quinta-feira, 1 de setembro de 2005

Don't shoot the messenger

Jorge Figueira, em Os Cogumelos Substitutos*, afirma: «Em Portugal, os sucessivos Centros Comerciais que foram abrindo traçam o mapa das sucessivas fases da nossa economia de mercado. Porque as plantas, cortes e alçados dos Centros Comerciais, são as plantas, cortes e alçados do capitalismo.» O texto, muito bom como é costume, versa sobretudo sobre os grandes centros comerciais temáticos, aqueles que simulam algum ambiente específico. Volto no entanto a esta correlação que Jorge Figueira encontra entre os centros comerciais e o capitalismo. A arquitectura sempre desconfiou da liberalismo, sempre torceu o nariz a uma suposta cedência ao gosto do mercado. No entanto é-me muito difícil fazer a correlação que Jorge Figueira faz, facilmente demonizando o liberalismo culpando-o do florescimento selvagem das grandes superfícies comerciais. Porque a fobia é essa, das grandes superfícies. E é aqui que encontro o meu argumento: se essa correlação é assim tão evidente, porque é que é Portugal a apresentar a maior taxa de crescimento dos ditos centros comerciais? Que se saiba, e dentro da União Europeia, Portugal é um país que apresenta um grau de capitalismo (se quisermos) relativamente baixo quando comparado às outras economias europeias. Não, as «plantas, cortes, e alçados dos centros comerciais» não são «as plantas, cortes e alçados do capitalismo». São outra coisa, talvez «as plantas, cortes e alçados» de um país pobre e deslumbrado, de uma classe média que vive endividada e que não sabe viver na cidade, nunca soube, preferindo essa substituição barata de cidade que é o centro comercial. O capitalismo aqui é só o intermediário do fenómeno, a plataforma onde se torna possível responder às necessidades e desejos da população. Se queremos culpados temos de procurar na fonte. Isto de chamar nomes ao capitalismo já cheira mal.

* Jorge Figueira, Agora que tudo está a mudar. Arquitectura em Portugal, ed. Caleidoscópio (2005)