quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Kafka era português (2)

(Tesouraria da Segurança Social. Entra um indivíduo extremamente bem parecido)

- Bom dia. Eu estou aqui para pedir uma declaração de inexistência de dívidas à Segurança Social [daqui para a frente «SS»], mas como eu sei que tenho algumas dívidas disseram-me que podia vir aqui à tesouraria liquidá-las desde já.
- De quando são as dívidas?
- Não sei bem, mas sei que são de 2009 porque fiz alguns pagamentos com atraso.
- Tem de saber.
- 2009, já lhe disse, não sei o mês ao certo.
- Então vamos começar por 2008.

(tecla tecla tecla)

- Ora cá está: o senhor tem uma dívida de fevereiro de 2008.
- Isso não pode ser.
- Está aqui (mostra o monitor).
- Mas eu tenho uma declaração de inexistência de dívidas de abril de 2008.
- Isso não quer dizer nada.
- Como?
- Isso não quer dizer nada.
- Mas em abril de 2008 a SS passou-me uma declaração a dizer que eu não tinha dívidas...
- Isso não quer dizer nada.
- As declarações não servem para nada?
- Não. Às vezes as dívidas demoram meses a cair no sistema.

(O indivíduo bem parecido suspira, derrotado)

- Então, se essa dívida aí está, é porque eu a tenho, não é? É que assim pago já.
- Não.
- Não como?
- Aqui é a tesouraria, é para pagamentos. Para apuramento de valores é na senha I. Eles lá é que lhe vão dizer se tem ou não dívidas.
- Mas o sistema não é o mesmo?
- É.
- Então vão detectar as mesmas dívidas que o senhor detectou.
- Pode ser que sim, pode ser que não.
- Mas...
- Tem de ser na senha I.