terça-feira, 30 de junho de 2009

Mas a questão «MILF» já me vai obrigar a uma releitura

Eu bem tentei explicar que o meu modus operandi como «escritor» (não me posso rir porque me doem os rins) era «moldar a realidade àquilo que mais me convém» mas a verdade é que um comentador anónimo de há tempos é que tinha toda a razão: o meu problema é querer meter-me com os mais velhos (sentido figurado) e «não ter unhas» para o fazer (eu não respondo a todos os comentários, mas todos eles me ficam cravados no coração, podem estar assegurados disso.) Rogério, pá, pede já imediatemante desculpa da minha parte às pessoas vivas que tentaram infrutiferamente, por meia-hora, remover-te do computador: isso não se faz, aquele meu texto não era caso para isso (aliás, o meu texto só existiu essa é uma situação que me merece solidariedade já que muitos dos meus posts só viram a luz do dia porque havia pessoas vivas que já estavam a dormir). Mas então vamos lá à lagosta. Eu li esse ensaio num avião há já alguns meses e não o voltei a ler desde então, o que explica esse incidente do cordeiro e todas as fragilidades interpretativas que são evidentes a partir daí. Mas lembro-me de que fiquei com essa mesma impressão de o ensaio ser curto - David Foster Wallace é de facto alguém que destrói a reputação do «poder de síntese» como qualidade literária de uma forma muito eficaz - o que me causou alguma desilusão (tinha abordado o texto carregado de expectativas.) E o meu ponto é este: DFW não foi capaz de causar em mim uma inquietação suficientemente forte ao ponto de me fazer hesitar a cada vez que como marisco que tenha sido cozinhado vivo (o que, infelizmente, é muito raro). Aquele pequeno interlúdio onde tento «isolar e definir as virtudes e defeitos de David Foster Wallace» era apenas para explicar aquilo que eu gosto em DFW, e não algo para o qual eu estou definitivamente incapacitado para fazer, que é «isolar e definir as virtudes e defeitos de David Foster Wallace». Apesar disto, sinto-me na obrigação de tentar explicar a situação dos «preconceitos». Quando afirmei que DFW «parece não transportar consigo nenhum preconceito» não estava a desconsiderar o facto de ser evidente que DFW põe todos os pré-conceitos ou conceitos que existem sobre qualquer tema em cima da mesa e à vista de todos. O que me parece é que ao fazê-lo DFW destrói a influência que os preconceitos têm em nós, na medida em que os fantasmas deixam de assustar quando são encarados. Um preconceito é uma inclinação natural para observar determinadas coisas de um determinado ponto de vista. Mesmo que estejamos conscientes desses nossos preconceitos, sentimos algum reconforto quando os vemos em acção; os nossos preconceitos fazem parte daquilo que somos e não há razão nenhuma para não os acarinharmos. Se DFW «transporta os preconceitos todos, e transporta também a consciência de que transporta os preconceitos todos, e a consciência de que essa consciência pode a qualquer momento deixar de ser vantajosa para se tornar incapacitante» (e aqui quase que parece que se está a explicar a causa da morte de DFW) então está a reciclar os preconceitos para «bibliografia», para trabalho de campo, fazendo a devida autópsia a cada uma dessas forças até aí vivas. Deste modo tira o tapete ao leitor mais céptico que não gosta de ser transformado. Porque é isso que DFW nos faz nos melhores ensaios: transforma radicalmente a nossa maneira de olhar para as coisas. Foi isso que ele não foi capaz de fazer comigo no ensaio da lagosta, e era só isso que eu queria ter dito.