[O]s Americanos consideram a rua uma espécie de bastidores anónimos, ao passo que, para os Franceses, a rua é o próprio palco. Uma empregada de escritório americana a caminho do emprego não se preocupa com o seu aspecto; tira os ténis e calça salto alto apenas quanto entra no escritório, ao passo que uma mulher francesa sente que está em cena no exacto instante em que sai para a rua. Roupa, cabelo, maquilhagem, tudo tem de estar impecável. Os Franceses, por vezes, preocupam-se excessivamente com a impressão que podem ou não causar; uma mãe é capaz de passar meia hora a tirar fios quase invisíveis do fato azul-marinho do filho, antes de sairem de casa a caminho da missa; ou então vira-se para o filho no comboio e dispara-lhe num sussurro: «Não fales tão alto, estás a chamar a atenção das pessoas».
Paris, Os Passeios de um Flâneur, Edmund White
Edmund White escreve sobre Paris, uma cidade que criminosamente não conheço, atropelo civilizacional que corrigirei já amanhã, e sobre uma actividade que me apaixona, a do flâneur. Pelo meio fico a perceber a tão famosa cultura francesa que está impregnada na sociedade portuguesa, embora em vias de extinção. Às vezes, como nesta passagem, White parece estar a descrever os portugueses quando fala dos parisienses, sobretudo nas pequenas subtilezas que só são pequenas para o untrained eye.
P.S: O livro abre com uma frase perfeita: «Paris é uma grande cidade, no sentido em que Londres e Nova Iorque são grandes cidades e Roma é uma aldeia, Los Angeles uma colecção de aldeias, e Zurique uma província.»