapeuta não seja totalmente descabido). Não só àquilo que queremos ser, mas àquilo que somos de facto, sem a vulnerabilidade que são os outros. Os outros atrapalham-nos na nossa busca de glória pessoal. É um facto. O bullying é constante e omnipresente, o que varia é apenas - como diria Pôncio Monteiro - a intensidade. O que tem graça é que aquilo que queremos ser é indissociável do modo como os outros nos vêem. No fundo, queremos que os outros olhem para nós, mas para uma versão que nós achamos mais condizente connosco próprios. É como o choque que é vermo-nos na televisão ou em fotografias: aquilo que ali está não sou eu. Nunca é, porque é sempre o resultado de uma observação de fora para dentro, e como nós sabemos a beleza está toda em observar de dentro para fora. O blogue é assim a oportunidade de forjarmos quotidianamente a nossa verdadeira projecção identitária, e o aparente paradoxo aqui presente remete-nos para Batman. Batman é Batman ou Bruce Wayne? Bruce Wayne existe para além de Batman? Nós sabemos que não, mas se Bruce Wayne não tivesse inventado Batman, então nunca saberíamos que Bruce Wayne era Batman. Viveríamos na ignorância que seria acharmos que Bruce Wayne era apenas Bruce Wayne. Ainda bem que esta questão ficou clarificada.

Até porque Batman é um anti-herói, e um anti-herói é, segundo a Wikipedia, «alguém que protagoniza atitudes referentes às do herói clássico, mas que não possuem vocação heróica ou que realizam as façanhas por motivos egoístas, de vaidade ou de quaisquer géneros que não sejam altruístas.» A questão do não-altruísmo do anti-herói (que, relembro, somos nós, de onde se conclui que o altruísmo é um conceito inatingível por natureza, uma contradição nos termos, não puxem por este assunto porque isto já me valeu um discussão interminável noite dentro sobre a Madre Teresa de Calcutá, e acreditem que fiquei vacinado) remete-nos para Agustina. Porque no fundo vem tudo na Agustina.

Agustina diz que não escreve para ter amigos, mas para ter leitores, e que o seu objectivo é incomodar o maior número de pessoas. A questão do narcisismo explica-se pela necessidade que quem escreve tem em estar seguro de que isso vale a pena. Esta busca de uma identidade mais focada é arriscada e até um certo ponto indesejada. Quem nos garante que o manto de artimanhas que temos ao nosso dispor para viver uma vida relativamente tranquila e livre de conflitos - a honestidade, por exemplo, é uma qualidade absurdamente sobrevalorizada - pode ser assim dispensada tão facilmente? Escrever - aqui na versão «escrever um blogue» - é ir fazendo uma purga dessas habilidades sociais que fazem a intermediação entre nós o mundo, com o objectivo de fazer colidir sem almofadas essas duas entidades. Para o fazer temos de acreditar que vale a pena, que alguém - para além de nós - está à espera que o façamos. Acreditar nisso é sempre um pouco irreflectido, e revela o tal narcisismo. Que isto tudo se faça às custas da criação de uma personagem só aumenta o seu interesse.

Disse que o objectivo disto é fazer-nos colidir com o mundo. Este é um dos factores mais importantes: um blogue não pode ser umbiguista, ou apenas umbiguista, nem lírico, nem poético, nem obcecado com a nossa vida interior. Um blogue tem de ser sempre sobre a relação entre uma pessoa e a cultura, e o que se espera é que desse confronto, tal como no Acelerador de Partículas, nasça qualquer coisa que ainda não tinha sido observado. Um blogue não pode ser sobre nós, nem sequer sobre os nossos amigos. Tem de ser - sempre - sobre merdas que interessam às outras pessoas - e parte-se do princípio que as outras pessoas também não estão interessadas nelas próprias - para que se reúnam as condições para o diálogo. Porque, narcisismos à parte, estamos aqui para dialogar, para aprender. Se não estivéssemos aqui para dialogar, estaríamos a escrever para a gaveta, ou para o moleskine, ou para páginas e páginas de romances que nunca seriam publicados por manifesta falta de talento. Queremos que os outros reajam, que se manifestem, que nos insultem, que nos adorem. Mas que nos insultem e nos adorem com base nos argumentos que nós fornecemos. Isto faz toda a diferença.

Quem começa a escrever um blogue na ilusão de que tem algo a dizer ao mundo que o mundo não pode deixar de ouvir, começa mal. O mundo, e isto é uma das lições mais importantes a tirar disto tudo, está-se nas tintas para nós. O que reforça a ideia da necessidade de uma certa ficcionalização de nós próprios. Na ficção podemos criar um mundo que não se está nas tintas para nós. Um blogue tem de partir sempre desse princípio: o de que não é apenas o nosso nome que esconde uma caracterização de bastidor. Aquilo que é objecto dos textos de um blogue é também uma certa ficcionalização da realidade, nem que seja por uma questão de escala e de tempo. Os nossos preconceitos são muito úteis nessa redução de tudo o que se mexe a dois ou três aspectos. Porque com dois ou três aspectos ainda conseguimos fazer um malabarismo minimamente interessante para quem lê sem deixar cair as bolas, e o que nós mais desejamos é entreter a audiência. Preferes ser amado ou respeitado? Eu sei que sacrifico de bom grado o respeito.

sábado, 1 de novembro de 2008

Atenção

«O que anda a ler?

Estou a ler Lacrimae Rerum, de Slavoj Zizek (...)»

Paulo Pires, Actual 1-11-2008

Intelectual curiosity