terça-feira, 12 de abril de 2011

Vergonha

«(...) Há muito tempo que tenho poucas dúvidas de que somos um país pouco desenvolvido, com problemas sérios de crescimento e que esse subdesenvolvimento se manifesta um pouco por todo o lado, numa forma especialmente estreita de pobreza de pensamento e de acção, que depois impregna tudo, da cultura à política, da economia ao quotidiano.

(...)

Tudo isto foi dito, repetido, tri-repetido, por muita gente desde o século XIX até hoje e o vulgo optimista não quer ouvir e desdenha. Desdenha dos pessimistas. Desdenha dos "intelectuais" que "não fazem nada pelo país", nem sequer gostam da bola. Desdenha dos simples e prefere os complicados que nunca dizem nada de claro. Gosta dos eclécticos e amáveis com toda a gente e detesta os que não têm paciência para a ignorância presumida.

(...)

Subdesenvolvimento é isto: todos primos, pouca riqueza, patrocinato e clientelas. O resultado é a assustadora mediocridade da nossa vida política, onde o grosso das habilidades vai para a sindicância de interesses e a gestão das carreiras partidárias. Face aos problemas reais, pompa nas palavras e incompetência nos actos.

(...)

Eu sei que merecemos. Mas não merecemos todos, e não embarco nessa de culpar tudo e todos para desculpar alguns. Eu não me endividei para viver acima das minhas posses, pago os meus impostos gigantescos, não tenho nem quero ter um trem de vida que não seja modesto, sem espavento, não sou socialite e quase não tenho vida social, mesmo só no limiar da boa educação, detesto luxos e exibições, e ando há anos, sem eficácia como se vê, a denunciar o caminho que nos levou aqui quando muitos que agora o descobriram andavam deslumbrados com a modernidade estonteante da moda e a chamar-me a mim e a outros "velhos do Restelo". Eu sei que eles não sabem quem foi o "velho do Restelo", nem por que é que "ao cheiro desta canela o reino se despovoa", nem por que é que a gente embarca sempre em querer olhar o mundo com os olhos do Capitão sem ser capitão de coisa nenhuma, cheios de épica e bazófia, e de dinheiro emprestado. (...)»

«Vergonha», Pacheco Pereira