quarta-feira, 4 de junho de 2014

O nosso doble cinco



No dia em que a Argentina decretou o 6 de Outubro como o «Dia Nacional do Fado», ficámos a saber que Enzo Perez pode estar próximo de sair do Benfica. A confirmar-se, é um buraco que se abre no meio-campo da equipa mas também no coração dos adeptos. Faz sentido, isto do fado: há qualquer coisa nestes argentinos que faz deles muito nossos. Vimos isso com o Aimar, e vemos isso com o Enzo: não nos esqueceremos dos seus bons momentos no Benfica, mas os mais marcantes não foram esses, foram os outros. Não houve quem tivesse sofrido mais com o 513 (Maio de 2013) do que o Enzo: cada derrota deixou-lhe no corpo uma chaga. Nós vimos isso a acontecer; ao nosso sofrimento correspondeu sempre com dignidade o sofrimento dele. Nós chorámos, mas ele chorou primeiro. Cada dividida que ele disputava, como se fosse a última, era o nosso benfiquismo que também ia a jogo: mereceríamos nós aquilo? Estaríamos nós a fazer o suficiente para ter direito àquela entrega? Mas ele nunca nos exigiu nada, nem quando, depois de um azar que o destino - o fado? - lhe traçou nos primeiros meses de Benfica, com aquela lesão e as saudades - lá está - de casa, foi honesto e nos disse: «Quero voltar para o Estudiantes». O fado ensina-nos isso: por muito longe que estejamos de casa, estamos sempre muito longe de casa. E o Estádio da Luz ainda não era a sua casa, ser do Benfica não é uma coisa que se institua por decreto. Ele foi, mas voltou, perante o nosso cepticismo ignorante. Depois foi o que se viu: ai é preciso alguém para jogar a 8? Jesus tem mérito, mas do outro lado era preciso ter estado alguém que aceitasse a proposta sem medo. O Enzo aceitou, transformando-se num dos melhores doble cincos que o Benfica já viu. Cabrão do argentino, nasceu em Mendoza e veio para cá mostrar-nos o que é ser benfiquista.Vê-lo defender as cores da Argentina, a Argentina do fado de Lisboa, deixa-nos orgulhosos, mas custará sempre vê-lo com outra camisola que não o 35.