domingo, 12 de outubro de 2008
Não me lembro da última vez
Não me lembro da última vez que escrevi um post às 3 da manhã. Melhor, lembro-me: era solteiro e a blogosfera atravessava o seu período heroico. A Coluna Infame já tinha acabado (o período pré-heroico) e se tivéssemos sorte podíamos apanhar em directo a actualização do Dicionário do Diabo: era só esperar pelas 4h30 da madrugada e ir fazendo refreshes múltiplos. Ricardo Araújo Pereira ainda era fundamentalmente uma sigla. A «esquerda» era quase moribunda, estando o José Mário Silva quase sozinho na luta. Hoje o culpado foi o concerto dos Pontos Negros, aqui ao pé de casa, no MusicBox, uma sala absolutamente não preparada. Apesar do desiquilíbrio total do som (graves ausentes, agudos estridentes) o concerto foi um bom concerto. O hype não fez estragos: tirando a presença de João Botelho (esse mesmo) e de Tiago Bettencourt (esse mesmo) o ambiente era quase familiar, apesar de eu não conhecer lá ninguém. Percebia-se que o público queria estar ali e que os Pontos Negros também «só queriam estar ali» (perdoem-me a adaptação). A «primeira parte», a cargo dos Golpes, não desiludiu e rivalizou com o prato principal. A minha mulher, que concorda em absoluto com o Samuel Úria quando diz que «isto só podia ser deliciosamente adolescente» (à excepção do «deliciosamente») ficou em casa, a provar que a sensatez ainda é um reduto feminino. Eu, que ainda não consigo adormecer, vim para aqui lembrar 2004 e meditar sobre a mais convincente chamada à fé que me fizeram nos últimos tempos: os tipos dos Pontos Negros quiseram acabar cedo porque amanhã é domingo e «dia de ir à igreja». Eu deveria ir e pedir perdão por ter começado o dia a esquecer-me do baptizado de uma filha de uns amigos. A superioridade moral deles fez com que o seu único comentário fosse: «Anda cá ter, estás cá num instante». Fomos a Évora, violando sucessivamente vários artigos do Código da Estrada, voltámos melhores pessoas e ficámos a conhecer mais uma filha de Deus. Em suma, foi um dia onde mais uma vez senti a amargura da minha imperfeição e o conforto da - não merecida - redenção. Entretanto parece que a fadiga começa a vencer a batalha e isso significa que ficamos por aqui.