quinta-feira, 21 de maio de 2009

On Kuta Beach

Uma das consequências da revolução sexual dos anos 60 (que chegou a Portugal nos anos 80) foi o aumento significativo da facturação das agências de viagens. Nos tempos anteriores à libertação o sexo estava reservado para o casamento, o que fazia da noite de núpcias, mas sobretudo das noites imediatamente seguintes, um acontecimento de grande transformação, descoberta e trauma. As «luas-de-mel» (eu não sei quem inventou esta designação, mas Campo Pequeno com eles já) eram assim muito mais sobre o que se passava dentro do quarto do que fora dele. Nesse sentido, era necessário que a lua-de-mel fosse passada fora da cidade natal, preferivelmente num sítio onde ninguém conhecesse os recém-casados, pacato, recatado, agradável, mas nada mais. Não é preciso percorrer muitos quilómetros seja de onde for para encontrar locais com estas características, e era isso que acontecia. Hoje isso mudou. Os noivos chegam ao casamento sem segredos sexuais; chegam já parceiros, como se diz, e nalguns casos quase fartos do corpo que têm ao seu lado. O fim da performance anxiety sobre a noite de núpcias alterou também o comportamento dos noivos durante o «copo-de-água» (Campo Pequeno com estes também) e o primeiro dia de casado costuma ser passado à procura do gurosan. A lua-de-mel, essa, não desapareceu do mapa e toda a gente se esforça para fazer dela uma viagem importante. Como já vimos, aquilo que se irá (ou não) passar no quarto já não reúne as condições para tornar a lua-de-mel em algo memorável e a aventura tem de ser encontrada lá fora. E lá vão eles, para 15 dias de «praia», de «selva», de «aventura», de «mar», de «cidade», de «saltos com rede», de «saltos sem rede», de «safaris», para a América do Sul, para a América do Norte, para o Sudoeste Asiático, para o Nordeste Brasileiro, para a Austrália, para a África Austral, para «experiências» e mais «experiências» e mais «experiências», desesperados para encontrar motivos para falarem daqui a uns anos da sua lua-de-mel com a mesma ternura com que os seus pais falam (o que não vai acontecer). Espero que não se note nenhum tom de condenação moral neste meu coiso aqui (porque não existe), mas confesso que não seria a mesma coisa se Ian McEwan tivesse escrito On Kuta Beach; no fundo, eu só estou preocupado com o futuro da literatura.