domingo, 3 de abril de 2005

O próximo?

Não vale a pena fazer expeculações, dizem. Discordo. Vale a pena toda não tanto especular mas lançar desejos. É isso que faço hoje, é isso que venho fazendo há uns tempos. Confesso que na minha situação o problema é biográfico, correndo por isso o risco de estar a ser interesseiro. Mas todos o somos, portanto perco a vergonha.

O próximo Papa será o próximo Papa. É importante lembrar isto quando todos falam numa figura que parece eclipsar-se como o sucessor de João Paulo II. Nada diz que depois de um Papa forte não possa vir um Papa ainda mais forte. E se João Paulo II fez quase tudo o que havia para fazer (agora) nalgumas áreas, noutras parece ter deixado o convite aberto. Diálogo inter-religioso? Abertura geográfica? Distanciamento político? Karol Wojtyla deixou bem vincadas as pegadas: é só uma questão de saber segui-las.

A minha geração católica define-se por um fundamentalismo moral que não existia há uns anos. João Paulo II muito para isso contribuiu. Quando se fala nos jovens deste papado fala-se naqueles que disseram sim e se entregaram totalmente a uma fé que foi gerida pelo cardeal Ratzinger. Falo por exeperiência própria: à minha volta as águas foram-se separando. De um lado os que evangelizaram a abstinência e a santidade; do outro os que se abstiveram de confrontos, colocando-se a uma distância confortável. O espaço para aqueles que, como eu, se sentem desconfortáveis com algumas das exigências morais da fé (reforçadas nos últimos 20 anos) foi sendo aos poucos reduzido. Ou estás a favor, ou estás contra, ouvi eu várias vezes, a fazer lembrar o discurso de Bush no pós-11 de Setembro. Poucos mas bons, pode ser outra das expressões que se adequa para descrever estes jovens.

E agora lanço os meus desejos, tão concretos quanto possível. Eu quero ver o próximo Papa resolver (porque sinto que é algo que necessita de resolução) o que está por resolver. A minha adesão a esta Igreja passa por ver as mulheres ordenadas, pela simples razão que nada parece justificar a actual situação (mesmo teologicamente o argumento, porque é só um, é incrivelmente frágil). Passa pela revisão por parte do Vaticano da sua posição sobre o planeamento familiar e a contracepção, não só por causa da SIDA mas também pela saudável permanência na fé daqueles que não se revêem na abstinência nem na extrema falibilidade e pouca conveniência dos chamados "métodos naturais". Passa pelo fim da perseguição aos divorciados, que só serve para marginalizar vítimas e forçar a continuidade de casamentos infelizes. Passa também pela maior participação dos leigos nas celebrações. Passa pelo reposicionamento dos movimentos ultra-conservadores no local que lhes é próprio: de minoria. Passa pelo fim da incompreensão face à homossexualidade, encarando-a não como um problema, mas como diferença.

O que faço não é uma ameaça. O que faço é aquilo que qualquer católico faz: desejar para a sua Igreja o melhor. Se o faço com tanta determinação é porque não quero pertencer a uma segunda (ou terceira) geração de vencidos do catolicismo. Não me quero afastar devido à impossibilidade de chamar meus certos princípios de vida. Porque não quero ser também um católico selectivo, que decide abaçar a prestações uma fé exigente.

João Paulo II deixou-nos saudades. Mas deixou-nos também várias portas por abrir. Não escondo que tenho grandes expectativas para os próximos anos.

P.S: Nem arrisco nomes. Parece-me no entanto que o escolhido deve ser, ao contrário do que se instalou como senso comum, um europeu, porque só um europeu terá condições para reformar estas posições. E portanto não me descontentaria o cardeal Godfried Danneels, se bem que se eu participasse no conclave o meu candidato falaria português. Sem sotaque.