quinta-feira, 12 de maio de 2005

O aborto contra ataca

O Vasco Barreto re-publica um texto de 2003 sobre o aborto. É uma explicação moderada e fundamentada de uma posição pessoal a favor da despenalização do aborto, em Portugal, até às 10 semanas (ou 12). Só hoje o li decentemente, se por decentemente se puder entender uma leitura paredes meias com uma alheira e uma imperial. Nunca é demais dizer que um dos maiores absurdos da situação actual é a caricaturização das posições antagónicas, com o tempo de antena a ser constantemente dado aos extremos de cada lado. O texto do Vasco é, por isso, um óptimo contributo para a discussão. Vale a pena ser analisado ao pormenor, coisa que talvez farei, mas para já dou um contributo pessoal ao tema. No texto do Vasco alude-se ao facto de esta ser uma questão onde são raras as mudanças de posição, numa referência àqueles que defendem a aprovação directa na assembleia de um projecto de lei que resolva o problema, já que o referendo terá deixado de ser uma opção viável para alterar o status quo. Concordo com esta caracterização de base do estado da actual discussão: a irracionalidade apresenta índices muito elevados. Mas no meio disto tudo há uma mudança de opinião: a minha. Continuo a considerar, como sempre o fiz, o aborto como uma prática moralmente condenável (e aqui falo das situações que estão fora do âmbito da actual lei), tal como o Vasco às tantas diz: «(...) sou inclusivamente obrigado a tolerar que se pratique o aborto (nos prazos legais que discutimos) como método contraceptivo rotineiro. Porém, nada me obriga a respeitar quem, devidamente informado, continue a fazê-lo.» A questão de fundo está resolvida. Resta decidir que posição tomar quanto ao papel que deve o Estado ter no meio disto tudo. Votarei "sim" no próximo referendo (se ele chegar a existir), coisa que não teria feito em 1998 se tivesse podido votar (era menor). A minha convicção explica-se sucintamente: considero que a possibilidade de realizar o aborto legalmente e com as condições de saúde exigíveis contribui decisivamente para duas situações-chave: (1) o fim da vergonha e do perigo que são os abortos clandestinos, e (2) a diminuição de facto do número de abortos realizados. Este último ponto representa mais uma convicção bem-intencionada do que uma constatação estatística, coisa que talvez desenvolverei noutro post. Por agora deixo a interrogação maior que se levanta ao ler o texto do Vasco: se não é possível determinar nenhum prazo cientificamente coerente para a realização do aborto (o que me parece consensual), e se, a juntar a isso, há outras razões que levam a que um aborto realizado às 10 semanas seja diferente de um realizado às 25 semanas (o que me parece também consensual), não estaremos a perpetuar a condição subjectiva e moralista da discussão (mesmo considerando os argumentos de ordem pragmática que são invocados)?