quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Doubt

Há muitas sugestões que deveriam ter sido feitas a John Patrick Shanley quando este preparava a adaptação da sua peça Doubt ao cinema. A primeira é a de que não se deve estoirar todo o orçamento nos actores, mesmo que se queira fazer um «filme de actores». E que um «filme de actores» não pode deixar de «um filme». Surpreendentemente acabamos por ser conduzidos à conclusão de que o casting falhou, sobretudo na contratação de Meryl Streep e de Seymour Hoffman: Streep porque já lhe vimos fazer bem melhor (não era preciso Meryl Streep para isto), e Seymour Hoffman porque lhe falta alguma ambiguidade para suportar o papel. A sua estratégia para alcançar «a dúvida» passou mais por uma certa bipolaridade nas reacções e não tanto pela desejada fragilidade da incerteza (as cenas de missa são particularmente pouco verosímeis). Viola Davis, com uma cena monumental, e Amy Adams, a personagem mais complexa da história, levam todos os créditos para casa, e isso é muito quando se está na presença daqueles dois pesos pesados.

A segunda seria dizer a Shanley que não desmonstrasse tanto medo como demonstra em Doubt. A adaptação de uma peça ao cinema - e sobretudo se está a ser feita pelo próprio - deveria acusar a mudança de registo. Doubt é um filme estruturado como uma peça: poucos actores em cada cena, cenas compridas, muito texto, muito texto, muito texto. Quando isso resulta bem, como na já referida cena de Viola Davis ou na cena a três no gabinete da directora da escola onde é feita a acusação ao padre, vale muito a pena; quando isso não acontece, sobra espaço e as personagens ficam demasiado soltas no vazio. Em palco, a cara e a postura do actor podem concentrar toda a atenção do público; na tela, quando o cenário passa a ambiente físico real, esperamos algo mais. Esse algo mais raramente acontece em Doubt (na cena de Viola Davis, por exemplo, é o clima que cumpre esse papel através do vento) e fica sempre um sentimento de insatisfação a pairar.

Teria sido interessante e útil para Shanley se se tivesse forçado a uma descolagem da peça, como por exemplo a transposição temporal da acção. Tirando a referência a JFK, não parece haver muito que impeça aquela história de acontecer nos dias de hoje (com as devidas adaptações de comportamento). Por exemplo. Sem algum elemento desse tipo Doubt resultou num filme preguiçoso, que sabia contar com uma ideia muito boa, com intérpretes muito bons, e que pôs o ponto morto mal se viu a descer suavemente a estrada. Não chega.