quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Nada de pastiches



O prémio Stirling é o mais prestigiado prémio britânico de arquitectura, e é atribuído anualmente a um edifício. O vencedor deste ano foi o Museu da Literatura Moderna, em Marbach am Neckar, Alemanha, obra desenhada por David Chipperfield. Para trás ficaram 5 outros edifícios, entre eles outra obra do mesmo Chipperfield, o espectacular edifício da America's Cup, ou a nossa Casa da Música. Pouco se tem falado deste prémio, que pode ser interpretado como um forte statement por parte do júri. Como qualquer outro prémio arquitectónico actual, o Stirling não tem conseguido evitar a sedução dos edifícios fotogénicos e ruidosos, dos ícones globais, dos edifícios que facilmente se podem identificar com a ideia de vanguarda arquitectónica. Prova disso é o facto de após terem sido conhecidos os 6 finalistas David Chipperfield ter-se assumido como favorito não com o edifício que acabou por ser premiado, mas com o edifício da America's Cup, formalmente mais ousado, mais vertiginoso, mais mediático. O edifício do Museu da Literatura Moderna é um edifício surpreendentemente silencioso e evocativo, que usa uma gramática arquitectónica quase clássica na sua proporção, da geometria básica e da simetria, do pilar cénico, etc (aqueles pilares não têm uma razão de ser estrutural, têm uma razão de ser puramente formal). Os materiais reforçam o conceito da materialidade e do peso, da resistência temporal à erosão, da solidez, do saber acumulado de séculos e séculos de construção. Tudo neste edifício evoca continuidade e evolução, e não ruptura e revolução, assumindo-se como herdeiro de um passado reconhecível, fazendo-o de um modo irremediavelmente moderno, contemporâneo, não deixando dúvidas sobre quem o fez e quando foi feito. Nada de pastiches, de mimetismos, de reproduções. É impossível não ver este prémio como uma reacção (e escolhi cuidadosamente a palavra). Que este edifício tenha sido construído para receber uma colecção de Literatura Moderna só reforça este seu carácter quase anti-moderno. O júri - e vamos nomeá-lo: Sunand Prasad, Alain de Botton (ah, ah, e esta?), Louisa Hutton, Tom Bloxham e Kieran Long - está de parabéns pela coragem. Porque foi preciso coragem, sem dúvida.