sábado, 4 de dezembro de 2004

A Escola

Na revista Xis de hoje Camilo Rebelo e Tiago Pimentel são entrevistados. Quem são? Os vencedores de um dos concursos mais badalados dos últimos tempos: o Museu de Foz Côa. São dois desconhecidos que aparecem agora com um projecto, do qual só se conhecem algumas imagens e intenções, muito interessante, novo, e estimulante. Mas não é isso que me interessa agora. Se cito a Xis tenho de ter uma forte razão para isso. A dada altura Tiago Pimentel diz o seguinte: «Nasci e vivi sempre em Lisboa, e tomei uma opção deliberada de vir para o Porto estudar arquitectura, no fundo por causa do trabalho do arquitecto Siza Vieira. Isso foi um marco importante.» Este desejo de perseguir uma escola é comum a muita gente. E se ultimamente se tem vindo a assistir a variadas críticas à Escola do Porto, a verdade é que ainda é a única escola visível em Portugal, o único local onde o espírito é honesto e transparente. O que levanta o debate: devem as escolas de arquitectura ser escolas, com o seu espírito bem marcado? Ou é isso uma forma de limitar as potencialidades de descoberta que a aprendizagem na arquitectura possibilita? Não tenho certezas acerca disto, mas impressiona-me o mito da Escola do Porto. Há ali uma formação específica na maneira de pensar a arquitectura, única no mundo, que muito tem feito para a criação de uma cultura própria do Portugal contemporâneo. Olhando para a projecção dos nomes portugueses na Europa (independentemente de gostarmos ou não) percebe-se que os dois nomes de Lisboa, Carrilho da Graça e Gonçalo Byrne (ou mesmo Aires Mateus), poderiam pertencer perfeitamente ao universo formal que identificamos como Escola do Porto, o que prova que a sua influência estende-se para além dos seus limites geográficos. E o que é a Escola do Porto? O que a denuncia? Há, de facto, elementos de continuidade que são facilmente identificáveis e que vêm desde Fernando Távora. A arquitectura da Escola do Porto é contida, contextual, rigorosa, intimamente ligada à pedra e ao património, de linguagem neo-moderna (ou simplesmente moderna, se quisermos). É isto que nós, os não-peritos e apaixonados, vemos como Escola do Porto. Também vemos os malefícios deste modo de pensar institucionalizado, expressados no culto da personalidade acrítico. Sim, a Escola do Porto também tem gerado aquilo a que Pedro Vieira de Almeida chamada de sizinhas, ou seja, um conjunto de obras feitas por gente que não consegue identificar os verdadeiros elementos base da escola, e se ficam por piscadelas de olho estilísticas sem consequência. E agora volto ao princípio, ao Museu de Foz Côa, para justificar o sucesso escola. O Museu de Foz Côa não é branco, não é liso, não é neo-siza. É o resultado de uma maturação de um modo de pensar, uma interpretação pertinente do que verdadeiramente interessa na escola, não se esquecendo a influência decisiva do trabalho da dupla Herzo & deMeuron, onde trabalhou Camilo Rebelo. Mas mesmo aqui se percebe uma coerência benéfica: o espírito do Porto encontra muitos paralelismos no trabalho deste par suíço. Neste caso a passagem académica por uma escola forte não limitou nem constrangiu a futura actividade.
A alternativa Lisboeta não se conseguiu impôr como escola, talvez porque nunca o quis ser. A Universidade Autónoma apresenta hoje o grupo docente mais interessante da capital, mas não é possível traçar uma linha, seja ela qual fôr, que una Graça Dias, Carrilho da Graça, José e Nuno Mateus (ARX), e Francisco e Manuel Aires Mateus. Se é um grupo que não deixa margem para dúvidas da sua qualidade, também é certo que a experiência de qualquer aluno irá ser radicalmente diferente de ano para ano, para o bem e para o mal. Ou o que dizer do grupo de professores do Instituto Superior Técnico (que me interessa e afecta particularmente)? A direcção do curso, preocupada em construir um grupo docente que tivesse como traço comum um "perfil IST", que passa por uma actividade profissional fortemente ligada à obra e à grande escala, apresentou, até este ano, um grupo hiper-heterogéneo: António Barreiros Ferreira, Manuel Vicente (este ano substituido por Falcão de Campos!), Mário Sua Kay e Manuel Salgado. Um aluno submetido a esta máquina trituradora ou sai do curso arquitectonicamente esquisofrénico ou completamente cínico e desapaixonado. Ou então, e aqui reside a toda a minha esperança, consegue aprender a lição fundamental: que a arquitectura é um mundo altamente complexo e contraditório.