terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A federerização

Tendo a concordar com esta linha argumentativa do maradona quase na sua totalidade exceptuando os momentos em que ela é usada para desqualificar uma prévia linha argumentativa que eu próprio tracei. Claro que o paradoxo que daqui nasce é, na gíria política, uma óptima oportunidade para esclarecer alguns dos fundamentos que me nortearam. Há dois tipos de jogadores: aqueles que entram em campo para defrontar adversários concretos e aqueles que entram em campo para defrontar uma ideia de adversário que eles constroem na cabeça deles (todos os outros são sub-tipos: o Sampras, por exemplo, era um jogador que jogava contra, ou a favor, da sua ideia de piso enquanto eu próprio sou um, enfim, jogador que joga contra a ideia que eu faço de mim próprio). Nadal pertence ao tipo A, Federer ao tipo B. Para Nadal todos os outros jogadores são seres humanos com duas pernas e dois braços passíveis de serem derrotados; para Federer todos os outros jogadores são conceitos abstractos que representam uma redução daquilo que são às suas mãos. Isto é tão evidente que todos os jogadores que enfrentam Federer se vêem transformados no conceito federeriano deles próprios. Até nós, telespectadores, nos vemos transformados no conceito federeriano de telespectador, e isso às vezes contribui para uma certa falta de clareza que felizmente não me afecta. Nadal não está imune à sua federerização mas, tragicamente para Federer, Nadal é o único jogador do mundo que é inferior à sua federerização: o conceito federeriano para «Rafael Nadal» confunde-se com o conceito geral de «invencibilidade», e esta patologia vai-se agravando com o passar do tempo. Na final de ontem, que não foi um bom jogo de ténis como explicaremos em tempo próprio, Federer entrou em campo, como já demonstrámos, para defrontar o Rafael Nadal da sua cabeça e, tragicamente para Federer, Rafael Nadal não chegou a entrar em campo: quem entrou em campo foi mesmo o holograma federeriano de Rafael Nadal. Como também já foi explicado em sede própria, a federerização é suficientemente forte para operar uma transubstanciação nos outros meninos, e se isso geralmente costuma facilitar a vida a Federer, no caso de Rafael Nadal só impossibilita uma possível vitória. A verdade é esta: nenhum dos dois se supera quando se enfrentam, antes se anulam. Por isso discordo do maradona quando diz que esta final foi «muito melhor que qualquer das finais entre Agassi e Sampras». Não foi, porque as finais entre Agassi e Sampras tinham o condão de trazer à tona um Agassi e um Sampras que até esse momento não tinham surgido. Para Sampras ganhar a Agassi tinha de ser melhor do que Sampras e vice-versa; para Nadal ganhar a Federer basta que leve um espelho, o vire contra Federer e confiar na sua superioridade técnica. Tenho de ir trabalhar, mas não queria deixar de aqui deixar (ui ui) mais duas ou três notas: obviamente não conto com Roland Garros para a contabilização dos grand slams e por isso registo que, aos 22 anos, Nadal conseguiu o seu segundo (os mesmos que Federer tinha aos 22 anos e 9 meses, mas diferente dos que tinha Federer aos 22 anos e 11 meses, que eram 3), mas admito que isto possa ser um problema meu. Depois, há a teoria da conspiração: nos últimos anos temos assistido a uma desaceleração dos chamados pisos rápidos, incluindo o TGV de Wimbledon, e isso tem prejudicado o ténis mais bonito do mundo: o serviço rede está em vias de extinção, e isso é triste.