quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Books vs. shoes

Em Books vs. Cigarettes George Orwell fala da sua experiência como funcionário de uma loja de livros em segunda-mão, e em como essa experiência ia matando a sua relação com os livros. Um dos dados que achei mais curioso diz respeito à discrepância entre os livros que eram emprestados pela loja (um dos seus negócios) e os que eram vendidos. Os livros «mais vendidos» não eram os «mais emprestados» e vice-versa. Orwell, numa análise que parece clara, sustenta a ideia de que os primeiros (os emprestados) são livros que as pessoas querem de facto ler, e que os segundos (os vendidos) são livros que as pessoas acham que devem ler, mas que - devido a não terem saída no mercado do empréstimo - lêem pouco. Será uma questão de status e de exibicionismo intelectual? Era assim no princípio do séc. XX, e continua a ser um pouco assim no início do séc. XXI. Não vamos mais longe: o meu post de anteontem (o do queijo) não é mais do que a minha vaidade revelada através de uns quantos livros, semelhante àquela vaidade que testemunhei em Milão das pessoas que se vestem ostensivamente bem (a ideia conceptual que sustentou o post era esta, faltou talento para a colocar em evidência). Mas o que tem mais graça é que eu só li um deles antes de escrever o post - Books vs. Cigarettes, no avião, é curtinho. Os restantes 4 eu suspeito que sejam bons (Saul Bellow, Philip K. Dick, Don Delillo, David Lodge: não há como enganar) e, ou mas, sei que são passíveis de me emprestar alguma credibilidade pessoal, ainda que eu não produza nenhum pensamento interessante sobre eles. Leste o Roth? Li o Roth, pá, aquilo é muita bom, e pronto, achamos que «ler o Roth» é só por si suficiente. Claro que não é e claro que nós podemos não gostar «do Roth» sem que isso nos desqualifique. Mas, à partida, será saudável que quereramos gostar «do Roth» mesmo sem o conhecer. É uma espécie de curiosidade saudável e que de vez em quando produz resultados positivos. E isso leva-me a Agustina, que explica que escreve «por narcisismo». Sim, «por narcisimo», porque não? E, se alguém escreve «por narcisismo», também pode ser possível ler «por narcisismo». Ler torna-nos melhores aos nossos próprios olhos? Responde a uma necessidade de afirmação pessoal, por muito fútil que possa parecer? Acho que sim. Mas se quiserem mais pormenores, posso postar aqui uma foto dos sapatos que comprei por 13 euros, que são lindos.