quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Ó Chávez

Gostava de partilhar convosco o quanto no meu âmago (bonita expressão) me senti monárquico ao ver, na Cimeira Ibero-Americana, Juan Carlos, Rei de Espanha, pedir a Hugo Chávez, intendente da Venezuela, que se calasse. Os factos são conhecidos do grande público: enquanto Chávez, no seu habitual registo inimputável, insultava Aznar de fascista, o magnífico Rei Juan Carlos (Sua Majestade, Sua Eminência, Sua Senhoria) lançou-lhe um sumaríssimo: Por qué non te callas?

No fundo, é isso. Por qué non te callas, Chávez? Dentro de portas, estabeleceste um regime populista e autoritário, pouco importa se apoiado pela maioria dos venezuelanos. Nada te escapa e quem não é chavista está condenado à inércia ou ao ostracismo. Externamente, usas uma linguagem entre a paranóia e a arruaça. Precisamos mesmo de te ouvir? Porque devemos nós, os que acreditamos que a democracia não depende só dos votos mas de uma certa legitimidade de exercício, os que acreditamos numa comunidade organizada segundo princípios da democracia liberal (liberdades, separação de poderes, checks-and-balances, respeito pela oposição, responsabilidade e prestação de contas), os que acreditamos que os recursos de um país devem ser geridos e distribuídos de forma transparente, sem tentações clientelares ou chantagistas, porque devemos prestar atenção a orações injuriosas? Não serás tu o fascista, ó Chávez?

E por qué non se callan também os que, na incapacidade de condenarem claramente o ditador da Venezuela (porque ditador é aquele que age como ditador, seja ou não eleito), resolveram atacar a "grosseria" diplomática do Rei de Espanha, essa figura anacrónica que devia era curvar-se perante um Presidente eleito, mesmo que do baixo quilate deste triste Chávez? Mas não são vocês que contra todas as diplomacias da conveniência e do cinismo, lutam pela supremacia dos valores nas relações internacionais? Não são vocês que sempre se manifestam contra os abusos da liberdade de expressão, quando pensam que as vossas ideias estão a ser visadas? Somos obrigados a tolerar que se insulte um ex-governante de fascista, mas devemos reagir contra os caricaturistas de Maomé, os Nobéis desbocados com teses deterministas sobre o ADN dos negros, os acéfalos da extrema-direita.

É só porque Juan Carlos, o nosso Rei, não foi eleito? Mas como duvidar da legitimidade da monarquia em Espanha? Evidentemente, a legitimidade que advém das eleições pode coexistir com outras formas de legitimidade: histórica, simbólica ou social. Onde está a maioria de espanhóis que deseja acabar com a monarquia? E eu nem sou monárquico, mas quando Juan Carlos saiu da mesa acho que me tornei num carlista. Quero um Rei destes. Até pode ser absoluto.

Pedro Lomba no DN