quinta-feira, 4 de setembro de 2008

«Vou ser muito breve, mas»

O que faz o bloguista em apuros? Sim, vai a uma «sessão pública». Sobre o quê? Não interessa. Aqui as palavras chave são «sessão» e «pública». No presente caso, que envolveu o vosso narrador, foi de urbanismo, mas podia ter sido de literatura ou culinária. Há sempre o «painel». O «painel» tem sempre uma pessoa entusiasmada por ali estar, dois convidados institucionais que acham - erradamente - que não estão ali a fazer nada, e dois convidados que de facto não estão ali a fazer nada. Antes de mais, as horas. A sessão era solene e a cargo de um organismo público, pelo que se espera algum decoro com a pontualidade. Devido a um erro de cálculo, cheguei meia-hora mais cedo. Cheguei sozinho? Não. Um vulto que identifiquei a uma distância capaz de desmentir as minhas dioptrias provou ser Gonçalo Ribeiro Telles, monárquico, paisagista, octogenário e pontual. Cada vez gosto mais de octogenários, e a simpatia com que Ribeiro Telles brindou as duas meninas que tratavam da logística no anfiteatro reforçou essa ideia ao lançar uma esperança sobre a longevidade da testosterona. Depois, começaram a chegar os outros. Do ex-ministro à «moradora», do presidente da junta à outra «moradora» não faltou nada. Nem Nuno Portas, que não vi mas ouvi ser mencionado, qual divindade omnipresente. O painel explicou o objectivo da sessão, passou o devido power-point, foi fotografado e como sempre totalmente incompreendido. O primeiro a ter a palavra foi o reitor, académico, habituado a falar para plateias onde não conhece «90% dos presentes», e seguiu a cartilha certa, sem esquecer a «piada» e a «citação» («conhecer é perdoar», não tirei notas, ajudem-me, será «O Monte dos Vendavais»?), para depois intervir o «técnico», neste caso a «técnica», que leu com habilidade as frases projectadas pelo computador e pela ordem certa, que é mais difícil do que pode parecer. Depois, o «debate», o momento mais ansiado na «sessão pública» e mais propenso a gerar material para o bloguista em baixo de forma. O ex-ministro, que levantou a mão prontamente,  perguntou pelo metro, se iria haver uma saída de metro ali, para as «alunas» não sofrerem a insegurança própria das áreas isoladas, e saiu sem ouvir a resposta, a provar que o académico que habita nele levou a melhor: interessou formular «a problemática», não tanto chegar a uma conclusão. O presidente da junta, que não foi convidado para a sessão «devido a um erro», como assumiu o vereador, colocou questões interessantíssimas a que ninguém deu importância, como é apanágio dos assuntos das «freguesias», e o académico representante da faculdade que vai ser deslocada perguntou se vai sobrar dinheiro da operação para a construção do novo edifício, a provar que apesar de ser «de letras» está muito preocupado com a matemática da coisa. E com razão, pois o vereador admitiu que se terá de fazer «omeletes sem ovos», o que prova a sua reputação de excelente cozinheiro. O climax, como sempre, aconteceu quando se deu a palavra ao «povo», ou melhor, ao «homem comum», apesar de se ter dado o caso de terem sido duas mulheres. Numa sucessão (acabei de escrever «susseção») de acontecimentos que puseram a nu a riqueza que é a assimetria sociológica dos centros urbanos, que permite adivinhar, por exemplo, se determinada pessoa diz «encarnado» ou «vermelho» consoante o código postal, a representante dos moradores da Columbano Bordalo Pinheiro chamou por diversas vezes «atrasados mentais» aos responsáveis camarários - numa intervenção que contou com a preciosa colaboração do microfone que andara a falhar durante a toda a sessão - e a moradora do Bairro Azul publicitou a sua preocupação sobre o futuro da sua área de residência, pedindo um plano «civilizado». Pelo meio sugeriram-se insinuações xenófobas (a «mesquita», «os indianos») e pediu-se ao vereador que tratasse do problema do «cheiro a xixi de gato». Gonçalo Ribeiro Telles foi elogiado por toda a gente, o que me tranquilizou ligeiramente, apesar de ninguém lhe ter elogiado a pontualidade, o que pode ser explicado pelo facto de a única pessoa que lhe comprovou a pontualidade não ter falado. Não falei, e não fosse este post e a minha ida teria sido em vão. E alguém que me explique como se adapta o edifício da prisão, porque o vão adaptar. Alguém que faça o favor de vir cá casa explicar. Se puder ser, enviem o Ribeiro Telles.