sábado, 2 de abril de 2005

Aquilo que ainda vamos ter que sentir

Jorge Figueira hoje no Público, a propósito do Pritzker de Thom Mayne, lembra que o pós-modernismo quase não passou por Portugal:

É um bom pretexto para redescobrir uma arquitectura que decorre de uma certa cultura arquitectónica dos anos 80 - como acontece com Zaha Hadid, não por acaso a premiada em 2004 - e acertarmos o passo com um debate que mal chegou a pousar em Portugal. O "desconstrutivismo" não entrou cá, e, no entanto, já lá vão dois prémios Pritzker e outros virão com a mesma natureza.
Se aceitarmos que a abordagem do pós-modernismo na arquitectura se fez com uma face "historicista" e outra "desconstrutivista", dir-se-ia que Portugal só se reviu na primeira, por reflexo público da obra e discurso de Tomás Taveira.

Já no último número do Jornal dos Arquitectos (217 - Outubro, Novembro, Dezembro 2004), Jorge Figueira aborda esse mesmo tema:

No nosso tempo e contexto, o "contemporâneo" é uma espécie de transe, um espelho baço para todos os relativismos. Em Portugal ainda estamos a decidir se alguma vez fomos modernos, e já o "contemporâneo" nos entra em casa como umtsunami.
Pessoalmente, interessa-me o momento "onde as coisas se precipitaram", como diz Eduardo Prado Coelho: "Podemos ser tentados a saltar etapas, e talvez não haja alternativa para isso, mas não podemos deixar de tentar recuperar o que havia de positivo e de enriquecedor nas etapas que foram saltadas: porque doutro modo perdemos em todos os tabuleiros".
É nesse sentido que eu quero invocar Aldo Rossi: como uma etapa que saltámos; como uma angústia e um sorriso que se esvaiu nas cores do "pós-modernismo"; como aquilo que ainda vamos ter de sentir.

Sou particularmente sensível a este tema. O que aconteceu em Portugal foi uma rejeição à partida do pós-moderno. Talvez por razões económicas (o "desconstrutivismo" é coisa cara). No entanto, o pós-modernismo coincidiu (pelo menos o seu arranque) no tempo com outra reacção ao moderno: o "regionalismo crítico", isto é, a tentativa de não abandonar o moderno adaptando-o, reinterpretando-o, à luz do(s) contexto(s) histórico(s) e geográfico(s). Acontece que, feliz ou infelizmente, essa atitude acabou por vingar em Portugal, e os nomes mais influentes foram (e são) mestres. A começar por Távora e Teotónio, passando por Taínha e Siza (este percursor do "neo-modernismo"), todos eles sempre fizeram declarações de fé ao moderno. O pós-modernismo acabou por não ter espaço para aparecer. Taveira, de facto, conseguiu-o, mas fica como prova que teve ser "à força", impondo-se, chocando, gritando. No entanto considero que há outros nomes com obra feita em Portugal que arriscam o rótulo: Hestenes Ferreira, por exemplo. Mas de facto se queremos ver obra pós-moderna feita por portugueses temos necessariamente de sair do país. Por muito que não goste do título, Manuel Vicente sempre navegou nas águas pós-modernistas, sob forte influência de Venturi (enquanto que Hestenes Ferreira respira mais directamente a influência de Kahn.) Também Pancho Guedes, ainda mais marginalizado do que Manuel Vicente, é um pós-moderno - mas neste caso um pós-moderno quase surreal, desalinhado, independente. Também Manuel Graça Dias e Egas José Vieira se podem ler à luz desse "movimento". Ainda assim fica claro que essa "etapa" é muito ténue em Portugal e que, claramente, as consequências estão à vista, fruto da influência fortíssima que tiveram (e têm) Siza Vieira e Souto Moura, este último introduzindo a componente miesiana que faltava ao moderno português.

P.S: A actual direcção do JA (liderada por Graça Dias) cessou funções com este número. Ficam dois desejos: que a próxima consiga manter a elevadíssima qualidade actual; e que Graça Dias não deixe a actividade editorial, noutro sítio qualquer.

P.S.2: O "nosso" blogosférico jmac, a continuar assim, arrisca-se também a fazer uma entrada directa para tabela dos pós-modernos.