quinta-feira, 19 de junho de 2008

Complicado

Numa entrevista que lhe li Ricardo Araújo Pereira falou filhas e do amor paternal. Disse uma coisa que me marcou: que vivia assustado por ver nas filhas um potencial enorme para a infelicidade e desgraça. É algo muito violento para se dizer, mas ao mesmo tempo de um inegável acerto. Para um pai o inferno existe: a ideia de que pode acontecer alguma coisa a um filho, uma coisa que o pai não hesitaria em sofrer se isso poupasse o filho. No limite, até a morte. Pensei nisto ao ver, mais uma vez, Lisboa a acordar vestida com tops e t-shirts e bandeirinhas e cachecóis e toalhas e óculos e bonés da selecção. O povo português, o mesmo povo que passa o resto do biénio a tecer considerações sobre «este país», decidiu adoptar a selecção portuguesa de futebol profissional masculino como o filho que carrega o tal potencial de felicidade infinito. Mas esqueceu-se, no caminho, de avaliar as consequências e não percebeu que o mata-mata também se pode dizer morre-morre. E não há pior situação para uma nação deprimida do que a adição de mais um motivo para não se sair da depressão. Aquele olhar de vazio que costumamos ver na televisão do lado dos adeptos vencidos vai ser mais pesado desta vez. Oxalá ganhemos a taça, senão isto vai ser complicado.