sexta-feira, 2 de maio de 2014

Inferioridade numérica



Quando o Luisão fez o quarto golo, aos sete minutos do prolongamento, desempatando a quarta eliminatória da Taça de Portugal com o Sporting - naquele que foi um dos jogos do ano - festejei como não tinha festejado o hat-trick de Cardozo. Não festejei tão efusivamente como gostaria porque estava num jantar rodeado de amigos do Sporting, que tinham na minha alegria a sua tristeza simétrica. Mas quando o jogo acabou, e após ter-se gerado o consenso à mesa de que tínhamos acabado de ver um jogo enorme e que qualquer das equipas teria dado um vencedor justo, não pude deixar de exaltar o Luisão: ali estava o capitão, um jogador que já tinha conquistado o seu lugar na galeria dos notáveis da história do Benfica, alguém que, como nós, e apesar de ter nascido em Amparo, São Paulo, era um benfiquista de coração.

«Não me atires poeira para os olhos», ouvi, subitamente. À mesa também estava um adepto do Porto que, com aquela soberba que caracterizou os adeptos do Porto até há três semanas, continuou: «O Luisão só está no Benfica porque ninguém o quer.» Uma pessoa sente-se, pois claro que se sente, e não fui capaz de deixar aquela enormidade em claro. Contra todas as regras da elementar etiqueta, tentei defender o contrário: que não, não senhora, o Luisão está no Benfica porque o Benfica é o melhor clube do mundo e o Luisão o melhor central do mundo. Mas ele ficou na dele, provavelmente dizendo que o Maicon era melhor que o Luisão, e eu fiquei na minha.

Claro que o Luisão não é o melhor central do mundo: o melhor central do mundo é o Garay. Mas o Luisão não é só um grande defesa-central: é um líder. E os líderes caracterizam-se por uma coisa: são melhores que nós. O Luisão é-nos moralmente superior, não lhe devemos nada a não ser pura vassalagem. 

Pensei muito naquela discussão sobre o Luisão no final do jogo de ontem. E julgo que Jorge Jesus também terá pensado muito em Luisão quando fez uma homenagem aos «jogadores» que o acompanham há cinco anos: sim, há Cardozo, Maxi Pereira e Rúben Amorim, mas era para Luisão que Jorge Jesus falava. Porque ontem não foi apenas o líder do grupo mas também o melhor em campo, fazendo uma exibição perfeita, transbordando uma confiança que contagiou Oblak, Garay, Siqueira e Amorim, por exemplo.

Nunca me esquecerei do jogo de ontem: uma lição de bem defender em casa da Nujentus, no estádio mais temido do futebol italiano. Nunca me esquecerei da exibição do Luisão, que ontem jogou pelo Enzo, pelo Garay, pelo David Luiz, pelo Javi Garcia, pelo Aimar, pelo Di Maria, pelo Rui Costa, pelo Simão, pelo Paneira, pelo Isaías, pelo Mozer, pelo Ricardo Gomes, pelo Valdo, pelo Chalana, pelo Shéu, pelo Simões, pelo Coluna, pelo Eusébio. Por todos nós.

Não interessa se jogamos com 11, com 10, com 9, ou com oito e meio, como foi o caso de ontem (Sálvio jogou com o braço ligado); desde que o Luisão esteja em campo o adversário estará sempre, mas sempre, em inferioridade numérica.