domingo, 9 de novembro de 2014

Muros que nunca caíram

«A chamada «queda do muro de Berlim»

A pretexto da passagem de 25 anos sobre a chamada «queda do muro de Berlim» está a ser levada a cabo uma campanha anticomunista de intoxicação da opinião pública.

Perante a campanha anticomunista de intoxicação da opinião pública desencadeada a pretexto da passagem de 25 anos sobre a chamada «queda do muro de Berlim», o PCP considera necessário afirmar o seguinte:

1. Mais do que a «queda do muro de Berlim» o que as forças da reacção e da social-democracia celebram é o fim da República Democrática Alemã (RDA), é a anexação (a que chamam de «unificação») da RDA pela República Federal Alemã (RFA) com a formação de uma «grande Alemanha» imperialista, é a derrota do socialismo no primeiro Estado alemão antifascista e demais países do Leste da Europa e, posteriormente, a derrota do socialismo na URSS.

2. A criação da RDA socialista, herdeira das heróicas tradições revolucionárias do movimento operário e comunista alemão (de que, na sequência de Marx e Engels, são símbolos Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Ernest Thalmann) é inseparável da vitória sobre o nazi-fascismo na 2.ª Guerra Mundial e produto das aspirações do martirizado povo alemão à liberdade, à paz e ao progresso social.

A responsabilidade da divisão da Alemanha, a que desde o primeiro momento a URSS se opôs, cabe inteiramente às potências imperialistas (Estados Unidos, Grã-Bretanha e França) que nas respectivas zonas de ocupação, e ao contrário do que aconteceu na zona de ocupação soviética, não só não desmantelaram completamente as estruturas hitlerianas como protegeram os nazis e os monopólios alemães (Krupp, Siemens, e outros) responsáveis pela carnificina da guerra e criaram em 23 de Maio de 1949, contra os próprios Acordos de Ialta (Fevereiro de 1945) e de Potsdam (Julho/Agosto de 1945), uma RFA capitalista amarrada ao imperialismo norte-americano e à NATO, fundada aliás nesse mesmo ano, seis anos antes da resposta dos países socialistas do Leste da Europa com a criação do Tratado de Varsóvia em 1955, na sequência da entrada da RFA na NATO.

3. Hostilizada e caluniada pela reacção internacional, a RDA, pelas suas notáveis realizações nos planos económico, social e cultural e pela sua política antifascista e de paz, impôs-se e fez-se respeitar no concerto das nações como Estado independente e soberano e tornando-se depois de anos de duro combate membro de pleno direito da ONU (1973) em simultâneo com a RFA. Mas o imperialismo nunca desistiu das suas tentativas de liquidar a RDA socialista acabando em 1989 por alcançar a vitória, conseguindo que manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição, ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.

4. É necessário desmascarar a hipocrisia daqueles que, clamando contra o muro erguido em Berlim pelas autoridades da RDA, têm construido e continuam a construir barreiras do mais variado tipo (sociais, raciais, religiosas e outras) por esse mundo fora, incluindo muros físicos, intransponíveis de que o exemplo mais brutal é o muro erguido por Israel para cercar e aprisionar o povo palestiniano na sua própria pátria, a que se juntam os muros erguidos pela Coreia do Sul na Península da Coreia dividida, por Marrocos contra a luta libertadora do povo sahauri, pelos EUA na fronteira com o México e outros.

5. A construção do muro de Berlim em 1961, com carácter defensivo, é um episódio histórico que se situa num tempo de agudíssima confrontação anticomunista, visando, de acordo aliás com a estratégia de «contenção do comunismo» proclamada pelo presidente dos EUA HarryTruman, a subversão dos países socialistas.

É um produto da «guerra fria» – desencadeada pelo imperialismo ainda em plena 2.ª Guerra Mundial com o criminoso lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima e Nagazaqui – e da criação no Centro da Europa onde se confrontavam os dois poderosos blocos político-militares (a NATO e o Tratado de Varsóvia) um dos mais perigosos focos de tensão internacional.
É a resposta a constantes provocações na linha de demarcação entre a parte Leste e Ocidental da cidade e reiteradas violações de soberania da RDA, no coração de cujo território se encontrava Berlim, num incontestável acto de segurança e de soberania.

Independentemente da opinião que se tenha sobre a construção do muro de Berlim, a verdade é que este, se não contribuiu, pelo menos não impediu que a RDA fosse internacionalmente reconhecida como Estado independente e soberano, o Acordo Quadripartido sobre Berlim, o reconhecimento mútuo e a normalização das relações entre a RFA e a RDA e todo o processo de coexistência pacífica e desanuviamento na Europa que conduziu em 1975 à Conferência de Helsínquia sobre a Segurança e a Cooperação na Europa.

6. É importante não esquecer que a competição entre os dois sistemas sociais opostos, o capitalismo e o socialismo, teve em solo alemão uma das suas mais importantes e perigosas expressões. O esforço do imperialismo para apresentar a RFA e Berlim Ocidental como «montra do capitalismo» foi colossal. Um tal contexto confere ainda mais significado às realizações e ao prestígio mundial da RDA socialista, e à sua activa política de paz e de solidariedade internacionalista.
O PCP não esquece que o povo português encontrou sempre na RDA e no Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) solidariedade para com a sua luta contra o fascismo e para com a Revolução de Abril.

7. Ao contrário do que então foi apregoado por um capitalismo triunfante, a «queda do muro de Berlim», a anexação da RDA, as derrotas do socialismo no Leste da Europa, não contribuíram para a segurança e a paz na Europa e no mundo. Pelo contrário.

Aquilo a que assistimos no território da ex-RDA foi à destruição forçada das realizações económicas, sociais e culturais de mais de quarenta anos de poder dos trabalhadores e, no plano internacional, à tentativa de impor, tal como proclamado por Bush durante a Guerra do Golfo, «uma nova ordem mundial» contra os trabalhadores e contra os povos. A aliança agressiva da NATO, em lugar de dissolver-se como aconteceu com o Tratado de Varsóvia, reforça-se e estende a sua esfera de intervenção a todo o planeta e a CEE, transformada em União Europeia com o Tratado de Maastricht, afirma sem lugar para dúvidas a sua natureza de bloco imperialista dando um novo salto nas suas políticas neoliberais, federalistas e militaristas e na sua articulação com os EUA e a NATO. A Alemanha, manifestando as suas ambições de grande potência económica e militar, estende a sua esfera de influência para o Leste do continente europeu e lança-se na destruição da Jugoslávia tornando-se responsável pela primeira guerra na Europa depois da 2.ª Guerra Mundial. A situação que hoje se vive na Ucrânia, nomeadamente com a ascensão ao poder de forças fascistas, a perseguição anticomunista e a escalada de confrontação com a Rússia é o desenvolvimento lógico da «cavalgada» do imperialismo para Leste que se seguiu às derrotas do socialismo na RDA e noutros países socialistas.

8. O sistema capitalista que na viragem dos anos oitenta/noventa do século passado se apresentava a si mesmo como o melhor dos mundos possível em matéria de democracia, direitos humanos, desenvolvimento económico e progresso social, não só se revela incapaz de resolver os problemas dos trabalhadores e dos povos como tende a agravá-los cada vez mais, ao ponto de pôr em causa a própria existência da Humanidade. As derrotas do socialismo não mudaram a essência do capitalismo, antes tornaram mais evidente a sua natureza injusta e desumana. A violenta ofensiva exploradora com que os trabalhadores hoje estão confrontados e que ameaça o mundo com uma regressão social de dimensão civilizacional, a desestabilização e destruição de países e regiões inteiras, o avanço do fascismo, o perigo de uma nova guerra de catastróficas proporções, tudo isso é consequência das tentativas do imperialismo de tirar partido da «queda do muro de Berlim», ou seja, da destruição da RDA e do campo socialista como sistema mundial, para recuperar as posições que lhe foram arrancadas ao longo do século XX pela luta libertadora dos trabalhadores e dos povos, luta em que o movimento operário e os comunistas alemães desempenharam um papel que nenhuma campanha de reescrita e falsificação da História conseguirá apagar.

9. A chamada «queda do muro de Berlim» foi transformada pelos seus apologistas num símbolo do triunfo definitivo do capitalismo sobre o socialismo. Mas a evolução da situação internacional nos últimos 25 anos não só desmente as teses delirantes sobre o «fim da luta de classes» e sobre a «morte do comunismo», como mostram que o socialismo é mais actual e necessário do que nunca e que os trabalhadores e os povos de todo o mundo resistem e lutam para se libertar das cadeias da exploração e opressão imperialista.

Num processo acidentado, feito de avanços e recuos, de vitórias e derrotas, o futuro da Humanidade não é o capitalismo mas o socialismo e o comunismo.»


sexta-feira, 11 de julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Método Infalível De Perder Cinco Quilos Em Três Dias

Muitos dos desafios que a vida nos reserva são difíceis e exigem da nossa parte esforço, dedicação e perseverança; exigem, também, uma grande capacidade de sacrifício; mas exigem, sobretudo, a nossa capacidade de acreditarmos em nós próprios. É essa força interior que nos guiará nesse caminho de superação pessoal.

O Método Infalível de Perder Cinco Quilos Em Três dias dispensa tudo isso. Por isso é infalível. A sua beleza reside no facto de ser completamente imune à frágil vontade humana. 

É um método, fazemos já este alerta, irreversível: assim que começa, não há maneira de o interromper. Por isso, a sua implementação exige alguma ponderação e um planeamento prévio sério.

Planeamento Prévio Sério

1. Em primeiro lugar, escolha uma fase particularmente importante da sua vida. O Método está desenhado para actuar em momentos de grande ansiedade e não num contexto de quotidiano ordinário. Uma fase particularmente importante pode ser, por exemplo, uma emigração.

2. Depois de escolhido o calendário (real mas sobretudo emocional), pense se quer mesmo perder cinco quilos (ou mais: na prática, quem escolhe o peso a perder é o Método, não o sujeito passivo). Se a resposta que encontra dentro de si (no pun intended) for afirmativa, prossiga para o passo três.

3. Procure uma pessoa perto de si, por exemplo a sua mulher, que apresente sinais de estar infectada com a bactéria Streptococcus pyogenes. Promova um contacto com essa pessoa suficientemente próximo para garantir a sua própria infecção. Começou irreversibilidade do Método; a partir de agora, não poderá voltar atrás na sua decisão.

4. Passe a próxima semana a ignorar os primeiros sinais da infecção (uma ligeira afta) e concentre-se em ficar ansioso pela mudança da sua casa para uma cidade a 2200 km da sua.

5. Fim do Planeamento Prévio Sério.

Processo de Perda de Peso Efectivo

6. Apanhe um avião, levando consigo apenas uma caixa de pastilhas comuns. Passe o voo sentir o surgimento de uma dor aguda nas amígdalas, distraindo-se ocasionalmente com leitura – por exemplo de Levels of Live, de Julian Barnes, um livro que retrata, de um modo que escapa às palavras do leitor comum, a morte precoce de um cônjuge de longa data, uma maleita não tão grave como aquela a que está prestes a ser submetido o sujeito passivo do Método – e com o facto de estar um ministro do governo sentado na fila de trás, trabalhando.

7. Chegue ao seu destino já com a certeza absoluta que tudo vai correr como planeado e anuncie com solenidade à sua mulher: «estou doente».

8. Vá para o hotel. Comece a tomar ibuprofeno e paracetamol, ambos em doses superiores às recomendadas, desconfiando que lhe deram placebos na farmácia.

9. Jante num restaurante italiano que na sua cidade seria uma boa opção para um almoço apressado de sábado, mas pague 30 euros por pessoa – não despreze a acumulação destes pequenos sobressaltos para a eficácia do método.

10. Volte para o hotel. Deite-se. Prepare-se. Esta será a primeira de três noites passadas em claro.

11. Levante-se várias vezes da cama durante a noite, de modo a que a sua mulher comece a ficar incomodada com a sua agitação - a ideia de que, para além de estar em sofrimento físico atroz, também está a causar o mal-estar dos que lhe estão próximos contribuirá e muito para a acumulação da ansiedade vital ao Método.

12. Tome o pequeno-almoço possível, que, devido à dor acutilante na amígdala esquerda, não passará de um copo de leite frio, que demorará 15 minutos a beber.

13. Continue a tomar ibuprofeno e paracetamol, tratando assim irresponsavelmente apenas dos sintomas e não das causas.

14. Vá receber as chaves da sua casa nova. Trate com o agente imobiliário, cujas três línguas nativas você não domina, não conseguindo articular palavras e frases devido à dor de garganta. Murmure algumas coisas de vez em quando e assine o contrato. Faça a sua mulher passar pela vergonha de parecer estar casada com um inútil. Habitue-se a essa ideia.

15. Ao almoço beba outro copo de leite frio, ou tente.

16. Volte para o hotel. Jante no pior buffet que já viu, satisfeito por estar ali numa das poucas ocasiões da sua vida onde “comer” se apresenta como uma obrigação difícil de cumprir.

17. Volte para o quarto. Nesta altura, sem dormir há 36 horas, já deverá começar a sentir carinho pela ideia de morte súbita. Está na altura de chamar o médico. Ligue para a assistência do seguro de viagem que tem contratada (cartão Visa, seguro automóvel, etc.). Explique a sua maleita. Desligue o telefone. Espere. Atenda a chamada do médico que lhe liga de Paris, falando um inglês-americano perfeito. Oiça o médico dizer, como se estivesse a ouvir a voz de Deus dizendo que o paraíso sim existe e a sua chegada está próxima, que um médico irá visitá-lo no dia seguinte.

18. Lembre-se da noite anterior e desta vez apague a luz mais tarde, tornando assim mais curto o período onde naturalmente estaria a dormir. Passe a noite a suar e a uivar. Levante-se várias vezes, acenda a luz, navegue na internet. Acorde a sua mulher e lembre-se de que lhe está a causar um grande incómodo.

19. Vá para a sua nova morada receber 35 m3 de caixotes que contêm a sua vida, devidamente empacotada por terceiros.

20. Receba a médica na sala, no meio de caixotes e da equipa de mudanças, onde já há duas cadeiras disponíveis. Veja-a fazer os exames necessários sob o olhar atento da sua mulher - que, mais tarde, virá a descrever a médica como “gira”, todos os detalhes que contribuem para o seu estado de nervos são importantes para o Método – e dizer-lhe que você está infectado com a bactéria Streptococcus pyogenes e que precisará de tomar antibióticos. E que começará a sentir-se melhor “daí a 48 horas”. Serão as 48 horas finais do Método.

 21. Vá à farmácia. Gaste 65 euros (valor total de investimento no Método, equivalente a uma fracção do custo da concorrência) em antibióticos, anti-inflamatórios, próbióticos e um sprayzinho que vai ser o seu melhor amigo nas próximas horas.

22. Tente comer. Por exemplo, metade de um oitavo de uma pizza.

23. Deambule em sofrimento pela casa enquanto a sua mulher arruma tudo, agravando a sua sensação de total inutilidade.

24. Antes de dormir beba um copo de leite frio. O sétimo das últimas 48 horas e aproximadamente 65% da fonte de todas as suas calorias desse período.

25. Deite-se. Assista ao momento bonito que é ver a sua mulher dormir pela primeira vez na nova casa. Assista-o durante 8 horas.

26. Veja o sol nascer e levante-se. Beba outro copo de leite. Repita o dia anterior. Sofra, sofra, está quase a acabar.

27. No final do dia deite-se e sinta-se a adormecer. Quando acordar, o Médodo estará concluído.

28. Acorde. Disfrute esse momento: não acontecia há 72 horas.

29. Dirija-se à balança que cretinamente trouxe para casa três meses depois da sua mulher ter dado à luz ao vosso segundo filho e que ela benevolentemente não atirou pela janela fora. Suba para a balança e olhe para o mostrador. Desmonte. Confirme que está tudo bem com a balança. Suba novamente e confirme. Olhe para o espelho e veja o farrapo humano que está diante de si, magríssimo.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O nosso doble cinco



No dia em que a Argentina decretou o 6 de Outubro como o «Dia Nacional do Fado», ficámos a saber que Enzo Perez pode estar próximo de sair do Benfica. A confirmar-se, é um buraco que se abre no meio-campo da equipa mas também no coração dos adeptos. Faz sentido, isto do fado: há qualquer coisa nestes argentinos que faz deles muito nossos. Vimos isso com o Aimar, e vemos isso com o Enzo: não nos esqueceremos dos seus bons momentos no Benfica, mas os mais marcantes não foram esses, foram os outros. Não houve quem tivesse sofrido mais com o 513 (Maio de 2013) do que o Enzo: cada derrota deixou-lhe no corpo uma chaga. Nós vimos isso a acontecer; ao nosso sofrimento correspondeu sempre com dignidade o sofrimento dele. Nós chorámos, mas ele chorou primeiro. Cada dividida que ele disputava, como se fosse a última, era o nosso benfiquismo que também ia a jogo: mereceríamos nós aquilo? Estaríamos nós a fazer o suficiente para ter direito àquela entrega? Mas ele nunca nos exigiu nada, nem quando, depois de um azar que o destino - o fado? - lhe traçou nos primeiros meses de Benfica, com aquela lesão e as saudades - lá está - de casa, foi honesto e nos disse: «Quero voltar para o Estudiantes». O fado ensina-nos isso: por muito longe que estejamos de casa, estamos sempre muito longe de casa. E o Estádio da Luz ainda não era a sua casa, ser do Benfica não é uma coisa que se institua por decreto. Ele foi, mas voltou, perante o nosso cepticismo ignorante. Depois foi o que se viu: ai é preciso alguém para jogar a 8? Jesus tem mérito, mas do outro lado era preciso ter estado alguém que aceitasse a proposta sem medo. O Enzo aceitou, transformando-se num dos melhores doble cincos que o Benfica já viu. Cabrão do argentino, nasceu em Mendoza e veio para cá mostrar-nos o que é ser benfiquista.Vê-lo defender as cores da Argentina, a Argentina do fado de Lisboa, deixa-nos orgulhosos, mas custará sempre vê-lo com outra camisola que não o 35.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O populismo

Marinho Pinto, Marine Le Pen, Farage, Tsipras, a "Aliança Dourada", os "neo-nazis", etc: estamos todos de acordo, o «populismo» saiu à rua. Mas que distingue o «populismo» de outras vitórias eleitorais mais nobres? Se o «populismo» é o fenómeno político que caça votos em troca de promessas irrealistas, em que sentido não foi a vitória de Passos Coelho em 2011 uma vitória «populista»? E de Sócrates em 2009? E não foram Cavaco Silva e António Guterres «populistas» no seu tempo? E o grande vencedor de todas as eleições em Portugal desde 1974: querem mais populista que o PCP? O rótulo não ajuda a perceber nada do que se passou ontem na Europa; deixemo-lo cair.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Lisboa

O sítio mais masculino do mundo é um salão de beleza. Não o salão de beleza, mas um salão de beleza: o barbeiro onde corto o cabelo desde que me lembro de cortar o cabelo. É gerido por dois sócios que, reza a lenda, estão desavindos há décadas. Trabalham lado a lado diariamente, são ambos pessoas cordatas e bem educadas, mas aparentemente não se falam. Ocupam as cadeiras das pontas de uma fila de cinco. A discussão, conta-se, nasceu da vontade de um em fazer obras no espaço gerando a oposição do outro. Olhando à volta, não custa a crer que tenha sido assim. Dá a sensação de que tudo está como sempre foi: as cadeiras são em pele boa mas estão rotas, os painéis são em madeira nobre mas estão partidos, as torneiras são topo de gama - gama de 1974. O sítio transborda heterossexualidade. Ao desprezo pela decoração de interiores junta-se um silêncio circunspecto que é frequentemente cortado para se falar de generalidades: política, futebol, o antigamente, a terra, o totobola que um vizinho ganhou. Nunca de assuntos pessoais: a barba e o cabelo são cortados porque «já está a ficar grande» ou «vem aí o calor». Os diálogos vão assim:

- Então, vamos dar aqui um corte?
- Sim, um corte grande.

Passados vinte minutos:

- Então, assim está bem?
- Está, obrigado.

As considerações estéticas são todas de carácter reaccionário: o objectivo é sempre repor o cabelo ao estado que apresentava no passado, lamentando que ele tenha crescido revolucionariamente entretanto. A ordem é preferida ao progresso; a certeza (cabelos curtos) promovida, a incerteza (cabelos compridos) combatida. A passagem do tempo é condenada, mas sem grande agitação. As amarguras da vida são enfrentadas com um solene «pois». Vai-se andando. Daqui a nada está aí o verão.

Pela porta de vidro vêem-se as árvores lá fora, que vão mostrando as estações do ano e marcam o bairro com uma cadência de cheiros reconfortante. Por trás das árvores fica uma igreja. À hora certa os sinos tocam. Às vezes passa por lá o carteiro. Muitas vezes paga-se depois, porque não há trocado. Crianças como eu levam agora lá os filhos, netos de clientes antigos. O bairro não mudou assim tanto. O bairro mudou completamente. Aqueles espelhos são exactamente os mesmos. Cresci a olhar para eles, a olhar para mim, sob o pretexto de estar a acompanhar o corte do cabelo. Quase que vejo ali a minha mãe: a franja não é tão curta, as orelhas não podem ficar destapadas, o meu irmão na cadeira do lado. Na rua de trás morou a minha bisavó (mãe da mãe da minha mãe) até morrer, de mão dada à minha tia-avó, ia dormir porque estava cansada. Lembro-me de lá ir, do sol a entrar por uma janela e de um corredor que me parecia comprido (devia ser curto). Noutra rua acima fica a pastelaria onde íamos comer éclairs de chantilly, os preferidos da minha mãe. Mais à frente fica o prédio onde a minha avó viveu, tarde, e viu morrer o meu avô. Daquele apartamento via-se a cidade toda, uma vista deslumbrante sobre o Tejo, do castelo até à ponte, dali era impossível não se amar isto.

Quando o movimento abranda, os cabelos que caíram ao chão são varridos. «Você tem muito cabelo, devia fazer negócio disto», diz-me, como sempre. A sala tem umas escadinhas que levam a uma cave. De cá de cima vê-se que lá em baixo há um bar, talvez uma memória de uma ocupação anterior. Nunca lá fui.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Inferioridade numérica



Quando o Luisão fez o quarto golo, aos sete minutos do prolongamento, desempatando a quarta eliminatória da Taça de Portugal com o Sporting - naquele que foi um dos jogos do ano - festejei como não tinha festejado o hat-trick de Cardozo. Não festejei tão efusivamente como gostaria porque estava num jantar rodeado de amigos do Sporting, que tinham na minha alegria a sua tristeza simétrica. Mas quando o jogo acabou, e após ter-se gerado o consenso à mesa de que tínhamos acabado de ver um jogo enorme e que qualquer das equipas teria dado um vencedor justo, não pude deixar de exaltar o Luisão: ali estava o capitão, um jogador que já tinha conquistado o seu lugar na galeria dos notáveis da história do Benfica, alguém que, como nós, e apesar de ter nascido em Amparo, São Paulo, era um benfiquista de coração.

«Não me atires poeira para os olhos», ouvi, subitamente. À mesa também estava um adepto do Porto que, com aquela soberba que caracterizou os adeptos do Porto até há três semanas, continuou: «O Luisão só está no Benfica porque ninguém o quer.» Uma pessoa sente-se, pois claro que se sente, e não fui capaz de deixar aquela enormidade em claro. Contra todas as regras da elementar etiqueta, tentei defender o contrário: que não, não senhora, o Luisão está no Benfica porque o Benfica é o melhor clube do mundo e o Luisão o melhor central do mundo. Mas ele ficou na dele, provavelmente dizendo que o Maicon era melhor que o Luisão, e eu fiquei na minha.

Claro que o Luisão não é o melhor central do mundo: o melhor central do mundo é o Garay. Mas o Luisão não é só um grande defesa-central: é um líder. E os líderes caracterizam-se por uma coisa: são melhores que nós. O Luisão é-nos moralmente superior, não lhe devemos nada a não ser pura vassalagem. 

Pensei muito naquela discussão sobre o Luisão no final do jogo de ontem. E julgo que Jorge Jesus também terá pensado muito em Luisão quando fez uma homenagem aos «jogadores» que o acompanham há cinco anos: sim, há Cardozo, Maxi Pereira e Rúben Amorim, mas era para Luisão que Jorge Jesus falava. Porque ontem não foi apenas o líder do grupo mas também o melhor em campo, fazendo uma exibição perfeita, transbordando uma confiança que contagiou Oblak, Garay, Siqueira e Amorim, por exemplo.

Nunca me esquecerei do jogo de ontem: uma lição de bem defender em casa da Nujentus, no estádio mais temido do futebol italiano. Nunca me esquecerei da exibição do Luisão, que ontem jogou pelo Enzo, pelo Garay, pelo David Luiz, pelo Javi Garcia, pelo Aimar, pelo Di Maria, pelo Rui Costa, pelo Simão, pelo Paneira, pelo Isaías, pelo Mozer, pelo Ricardo Gomes, pelo Valdo, pelo Chalana, pelo Shéu, pelo Simões, pelo Coluna, pelo Eusébio. Por todos nós.

Não interessa se jogamos com 11, com 10, com 9, ou com oito e meio, como foi o caso de ontem (Sálvio jogou com o braço ligado); desde que o Luisão esteja em campo o adversário estará sempre, mas sempre, em inferioridade numérica.

terça-feira, 15 de abril de 2014

The Death and Life of Great Portuguese Cities

Abriu há uns meses aqui no bairro uma loja, de esquina, dedicada à venda de material relacionado com desportos radicais. Tem um nome estrangeiro, uma montra com pranchas e casacos, e jovens à porta. Os jovens são amigos do dono (ou donos) da loja, e vão para ali passar os tempos livres. O horário de abertura da loja sugere que o dono também vai para ali ocupar os tempos livres, já que dificilmente a porta se encontra aberta antes da hora do almoço. Em dias de sol o grupo traz um banco lá de dentro, instala-o no passeio, e passa a tarde em ameno convívio, fumando marijuana, falando alto, e combatendo activamente a simpatia dos transeuntes. Têm carros de alta cilindrada que, para não pagarem o parquímetro devido, deixam frequentemente mal-estacionados, ocupando parte da via de circulação ou dos passeios. Nunca entrei naquela loja, nunca vi ninguém entrar naquela loja, ninguém que eu conheça entrou naquela loja. Imagino que haja alguma clientela - miúdos que querem começar a fazer snowboard ou a andar de skate e não sabem muito sobre o assunto - mas parece-me que aquilo sobrevive sobretudo à custa de algum financiamento familiar, mais vale o miúdo ter uma loja do que andar aí a drogar-se (infelizmente as duas coisas não se mostraram mutuamente exclusivas). Foi por isso sem surpresa que assisti, há dias, ao fecho de portas e desmantelamento do estabelecimento: era uma morte anunciada e desejada por muitos. A esquina encontra-se agora desocupada e o bairro espera os novos vizinhos.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A vingança de Bárbara

Carrilho tem há 12 anos uma mulher impossível. Há 12 anos que olhamos para o Manuel Maria e para a Bárbara e a primeira coisa que nos vem à cabeça é «Como é que ele conseguiu?» E a segunda, «O que vê ela nele?» Há 12 anos que o conjunto de respostas possíveis a estas perguntas tem contribuído para aquilo que parecia impossível: inflacionar o ego de Manuel Maria Carrilho. Este pormenor da sua vida privada - e, por força das circunstâncias e opção dos dois, pública - tem vindo a defini-lo mais do que qualquer outra coisa. Manuel Maria Carrilho é o marido de Bárbara Guimarães. A rejeição de que está agora Manuel Maria a ser alvo é-lhe, por isso, insuportável e inaceitável. É uma parte de si que desaparece - a melhor parte, como é óbvio para toda a gente. Talvez isso ajude a explicar a loucura em que o professor Carrilho, eminente pensador da polis portuguesa, submergiu nos últimos dias. Amor-ódio, como diz o povo. Carrilho está tomado pela ira do cornudo, do rejeitado, do homem que perdeu a sua trophy wife. Daqui a uns dias, umas semanas, Carrilho cairá em si e detestar-se-à mais do que detesta Bárbara. Verá que o que fez nunca lhe será perdoado, e viverá o resto dos seus dias isolado, condenado a assistir a um renascimento - social e, atrevo-me a dizer, físico - de Bárbara, uma mulher que, aos quarenta anos, é desejada por adolescentes e senadores. A vingança servir-se-à fria.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O meu filho mais velho foi à natação

O meu filho mais velho foi à natação. Ou melhor, levei o meu filho mais velho à natação. Parece que estou a dizer o mesmo, mas a segunda frase revela um pormenor importante: eu fui junto. Tudo começou porque a mãe do meu filho mais velho - que é a mesma mãe do meu filho mais novo, não sei onde é que vocês foram buscar essa ideia - decidiu, e bem (como sempre), que estava na altura do nosso filho mais velho ir para «a natação». Agendou-se, por isso, «o teste», e perguntou-se à criança quem ela queria que a acompanhasse. Deu asneira, escolheu-me a mim. Perguntou-se (perguntei) novamente no dia seguinte, mas a criança é teimosa, como são todas as crianças (a «teimosia» das crianças não é mais do que a nossa falta de disponibilidade para aceitar o facto de que elas têm opiniões e memória). Elas têm, azar o meu, piscina comigo. Vejam bem, eu gosto de piscinas, gosto de nadar, gosto tanto de água que até gosto daquelas piscinas ao ar livre que a chuva e a sarjeta entupida criam no asfalto irregular. Mas a «natação» junta à «piscina» um dado que já não me agrada tanto: outras pessoas. E a «natação para bebés» faz o pleno: junta outras pessoas (onde «pessoa» significa, e bem, um adulto) a outros bebés. Se há coisa que aprendi com a experiência da paternidade é que não gosto de crianças à excepção das minhas. Isto é, gosto delas, acho-as ternurentas, mas é rara a experiência da minha vida que não seria melhorada pela ausência dos filhos dos outros (é por isso, por exemplo, que estranho a baixíssima incidência de canonizações de educadoras de infância). Sou uma má pessoa, mas ao menos já não sou uma criança. Mas como a minha mulher está contratualmente habilitada a mandar em mim, vesti o fato de pai extremoso (um fato que me cai bem, ao contrário de outras peças de, chamemos-lhe assim, «roupa», como veremos mais à frente) e fui. Chegado o dia e o meu filho mais velho estava entusiasmado, a minha mulher estava entusiasmada, e o meu filho mais novo estava entusiasmado (apesar de ninguém lhe ter explicado nada): três em quatro não é nada mau. Eu estava receoso. Sabia, porque pesquisei na internet, que não é socialmente aceitável uma pessoa passear no espaço público de touca e toalha ao ombro, e por isso protocolo obriga a uma passagem pelo balneário. Todos vocês há passaram por balneários, e estou certo que desse lado já se está a gerar alguma empatia. Ora, o último balneário que eu frequentei vem de uma altura da minha vida e da vida do país que permitiu que eu gastasse 10% do meu salário numa mensalidade de um ginásio; aqueles balneários eram limpíssimos, eu tinha nojo de chegar a casa quando vinha do ginásio. E a hora a que eu os frequentava - praticamente de madrugada - significava que eu estava lá praticamente sozinho. Publicidade altamente enganosa para quem se viu abruptamente num balneário de «natação para crianças» num sábado de manhã. Não só o espaço obrigava a negociações permanentes entre os utentes, como os utentes incluíam os filhos dos utentes, à taxa altíssima de 1 para 1. Que não haja dúvidas: o inferno está cheio de estranhos em trajes menores. Fingi estar de acordo com aquilo tudo e preparei-nos para o teste, ignorando, por ora, a lista de material necessário para as aulas de natação. Tínhamos touca (tinha o meu filho, porque esquecera-me da minha em casa), chinelos, toalha e calção de banho. Eu sabia que os nossos calções de banho não correspondiam aos critérios publicados no regulamento da piscina, mas queria acreditar que haveria da parte das entidades fiscalizadoras uma interpretação de sentido lato daquilo que é um calção de banho «justo ao corpo e sem bolsos», mas vim a saber que não e que aquela expressão não passa de um eufemismo. Já no interior da piscina, o nadador salva-vidas aproximou-se de nós e disse aquilo que seria repetido por outra pessoa no final do teste, não fosse ter ficado mal explicado: os calções de banho («do menino também») têm de ser justos ao corpo («ao meu corpo, querem mesmo ver isso?», perguntei vigorosa mas mentalmente) e sem bolsos, de licra. Disse que sim com a cabeça, mas que não com o coração, e prometi ser obediente no futuro. Posto isto, estava na hora do teste, que consistia na participação numa aula. Fomos apresentados à professora, e até àquele momento nunca me tinha passado pela cabeça que uma professora de «natação para bebés» tinha de ter exactamente a presença que aquela professora apresentava: uma presença absolutamente intimidatória de natureza militar. Sentem-se na borda da piscina; sentámo-nos. Rodem o corpo; rodámos. Entrem dentro de água; entrámos. Percebi uma coisa: ser criança é estar em permanente regime militar. O meu filho estava muito mais à vontade com aquelas ordens do que eu. Sobre mim tinha descido um pânico familiar, que recuperei dos meus tempos de escola, motivado pela hipótese de fazer alguma coisa de errado. E fiz. Às tantas, por exemplo, estava abraçado a uma bóia imitando as ordens daquela baronesa von Trapp de touca, só para me aperceber depois que aquele movimento era para ser seguido pela criança. Ela não se riu, o que revela que aquilo lhe deve acontecer frequentemente, ver pais transformados em crianças assustadas - este é, pelo menos, o meu ardente desejo. Mas, aos poucos, fui recuperando a clareza de raciocínio a tempo de perceber que o meu filho estava a cumprir tudo com distinção. Tão preocupado que estava com a minha própria figura que aquela prestação exemplar quase que me passava ao lado! Ah, o orgulho. Ele abraçou a bóia, atirou a bola, apanhou o disco, nadou de frente, nadou de costas, saltou três vezes para dentro de água. A mãe, do lado de fora, registava tudo em fotografias que, infelizmente, ainda estão por destruir, já que a minha massa corporal não é transparente e estraga todos os planos. No final, já de volta aos balneários, com aquela sensação de conforto dada pela ainda que ligeira familiarização a um sítio hostil, vesti o meu filho com um sentido de dever cumprido: ambos tínhamos passado no teste. A sensação de conforto durou pouco, até me aperceber de uma coisa: aquele ritual teria de ser repetido, e da próxima vez com recurso a inevitáveis cedências estéticas e civilizacionais impostas pelo regulamento do equipamento da piscina, e que partem de um princípio utópico: que todos nós temos o corpo do Michael Phelps. Restam, por isso, duas hipóteses: convencer o meu filho que a mãe dele está muito mais apta para a tarefa, ou matar toda a gente que, semanalmente, for testemunha deste infeliz sinais dos tempos.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

PR



































Gabriella Zanna Vanessa Anstruther-Gough-Calthorpe, futura cunhada do Príncipe-eu-é-que-escolhi-a-irmã-errada-Harry.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Origin

















The Nobel Prize in Physics 2013 was awarded jointly to François Englert and Peter W. Higgs "for the theoretical discovery of a mechanism that contributes to our understanding of the origin of mass of subatomic particles, and which recently was confirmed through the discovery of the predicted fundamental particle, by the ATLAS and CMS experiments at CERN's Large Hadron Collider"

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Também tu, Bruno?

Também tu, Bruno? Há dias encheste-me de alegria quando obrigaste o Pinto da Costa a recorrer a essa muleta cobarde do futebolês que é o «Não conheço esse senhor», sempre invocada quando não há mais nada para dizer, e agora isto? E tu que começaste tão bem, com essa referência sarcástica ao ciclista, tão bem metida, tão a propósito, que não havia necessidade de estragar tudo com esse remate. E eu que até aposto que tu já choraste com o Rui Costa, não esse, que tu conheces, mas o outro, o futebolista, que marcou aquele golo à Irlanda em 1995, abrindo caminho ao regresso da selecção de todos nós às grandes competições internacionais. Aposto que se calhar até lá estavas, com os teus 23 anos carregados de paixão futebolística, a ver o teu Figo, o teu Oceano, e o nosso Paulo Sousa. Quase que te vejo lá, exultante, esquecendo por breves, brevíssimos momentos o anti-benfiquismo honesto que te corre nas veias, orgulhoso de saber que também tu, enquanto adepto do Sporting Clube de Portugal, eras responsável por aquele feito extraordinário do pequeno país que dá nome ao teu clube. E talvez também tenhas sentido uma emoção desenfreada com aquele golaço contra a Inglaterra, também no Estádio da Luz, esse covil de lampiões, em 2004, que manteve vivo o nosso sonho de chegar à final. Não, ninguém acredita que tu não conheces «o outro» Rui Costa, o «verdadeiro», se me permites, como diria o José Mourinho (abuso da tua paciência, eu sei: o José Mourinho é um treinador português com algum currículo internacional, pede para te verem isso na internet que valerá a pena). Ninguém acredita, Bruno, porque tu és um exemplo para todos nós do que deve ser a paixão pelo futebol; tu fazes-nos questionar o nosso esforço na devoção ao desporto-rei, tu envergonhas-nos com a tua dedicação, a tua procura incessante pela glória ("esforço", "devoção", "dedicação" e "glória", isto sou eu a apelar ao teu coração). Eu não esperava isto de ti, e por isso vou acreditar que foi um deslize passageiro, uma vez sem exemplo, uma fraqueza que também é permitida ocasionalmente aos grandes homens. Um abraço amigo.