quarta-feira, 4 de maio de 2005

Nesse dia

Entre teatros, metido numa esquina com a «travessa dos teatros» ou qualquer coisa do género, há um café-restaurante. Espreita S. Carlos lá em baixo. Não lhe vê a cara, só os lados. Anicha-se tranquilamente aos pés do Mário Viegas, paredes meias com o S. Luiz. Tudo à volta parece ser de tardoz. É um espaço residual que resulta numa pequena variação geométrica. Dá-se pouco por ele. O Chiado está cheio de gente para cima e para baixo, numa sexta-feira de clima ligeiramente ameaçador para dia de primavera. A estátua de Pessoa está longe de ficar só. Sente-se o cheiro das pessoas. Mas ao dobrar da esquina, numa rua que mete para dentro, parece que alguém se esqueceu de descobrir aquele sítio. As pessoas passam, sem ligar. E espantam-se aqueles que aos poucos gostam de viver a cidade. Nos cafés. Naquele café, no centro de Lisboa agitada. Mas aí nada é agitado. Não se dá pelo tempo a passar. Conversa-se sobre os assuntos mais banais, sobre os assuntos mais sérios. Mas nada disso interessa realmente, naquele café onde até os empregados se desligam calmamente. O que interessa é dizer. E ouvir. Descobre-se mais um bocado de cidade, que ganha significado. Um imenso significado. Ao contrário do fingimento dos teatros que abraçam aquele café, aí nada é falso.

o café, 6 de Maio de 2004, escrito dois dias depois