sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Domingo no Iraque

«Passei quase todo o Domingo de 30 de Janeiro preso à televisão, a seguir as informações, em todos os canais internacionais, sobre as eleições no Iraque. Há muito tempo que um facto político não me comovia tanto. Na verdade, "contra toda a esperança", esperava o que aconteceu. Não porque seja dotado do dom da vidência mas antes por ter presente a recordação da minha breve visita a esse país, em finais de Junho e começos de Julho de 2003, onde, em todos os lugares que visitei, me apercebi de uma sensação de alívio generalizado e uma grande esperança com a queda da ditadura do Baas e de Saddam Hussein.
(...)
Isto, e, sobretudo, a formidável campanha internacional dos meios de comunicação europeus embebidos de ódio aos Estados Unidos, tinham conseguido persuadir uma percentagem importante da opinião pública de que a intervenção militar no Iraque era um fracasso absoluto, e, além disso, uma operação contraproducente que, em vez de desembocar numa democratização do país, incendiaria todo o Médio Oriente, deixando-o à mercê dos fanáticos fundamentalistas anti-ocidentais. (...) Toda a Europa do ressentimento e da nostalgia da evaporada resolução saiu para as ruas a festejar esta oferta dos deuses.
(...)
Quase 60% dos inscritos, uma participação cívica extraordinária, comparada inclusivamente com as democracias mais avançadas, algo que consolida de maneira retumbante os actos eleitorais iraquianos. E, também, mostra como são enganosas e mequinhas aquelas argúcias dos culturalistas, segundo os quais é abusivo e prepotente "impor" uma democracia à ocidental a uma sociedade cuja cultura a repudia intrinsecamente porque vai contra práticas, usos e crenças arreigadas às quais aquela não poderia renunciar sem perder em "identidade". E esses racistas consideram-se progressistas! Não percebem sequer que a sua noção de identidade colectiva é um campo de concentração que condena um povo inteiro a não progredir jamais, a eternizar-se no obscurantismo e na barbárie. (...)»

E continua.

Mário Vargas Llosa, in DNa, 18.Fev.2004