sábado, 28 de fevereiro de 2009

Carne com nomes falsos

O fim-de-semana começou muito bem, obrigado. Ontem, no Ípsilon, Pedro Mexia entrevistou Rogério Casanova e duas páginas à frente escreve coisas destas sobre Pastoral Portuguesa:

«(...) Casanova é o anglófilo impenitente, mas um anglófilo que diz "exemplar" e não "cópia", demonstrando que também conhece a língua de chegada. (...) O estilo, nada altivo, ajuda. Não há muitos críticos que escrevam numa página a palavra "berlaitada" e numa outra se refiram à "magnificação apofénica". (...) Ele nunca se indigna, nunca se choca, nunca tem o discurso cansativo da inveja e do ressentimento. A televisão é a comédia humana com entrega ao domicílio, e Casanova diverte-se com isso, utilizando em estilo o seu truque favorito: o cruzamento entre a cultura erudita e a popular. (...) Ao melhor estilo David Foster Wallace, Casanova também comenta com brio estratégico e dromológico um torneio de ténis ou uma corrida de cavalos, até porque em geral aposta nos resultados. Um patusco hábito inglês que faz todo o sentido nesta espécie de inglês que vê tudo como um jogo. E que, diabos o levem, ganha sempre.»

Não fica nada por dizer e os planetas alinham-se com delicadeza e discrição. Já perto da meia-noite o Frágil encheu-se de cristãos para ouvir Os Quais, que atenuam o facto de serem claramente melhores escritores de canções do que intérpretes através do contagiante e permanente sorriso do Jacinto Lucas Pires, uma voz com um timbre simultaneamente frágil e confiante que canta Lisboa (da Baixa à Calçada do Combro) com uma tranquilidade apaziguadora. O Samuel Úria também passou por lá só para provar que merece toda a atenção que lhe tem sido dada.
«A vulva nunca foi consensual.» Confesso que me andava a angustiar não ter conseguido ler ainda nenhum texto que valesse a pena sobre a «polémica» de Braga, de entre os 149 ensaios que foram publicados na imprensa e nos blogues nos últimos dias, todos eles, sem excepção, claramente perturbados pela imagem de Courbet. O Pedro Mexia, que anda há muitos anos a escrever sobre variações deste mesmo tema, arranca hoje no Público uma óptima crónica sobre o assunto e explica-nos que não faz mal nenhum incomodarmo-nos com a obra de Courbet. «É óbvio que o quadro possui uma dimensão chocante, não por causa da nudez mas porque choca com a ideia generalizada de que a vulva não é esteticamente agradável, especialmente se encimada por um triângulo púbico hirsuto. Em 1866 como hoje, aquele quadro provoca um choque estético, em intelectuais como em polícias de Braga. Hoje como então, somos pudicos com a pudenda.»
A minha rua está cortada ao trânsito, as máquinas continuam o seu trabalho de requalificação da Baixa, hoje vou jantar a um terraço com vista sobre a cidade.
«A castidade é a virtude característica da fé católica - porque não tem qualquer base na Natureza -, a virtude mais exuberante, transcendente, fantástica, a virtude da fé supranaturalista; para a fé, é a mais elevada das virtudes, mas em si não é virtude alguma. Por isso a fé converte em virtude o que em si, pelo seu conteúdo, não é uma virtude; não tem portanto qualquer sentido de virtude; tem necessariamente que degradar a verdadeira virtude, porque eleva uma mera virtude aparente, porque não é guiada por nenhum outro conceito a não ser o da negação, da contradição com a natureza do homem.» Diz Feuerbach numa página que abri absolutamente ao acaso, pela minha saúde, deste A Essência do Cristianismo que a minha mulher trouxe ontem da Gulbenkian. O homem, evidentemente, não tem razão alguma, mas estou tão bem disposto que lhe vou dar uma oportunidade.