sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

Espaço público

Ontem, no Blasfémias, dizia LR:

«Em Portugal e em qualquer outro País, os edifícios mais faustosos, monumentais, emblemáticos, de traça arquitectónica ímpar, foram construídos pelo Estado ou pela Igreja. Porque será???»

LR desenvolveu depois a ideia na (interessante) discussão que se gerou na caixa de comentários:

«Ou seja, os edifícios grandiosos, faustosos, emblemáticos foram construídos principalmente pelo Estado e pela Igreja porque estas foram desde sempre as únicas instituições às quais não se colocava o problema de escassez ou de custo dos recursos: sempre os obtiveram de forma duradoura e mais ou menos coerciva. O objectivo na construção nunca teve a ver com critérios de satisfação de necessidades específicas ou de rentabilidade, mas sim de demonstração de poder.
Como tu dizes, hoje os edifícios mais notáveis (eu diria mais demandados) são os centros comerciais. Os privados constroem-nos e continuarão a fazê-lo enquanto tal lhes for benéfico. Mas nenhuma instituição privada construiria alguma vez o CCB ou a Casa da Música...»


Em primeiro lugar não acho que os edifícios mais notáveis sejam os centros comerciais. É absurdo dizer isso. Por uma razão fundamental: são maus. Não conheço um único centro comercial que tenha tornado Lisboa ou o Porto (por exemplo) num sítio melhor para viver.

Há uma frase de LR que considero exemplificativa da diferença de opiniões que temos: «Mas nenhuma instituição privada construiria alguma vez o CCB ou a Casa da Música...» Isso é mau ou bom? O CCB é hoje o equipamento cultural mais forte de Lisboa. Resolveu uma área urbana problemática, ofereceu à cidade um espaço priviligiado para as mais diversas actividades (colóquios, exposições, espectáculos), e, acima de tudo, criou valor urbano. O valor da Casa da Música será notado a longo prazo. Não tenho dúvidas que a sua excelência arquitectónica orgulhará a tão mal-tratada auto-estima dos portugueses (em particular dos portuenses), para além de funcionar como pólo cultural dinamizador (falo unicamente do edifício, não quero saber das trapalhadas sucessivas na administração). Por estas e outras razões ainda bem que o Estado construiu estas obras. Coloco uma questão a LR: o valor patrimonial de uma obra é desprezável? É justo comparar o Colombo com o CCB unicamente com base no dinheiro que sai do bolso dos portugueses? Ou a Casa da Música com o Norte Shopping? E, se nenhuma instituição privada estaria disposta a construir o CCB ou a Casa da Música, não será uma função do Estado construí-los? A população quer ver o seu dinheiro bem aplicado, e os grandes projectos arquitectónicos são um exemplo disso. Basta ver a indignação que se gerou quando circulou a notícia da venda do Pavilhão de Portugal. Que os meus impostos continuem a pagar as grandes obras. É o mínimo que se pode exigir.

ACT: O Lutz continua a conversa: Apologia de edifícios faustosos, pagos pelo contribuinte.