quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Mais valias

Passas-me as cartas mas eu não subo a aposta, embora vá a jogo, porque não tenho nada a alterar ao rumo da conversa, apenas acrescentar. Essa passagem da entrevista foi das que mais gostei. Só uma pessoa da geração de Gonçalo Byrne a poderia dizer porque os mais novos estão demasiado concentrados em fazer-se notar. E quando é dita por uma pessoa com o nome de Gonçalo Byrne, mais pertinente se torna. A importância da invocação desse sentido económico da arquitectura tem a ver com um certo alheamento da intelligentsia arquitectónica do banal, do quotidiano, daquilo que se repete para formar os espaços que são mais do que a soma das partes. O elogio do que já foi tentado e provou ser bem sucedido é sempre preterido pelo elogio do disparate original. Michelangelo, certíssimo, ou mesmo Charles Correa, tudo bem. Mas isso é falar de bugalhos quando foi de alhos do que falou Byrne. Byrne falou do pronto a vestir de que precisa a arquitectura portuguesa, que é rica em alta-costura. Aquilo a que assistimos hoje em dia é uma espécie de divórcio entre a arquitectura que é pensada, a quem exigimos o exigível e o inatingível - basta ouvir a vox populi sobre o arquitecto X que «só fez erros» na obra X - e a arquitectura que é apenas uma consequência formal de uma necessidade desajeitada, a quem tudo perdoamos e ignoramos. É importante que Gonçalo Byrne alerte para esta economia de meios, porque só assim se explica que a arquitectura não se remete apenas aos universos formais dos arquitectos que se habituaram à excepção e à excentricidade; a arquitectura é um esforço mental que se exige a todo o construtor, e é um exercício que deve ser íntegro na procura de um respeito colectivo que dignifique a comunidade onde ela actua. Aos mais novos resta perceber que o ser publicado na revista não é a finalidade última do seu trabalho - não, não é, por mais incrível que isto possa parecer - mas sim o de contribuir para que um conjunto de pessoas específicas que vivem num determinado lugar vivam com mais facilidade e felicidade.