segunda-feira, 4 de junho de 2007

Holmes Place - uma história de amor

Nos finais de Março de 2006 dirigi-me ao ginásio Holmes Place com o fim de me inscrever. Queria exercitar o belo exemplar de corpo humano que possuo e o Holmes Place, por ter vários ginásios espalhados pelo país, era o que mais me convinha (sou uma pessoa muito viajada). Fiz a visita às instalações. A coisa agradou-me (apesar de me ter sido negado o acesso aos balneários femininos, coisa que lamentei devidamente). Sentei-me à mesa das negociações pronto a assinar o contrato. Explicaram-me, grosso modo, as condições: mínimo de 12 meses de permanência, 86 euros de mensalidade, oferta da primeira, modo único de pagamento: transferência bancária. Promoção, disseram eles, estamos a oferecer a primeira mensalidade. Boa, pensei, dividindo de cabeça 11 por 12, contente por ver a mensalidade baixar de 86 para 78 euros. Antes de assinar (com sangue, pediam eles, mas eu convenci-os de que o meu sangue estava contaminado com, horror, gordura e grelhados, e lá consentiram que usasse uma Bic) virei a página e comecei a ler as letras pequeninas. A Rita, chamava-se assim o contact marketing-new-prospect-whatever-manager, ao ver-me aproximar a folha dos olhos, exclamou prontamente: O que é que 'tás a fazer? (Foi curto mais intenso, o nosso relacionamento, já nos tratávamos por tu, ou assim o pensava ela.) Eu, ingénuo, coitado, lá disse que estava a ler o contrato que me preparava para assinar. A Rita levantou-se, ofegante, e arrancou-me a coisa da mão, dizendo que ««tudo» o que eu «precisava de saber» estava numa folha A4, com três ou quatro pontos escritos a Arial tamanho 28, onde se dizia, lá está, 12 meses de permanência, promoção oferta da primeira mensalidade. Como nessa altura já incorria no erro de me relacionar intimamente com uma jurista, já me tinha sido explicado que aquela atitude tornaria o contrato nulo. Fixe. O que eu queria mesmo era abater centímetros à cintura, e por isso lá completei o processo. Estava lá dentro.

Nunca mais vi a Rita. Mas passei a ver, numa base regular, a passadeira, o que significou uma melhoria, pois esta fazia mais cerimónia (não me tratava por tu, apesar de eu me pôr em cima dela dia sim dia não). A minha cara de cu fez o resto: não fiz amigos, ninguém me dirigia a palavra, a coisa corria bem. Escusado será dizer que não aguentei. Ao fim de 9 meses (coincidência?) fraquejei. O divórcio estava consumado. Tinha tido a minha dose de chinelos e ministros nus (ui, ganharia direito a uma entrevista no 24 horas se vos dissesse de que ministro se trata, logo agora). Como sou uma pessoa de bem, continuei a honrar o compromisso que fizera. Tinha começado a frequentar o ginário em Abril de 2006 e por isso, chegado a Março de 2007, após ter visto descontada a mensalidade respectiva (o que eu chorei a cada dia 3 de cada mês durante um ano, conto-vos), cancelei a ordem de pagamento e avisei por escrito o ginásio da minha decisão (era um dos requisitos do tal contracto nulo). Bom, visto que não frequentava a coisa ia para 3 meses, pensei que já não me ligariam, que tinha perdido todos os amigos, que era apenas mais um número. Qual quê. Fui prontamente contactado. Ah, rejubilei, não fui esquecido, há esperança para o género humano. Querida, disse eu, são as saudades que te fazem ligar? Mais ou menos, ripostou ela (pela voz percebi que não era a Rita, mas eu nunca fui muito de ligar a nomes), estou a ligar porque falta pagar uma mensalidade. Caiu-me a alma aos pés. Afinal, são todas iguais, só querem o nosso dinheiro. Falta pagar?, choramingava eu com a boca já salgada das lágrimas. Mas eu paguei tudo direitinho, tudo direitinho. Não, insistiu ela, com a crueldade dos insensíveis, o senhor (pronto, até já o tu tinham deixado cair) só pagou 11 mensalidades, falta uma. Claro que só paguei 11, querida (ainda estava em denial), vocês ofereceram-me a primeira, está aqui no papel. Foi aqui que tudo desabou por completo: explicaram-me que essa mensalidade oferecida não era contabilizada para efeitos de permanência obrigatória, como estava explicado na cláusula 485097 do contracto que não me deixaram ler. Traição, foi o que senti, traição fria e crua e dolorosa. Desliguei o telefone, após ter explicado que não iria pagar a tal mensalidade porque não considerava que a devia. Tudo bem, disse ela, num tom que guardarei até à cova. A partir de agora é uma empresa de cobrança de dívidas que o passará a contactar. Passe bem. Olhei para as fotos desse tempo: tudo acabado, terminado, a mal. Não me sentia assim desde que o Rui Costa saiu do Benfica em 1994. Tinha sido tudo tão bonito.

Há 20 minutos recebi o contacto da tal empresa. Já não estou sentimental como dantes. Expliquei tudo. Ela compreendeu mas disse que seria difícil de provar. Eu lá expliquei que havia testemunhas, que eu não estava sozinho quando tudo se passou. Ela (mandam sempre gatas, os sanguessugas) disse que compreendia mas que teria de confirmar com o Holmes Place. Eu avisei que já não era o valor da mensalidade que estava em causa, mas uma questão de honra e diginidade. Não sei se ela percebeu que eu queria dizer «amor», e que recorri ao eufemismo por pudor.