quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Movimento Intelectuais Pelo Sim

Alguém alertou o Pedro Mexia para a impopularidade intelectual da sua posição no próximo referendo («não»). Os intelectuais, segundo B., são pelo «sim». Os intelectuais, logo, não são pelos argumentos mas pelas causas. Os intelectuais, dir-se-ia, abandonam o pensamento quando a ideologia se aproxima. Os intelectuais (como os comunistas e os benfiquistas) devem unir-se do seu lado da barricada contra as posições dos não-intelectuais. Isso não é lá muito intelectual, pois não?

Para desanuviar, um intelectual: os podcasts do Diogo Mainardi.

Na imprensa

As linhas divisórias da despenalização, uma boa análise da situação que nos conduz ao «sim, por Vicente Jorge Silva.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Chama-se a isto «autoridade moral»

Tiago: parece-me que vives na ilusão de que quem manda no teu blogue não são as mulheres. Chega a ser enternecedor, isso.

Declaração de interesse

Já cansa ouvir os sins a gritar que a questão essencial aqui é a despenalização.

Talvez até seja. Mas é desonesto esconder que a resposta tem muito mais implicações do que a mera despenalização.

O problema da discussão sobre o aborto surge da circuntância de não existir coerência em soluções intermédias. Até o Prof. Marcelo irá percebê-lo, um dia. Ou seja: com a despenalização chegam as clínicas privadas, mas, num sistema tão estatocêntrico como o nosso, de tão fraca concorrência e com agentes económicos tão indolentes, não poderá deixar de ser o aborto, ou a cosmética IVG, praticado nos hospitais públicos. Afinal, ou bem que chega a todos, ou bem que se deixa o mercado negro tratar do assunto.

Assim, com a despenalização chegamos à liberalização, admitimos a possibilidade a cada mulher de praticar livremente o aborto até às dez semanas, oferecemos-lhe a possibilidade de o fazer e financiamos a mesma com os nossos impostos. E desta consequência não podemos fugir.

Ora, para quem considera que a proibição do aborto é um imperativo moral, e que, como tal, o Estado tem de tomar uma posição sobre o assunto, a liberalização é algo que tem de ser muito difícil de aceitar.

Como tal, há que ter respeito pelos nãos e convencê-los com um argumento que esteja ao nível de um imperativo moral. Há que responder com outro imperativo moral, com a necessidade absoluta e imperativa de pôr fim a um flagelo. É absolutamente nojento o que se passa em Portugal com a prática, tolerada por todos, do aborto ilegal. E o que é facto é que não oiço nenhum não a bater-se tão furiosamente por este imperativo moral como se batem pela protecção da vida intra-uterina. E chamem-lhe assim, porque no útero às dez semanas não está uma pessoa, está um potencial de vida humana que também quero proteger mas que não se sobrepõe à minha vontade de acabar com pinças em alguidares ensanguentados que passam de um útero ao outro a troco de cem contos. E, neste momento, não consigo conceber, por muita ginástica jurídica que faça e por muito que oiça o Prof. Marcelo esforçando-se no mesmo sentido, uma situação intermédia que ponha fim ao flagelo.

Desta forma, por caridade, voto sim.

SIM, pela minha mulher.

Ajuntamento

O Carmo e a Trindade é um blogue sobre Lisboa que junta gente demais para passar despercebido. A seguir.

Encontrei o remoto

Boa noite. E o passe do Rui Costa.

Orçamento?

Vital Moreira - (...) porque a pergunta do orçamento (...)
José Pedro Aguiar Branco - Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento? Orçamento?

Há que invejar o vocabulário do Vital Moreira

Agora sou eu a contorcer-me.

Não se pode abatê-los?

Há jovens sentados no chão, espalhados pelo palco, amontoados nos cantos.

E o Fernando Santos também se indigna

Acabei de ver o Vasco Rato a contorcer-se de dor por reconhecer que tem de concordar com o Vital Moreira.

A Laurinda Alves também sabe indignar-se

Mas não chega aos calcanhares da Lídia Jorge.

Esta é que é a questão essencial

O passe do Rui Costa para o golo do Simão. Esta é que é a questão essencial. E o José Pedro Aguiar Branco.

Estou para perceber o que é que me deu na cabeça

É só encontrar o remoto e vou para a cama.

Está neste momento agora a falar um indivíduo que a minha mulher considera «sexy»

Parece que foi professor dela.

Direito à indignação

Gosto muito do José Pedro Aguiar Branco. Concordo com tudo o que diz. Este público (olha a Lídia Jorge indignada, indignou-se agora a Lídia Jorge com alguma coisa que o José Pedro Aguiar Branco disse, que eu não ouvi dado estar a escrever sobre a indignação da Lídia Jorge) não o merece. No entanto, continuo a votar no quadrado diferente.

E a Fernanda Câncio também

Estou curioso para ouvir como se fala sem maiúsculas.

Está ali a Lídia Jorge

«Deixe-me terminar, deixe-me terminar»

Então não era interromper? Vamos lá recentrar.

Também quero recentrar

Esta gente é obcecada pelo centro. Devem pensar que ele existe e é um ponto bem definido. Deve ser um trauma sexual.

Como disse?

Vasco Rato: Vamos recentrar o debate na questão essencial.
Fátima: Que para si é a despenalização.
Vasco Rato: Não é para mim, é a questão.

Olhó gambozino

«O senhor é um dos poucos portugueses que se assume de direita», Fátima Campos Ferreira dirigindo-se a Vasco Rato.

A questão essencial é esta

Acabo de ligar a televisão e reparo que o Prós e Contras reúne luminárias sobre o aborto. Indivíduos do sim, indivíduos do não. Uns falam, outros emitem sorrisos de desprezo. Uns emitem sorrisos de desprezo, outros falam. Resisto. Resisto mais ainda. Temo que se não desligar a televisão nos próximos minutos a abstenção acabará por ganhar mais um voto. Arre.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Tag

HRH

The Queen, the Stephen Frears: uma interpretação de Helen Mirren directamente para o óscar. Um dos meus preferidos deste ano, lá bem ao lado da Little Miss Sunshine.



Que se lixe o filme: qualquer mulher de 61 anos que ainda consiga apresentar um decote destes merece um óscar.

sábado, 27 de janeiro de 2007

«Não são razões que me deixem inteiramente confortável.»

O limite dos argumentos, uma óptima crónica do Pedro Lomba sobre o referendo, que reflecte aquilo que penso e a posição onde me encontro. Gosto particularmente do tom, deste reconhecimento da nossa falta de certezas, falta de posicionamento, se quisermos, que é resultado directo da despolitização da coisa. No fundo, e porque isto é uma questão de consciência, temos que perceber que estamos sós, que mais do que em qualquer outro caso não devemos deixar que um grupo decida por nós, ou sequer connosco. Se conseguirmos ignorar o barulho do fogo cruzado, se nos abstrairmos do lado do não e do lado do sim, acho que chegaremos todos onde o Pedro Lomba chegou: a uma incerteza infinita sobre a qual teremos de decidir. E, como é óbvio, neste caso as razões, sejam elas quais forem, nunca nos poderão deixar inteiramente confortáveis.

Q&A

Através do Tiago Mendes, chego a este desafio do Carlos Guimarães Pinto.

1. Concorda com a realização do referendo e a formulação da pergunta?

(1) Sim, dado o anterior referendo: em abstracto aceitaria que o assunto não fosse referendado, mas essa hipótese já não se põe. (2) Sim. Por muitas voltas que se dêem, algo ficaria sempre de fora, ou vago, ou indeterminado. Esta pergunta resume o essencial.

2. Qual a pena que pensa que deveria ser aplicada a mulheres que abortem com 3 meses de gravidez? E 6 meses?

Deve haver uma pena (não-criminal). Não sei é qual.

3. A partir de que período da gravidez deverá a mulher ser punida criminalmente pelo aborto?

Nunca. Mas sou a favor de algum desincentivo legal.

4. Considera que o aborto deverá ser realizado e suportado pelo Serviço Nacional de Saúde?

Realizado, sim; suportado, não (só nos casos onde a própria pessoa não o pode manifestamente fazer).

5. Tem algum tipo de oposição moral à prática do aborto?

Tenho, toda. Votarei «sim» por duas razões fundamentais: o aborto clandestino e a convicção de que o Estado não deve ser purista nesta matéria. Votarei «sim» e reservar-me-ei o direito de condenar moralmente quem faz um aborto até às 10 semanas. Não sou de ferro e considero o aborto, por exemplo, por parte de quem quer «adiar a maternidade» uma prática perfeitamente irresponsável e condenável. A alteração da lei não alterará a natureza do acto, apenas o regulamentará. O aborto continuará a ser, na minha cabeça, um acto último de desespero. Quem o fizer de ânimo leve não merecerá o meu respeito (contrariamente ao que alguns partidários do SIM vêm defendendo, há pessoas que o fazem de ânimo leve, e não são assim tão poucas). Resta-me o consolo de que, com a aprovação da lei, esse acto irresponsável não estará também a pôr em risco a vida da mãe.

6. Caso o SIM vença e o referendo não seja vinculativo, aceitaria a realização de um novo referendo nos próximos 10 anos?

Teria de aceitar, claro.

7. Caso o NÃO vença e o referendo não seja vinculativo, defenderia a aprovação da lei no parlamento?

Não.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

O meu sofá

O Tiago Galvão resolver tecer considerações sobre o meu sofá. Para o Tiago e para o mundo, aqui fica uma imagem do dito cujo, retirada do catálogo virtual da marca (Tiago, vai lá dar uma espreitadela, acho que vais gostar):



Pronto. Isto é o meu sofá. Julgo ser óbvio que as costas rebatem formando uma cama de dimensões generosas (1.00 x 2.00 metros, revelo). Ninguém no seu prefeito juízo temerá «dormir» neste «sofá». Ou seja: não há nenhuma «represália» em cima da mesa. Estás perdoado.

Quanto a essa coisa do «pau mandado», deve estar a chegar à tua caixa do correio a minha proposta. Julgo ser suficiente para gerar a simpatia do teu silêncio. IVA incluído.

Gonçalo Byrne

Gonçalo Byrne entrevistado por Carlos Vaz Marques.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O génio da lâmpada

Um site que adivinha o que queremos ouvir: musicovery.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Exactamente

O que está em causa não é, em primeira análise, saber se o aborto é “certo” ou “errado”, mas se o Estado deve punir uma mulher que aborte.

Tiago Mendes, mais conhecido por ser o porta-voz oficial deste blogue no que toca ao referendo, no Diário Económico

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Convincente

Se repararem, aqui em baixo terei iniciado uma série sobre o próximo referendo e às razões que me levarão a votar «sim». Acontece que o blogue do Tiago Mendes sobre o assunto é tão bom que me deixa constrangido ao ponto de questionar a validade do que terei a dizer sobre o assunto. É que não é todos os dias que se vê um economista escrever assim tão bem, com elegância e serenidade (este sim). Façam o favor.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Sim (1)

O meu «sim» está ancorado numa premissa fundamental: o «não» só é defensável por parte de quem quer ver aplicada a presente lei, ou seja, por quem considera que o aborto deve ser um acto punível criminalmente. A partir daqui, começamos a discutir os pormenores.

O que eu direi também

O Tiago Mendes diz logicamente, sim.

domingo, 21 de janeiro de 2007

Moderação

Referendo sobre o aborto, de Anselmo Borges.

sábado, 20 de janeiro de 2007

TLEBS

Sexta-feira, Janeiro 19: o dr. Vital Moreira utilizou a expressão: «assaz pífios».

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

E ainda não me apercebi em que dia escreve o maradona para o Metro

É claro que é uma espécie de dream team politicamente correcta, e que supostamente não há «esquerda» nem «direita» neste assunto (estou convicto disso). Mas a verdade é que conto 9 pessoas de esquerda para 4 pessoas de direita (são sei para que lado tomba o M. Jorge, assim de repente, e não sabendo bem quem é apesar de conhecer o nome de algum lado, diria esquerda), o que dá vitória à primeira volta. E, se calhar mais importante do que isso, são 11 homens para 3 mulheres. No que me toca a mim, há a surpresa de ver reunidas em blogue 8 pessoas que gosto muito de ler. Vendo bem, só dispenso um dos nomes. É obra. E também há a saudar o regresso, ainda que fugaz, do Ricardo Araújo Pereira à blogosfera, de onde nunca deveria ter saído.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Estou no Rossio a festejar na fonte



When Mies was appointed director of the Armour Institute (founded in 1893, later renamed the Illinois Institute of Technology), Wright was asked to give an introduction. Recollections vary on what happened next, but most agree that Wright got up before the assembled dignitaries and said, in a pointed reference to Wright's own influence over the development of Modern Architecture in Europe, 'I gave you Mies van der Rohe', and sat down.

Frank Lloyd Wright, Robert McCarter, Reaktion Books, 2006

Uma moedinha

À porta de casa, um senhor (eufemismo) vestido de preto e com um cão pela mão diz-me qualquer coisa que não percebo. Tiro os headphones do meu iPod capitalista e opressor e peço-lhe para repetir. Pede-me dinheiro para o jantar dele, e do cão. Lembrei-me do Pedro Lomba e do seu saudoso Flor de Obsessão e pensei em dar-lhe uma moeda. Para o cão.

Ainda assim, não dei nada.

Hábito

À saída do metro reparo num homem e numa mulher que vestem uma capa preta. Fico sem saber se são membros de uma tuna ou se são apenas magistrados.

Uah ah ah, e a galáxia será nossa*

Arquitectos com autoria exclusiva de projectos a partir de 2012

Mais a sério: isto, apesar de justo, mudará pouco. Quase nada, acrescento. Talvez se possa acrescentar na tabela para o cálculo dos honorários para obras públicas uma nova categoria de obra, que seria a quinta: «assinatura». A única esperança é que a alteração da lei provoque a alteração das famosas mentalidades...

P.S: O Manuel Pinheiro e o Picuinhas, que durante a pré-história da blogosfera fizeram o favor de discutir comigo o assunto, estão agora os dois no cachimbo de magritte, onde por certo e nos próximos dias expressarão o seu descontentamento. A seguir.

* Ler em tom de garagalhada demente

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Ri-ti-ti

Ui.

Baixem-se, todos para a trincheira, que isto é estilhaços a voar por todo o lado.

Errata

O Mexia não é baixo.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Annie Leibovitz



A Annie Leibovitz esteve na obra do novo edifício do New York Times, de Renzo Piano, entre Julho de 2005 e Julho de 2006, e o resultado é este.

Exibicionismo

Entretanto acabei de perceber que este blogue já ultrapassou a barreira das 100.000 visitas. Pode não parecer muito, mas eu sou do tempo em que A Coluna Infame acabou com 80.000 visitas. São já três anos e meio e quatro blogues disto. Estas pequenas coisas importam. 100.000 visitas. Nem o Tiago Galvão consegue esta proeza (o pirralho não tem sitemeter.)

Efeméride

Quinze de janeiro de dois mil e seis: a internet chegou ao lar. Incautos, tremei. Estamos de volta, agora em força.

Efeméride

Quinze de janeiro de dois mil e seis: a internet chegou ao lar. Incautos, tremei. Estamos de volta, agora em força.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Um post sereno

O blogue do não, enfim, anda a fazer uma boa campanha pelo sim. Desta vez a Sara Castro trouxe para cima da mesa um livro que, nas suas palavras, «não deixará ninguém indiferente». Trata-se da «abordagem serena» do João César das Neves sobre o aborto. Não li o livro, não tenciono lê-lo, mas o facto de ver «abordagem serena», «João César das Neves» e «aborto» na mesma frase levou-me a ler o parágrafo que a Sara nos oferece. Reproduzo-o (cá está, já não fiquei «indiferente»):

«este debate é o teste em que a nossa geração vai provar a sua dignidade e a sua elevação. A luta por numa sociedade digna e uma vida com sentido trava-se hoje neste campo. [...] O debate à volta da despenalização do aborto não é uma simples discussão política. Trata-se de um confronto civilizacional decisivo, em que se joga o\nfuturo da nossa sociedade. O que está em causa não é a sorte de algumas pessoas, mas toda a nossa cultura, porque as posições que se digladiam são duas formas opostas de ver o humano».

Uma geração a «provar» a sua «dignidade»? Um «confronto civilizacional decisivo»? «[F]ormas opostas de ver o humano»? Alguém tem de explicar ao João César das Neves que a serenidade da escrita não se resume à ausência de pontos de exclamação.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Imagens reais

Como não amar este espírito?



Yet Wright's publication of these two seminal designs in The Ladies' Home Journal, a popular women's magazine with a national readership of one million (...) and great influence among homemakers, rather than in a professional architectural journal, was nothing if not carefully calculated. Indeed, for the rest of his career Wright would consistently present his designs for domestic living to the widest possible audiences - direting his accompanying texts to those considering building their own homens, and to home building companies, rather than to the architects who might be employed to design them. Through the Ladies' Home Journal, House Beautiful, House and Garden, House and Home, Life and other homemaker magazines (...) he developed long and close relationships, Wright presented his ideas directly to potential clients, while also avoiding being represented as part of a larger a more anonymous architectural profession.

Frank Lloyd Wright, Robert McCarter, Reaktion Books, 2006

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

In the morning*

Round 1

Um dos defeitos constitucionais mais gritantes reside no direito à greve. Não no direito de fazer greve propriamente dito, mas no vazio legal que é a não referência ao direito de ripostar por parte do grevado**.

Round 2

Não os podemos criticar. Afinal, é a primeira greve deste ano***.

Round 3

Por causa disto tudo, vim a pé. Pelo caminho escrevi mentalmente variadíssimos posts, dos quais só me lembro de um. Sorte vossa que ainda não comprei o Moleskine 2007.

* Razorlight.
** grevado - aquele que é atacado durante uma greve.
*** esta piada é da minha mulher.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Indignação

Torna-se necessário denunciar o embuste. Casei-me com uma «mulher profissional», «perfeitamente emancipada», e tinha precisamente em vista um dia-a-dia como o aqui descrito por João Pereira Coutinho, como é óbvio. Mas não. Homens solteiros meus leitores, cautela: isto é falso. A realidade apresentou-se de um modo bem diferente. Eu próprio já dei início às diligências necessárias à anulação do casamento. Vivo tempos difíceis. De qualquer maneira, fica aqui o texto do JPC. Façam circulá-lo pelos vossos amigos. Isto é pior do que os raptos de órgãos nas casas de banho de centros comerciais.

7:00h

Ela: Acorda, levanta-se.

Eu: Acordo com movimentações no quarto, viro para o outro lado e adormeço com um sorriso infantil.

8:00h

Ela: No interior do carro, no meio do trânsito. Celular frenético.

Eu: Durmo ainda. Celular desligado.

9:00h

Ela: Reunião com colegas de trabalho. Discussão. Neurose. Ritmo cardíaco já está acelerado.

Eu: Durmo ainda. Celular desligado.

10:00h

Ela: Pausa para café. Conspiração contra as outras mulheres. Transpiração evidente. Stress. Queda capilar. (Lepra?)

Eu: Acordo. Olho para o relógio. "Ainda é cedo", penso. Adormeço.

11:00h

Ela: Estuda dossiê complexo que exige relatório até às 17h. Sem falta.

Eu: Banho demorado. Gabriel Fauré a rolar no stéreo.

Meio-dia:

Ela: Almoço. Sandwich de pepino. Suco de cenoura. Em meia-hora.

Eu: Almoço demorado com alguns amigos em restaurante do centro. Duas garrafas de vinho só para o primeiro prato. Brindamos à revolução feminista que levou as mulheres ao poder.

13:00h

Ela: Regressa ao escritório. Sete chamadas telefônicas para responder. Com urgência, sempre com urgência. E o relatório até às 17h.

Eu: Comecei o segundo prato. Favor não incomodar.

17h:

Ela: Enxaqueca. Forte. Relatório concluído. Infelizmente, com erros de cálculo. "Gostaria que a doutora viesse ao meu gabinete", avisa o chefe. Ou a chefe. Melhor ser a chefe. A doutora vai, com a alegria própria de um farrapo.

Eu: Um filme antigo de Minelli na tv. Assisto, antes de ir à massagem com ninfa asiática que dedilha meu corpo com sabedoria secular.

20h:

Ela: Regressa a casa, vinda diretamente da Somália.

Eu: Regresso a casa, vindo diretamente da massagem. Pergunto "Como foi o teu dia, querida?"

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

«Uma história simplista»

Uma pausa na pausa só para vir dizer que tenho ido ao cinema, obrigado. The Departed, por exemplo, mas só fiz o meu blogger log-in para poder executar o copy/paste deste parágrafo do Ricardo Gross sobre Babel, que me parece extremamente pertinente.

Babel é um filme interessante mas também desonesto. Já conhecíamos os recursos visuais da dupla Alejandro González Iñárritu (realizador) e Rodrigo Prieto (director de fotografia) e Babel volta a ser estilisticamente desembaraçado, eficaz e vistoso. O problema, quanto a mim, é que no seu moralismo à escala global, no seu simplismo dramático (o que aqui se filmam são personagens como se fossem pessoas comuns que nunca chegam a ter espessura psicológica, tornando-se meros peões de uma dramaturgia que parece assentar na Lei de Murphy: tudo aquilo que pode correr mal...), este filme de Iñarritu estabelece um jogo perverso com o espectador, baralhando as coordenadas temporais e alimentando uma certa desinformação, para capitalizar na chantagem emocional que visa agitar a nossa má consciência de cidadãos privilegiados a habitar um mundo em profunda crise de valores. Em determinados momentos, a manipulação vai a pontos de evocar situações dramáticas universalmente reconhecíveis como o drama dos refugiados mexicanos que procuram atravessar para os Estados Unidos ou aquela cena que a TV ajudou a fazer chegar ao mundo inteiro e que mostrava um pai e um filho palestianianos apanhados num fogo cruzado que acabaria por matar um e depois o outro. Parece-me de facto desonesto reproduzir este tipo de situações quer para garantir maior impacto emocional pela inversão de papéis (aqui são duas crianças americanas mais a criada mexicana que ficam perdidas no deserto, enquanto que do outro lado do oceano, mais concretamente em Marrocos, os pais vivem uma situação dramática equivalente), quer para efectuar a mais simplista evocação do desespero e da impotência paterna de modo a deixar claro quem são as vítimas e no lado oposto a identidade abstracta de todo um mundo que movido por interesses de uma escala onde estes não cabem, acaba por conspirar para a sua desgraça: o mecanismo aqui é de tipo Efeito Borboleta. E Babel consegue tão plenamente os objectivos, quanto já viu reconhecidos os seus méritos em Cannes - de onde saiu com um prémio de realização - e se prepara agora para tomar de assalto os Óscares entregues no final do próximo mês. Babel representa aquele tipo de filme que permite ao espectador, tanto mais ocidental melhor, fazer a catarse da sua culpa por fazer parte deste mundo doente e em nada contribuir para que as coisas sejam diferentes. Pela parte que me toca, admiro algumas imagens mas repudio o messianismo e a exibição da consciência moral do senhor González Iñárritu.

E, já agora, deixo uma foto de Cate Blanchett (em primeiro plano):